“É importante que os jovens percebam que ao iniciar um relacionamento de namoro não perde m os direitos que até então tinham”

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Ofensas verbais, humilhações, controlar a maneira de vestir, controlar com quem a pessoa convive, o uso do telemóvel e das redes sociais. Estas são apenas algumas das formas de violência no namoro, todas com o objectivo magoar, humilhar, controlar e assustar o parceiro.
O comportamento continua a fazer muitas vítimas e a prevenção e sensibilização, perto dos jovens e nas escolas, destina-se a ajudá-los a detectar os sinais e a agir. A Associação Portuguesa de Apoio à Vitima identificou, só o ano passado mais de 580 casos, dos quais 216 referiam-se a situações de namoro e 366 referiam-se a agressões por parte de ex-namorados.
Gazeta das Caldas falou com Gustavo Duarte, psicólogo da APAV, que aconselha as vitimas a pedirem ajuda a alguém de confiança e expor a situação. Os amigos podem ter, nestes casos, um papel fundamental.

Gazeta das Caldas (G.C.): Como define a violência no namoro?
Gustavo Duarte (G.D.): A violência no namoro define-se como um acto de violência perpetrado por um dos parceiros numa relação de namoro, tendo como principais objectivos controlar, dominar e ter mais poder do que o outro parceiro.
É importante referir que, embora estas situações tendam a ser continuadas, um acto pontual de violência é também considerado violência no namoro. Estas situações podem acontecer com qualquer pessoa e é importante não pensar que apenas acontece com o nosso colega do lado.
Por fim, é importante perceber que os comportamentos violentos em contexto de namoro estão “inseridos” no crime de violência doméstica, que é um crime público, isto é, qualquer pessoa que tenha conhecimento da situação pode denunciá-la, mesmo que anonimamente.

G.C. – Quais são as formas de violência mais frequentes no namoro?
G.D. – Podemos agrupar os comportamentos em várias formas de violência, como a violência física, sexual, verbal, psicológica e social. Contudo, tendo em conta a minha prática, os comportamentos que aparentam ocorrer com maior incidência no namoro estão relacionados com as ofensas verbais, humilhações, controlar a maneira de vestir, controlar com quem a pessoa convive e o uso do telemóvel e das redes sociais.
É pertinente referir que na violência no namoro, assim como na violência doméstica, existe a tendência para uma escalada da violência, isto é, começa com alguns comportamentos mais subtis evoluindo posteriormente para agressões mais gravosas.

G.C. – Como é que um jovem percebe que não está numa relação saudável?
G.D. – É importante que os jovens percebam que ao iniciar um relacionamento de namoro não perdem os direitos que até então tinham, como, por exemplo, o direito a dar a sua opinião, dizer não, fazer escolhas livremente, ter amigos do sexo oposto, não ser agredido de qualquer forma e estabelecer limites.
É essencial os jovens terem noção que comportamentos de controlo, de humilhação, de manipulação não são sinónimos de carinho ou amor mas sim de violência.

G.C. – Quem costuma ser mais violento? O rapaz ou a rapariga?
G.D. – É uma pergunta difícil de responder pois na APAV apoiamos todos aqueles que nos procuram, não sendo possível ter uma visão exata sobre quem é mais violento. Contudo, tendo em conta a minha experiência, os rapazes têm uma tendência maior para a utilização da violência física enquanto as raparigas tendem a exercer mais violência psicológica e social.
Porém trata-se apenas da minha experiência sendo que cada caso é um caso e não nos devemos deixar influenciar por ideias pré-concebidas relacionadas com a violência no namoro.

Os amigos são
essenciais para a
resolução dos casos

G.C. – O que se deve fazer se for vítima de violência no namoro?
G.D. – Na minha opinião, é fundamental pedir ajuda a alguém de confiança e expor a situação. Seja falando com amigos, com familiares, com um professor de confiança, com um serviço de psicologia da escola, com a APAV, entre outras pessoas ou entidades. Trata-se de uma situação grave e que deve ser resolvida o mais depressa possível pois tem consequências negativas para a vítima.
É importante numa primeira fase promover a segurança da vítima e planear algumas medidas de defesa. Claro que a denúncia ou a formalização de queixa às autoridades policiais também é muito importante.

G.C. – E como é que os amigos podem, também, ajudar em situações de violência no namoro?
G.D. – Este assunto é fundamental porque acredito que os amigos são, na maioria dos casos, elementos essenciais para ajudar na resolução destes casos.
Os amigos devem ter uma atitude de colaboração e respeito, conversar num local privado, ouvir com atenção, mostrar preocupação e interesse, não fazer juízos de valor nem utilizar perguntas do tipo “porquê?” que possam fazer a vítima sentir-se culpada e devem convencer a mesma a falar com alguém da sua confiança que possa ajudar.

G.C. – Como é que a APAV tenta sensibilizar os jovens para esta situação?
G.D. – A APAV promove muitas acções e outros eventos perto dos jovens e nas escolas, sensibilizando-os para estas problemáticas, para que possam detectar e agir.
Os Gabinetes de Apoio à Vítima (GAV) são também serviços de proximidade e os jovens devem ter conhecimento que podem pedir apoio e conversar com técnicos, o que é muito importante. A APAV está igualmente presente na internet e nas redes sociais.
A APAV tem ainda uma forte componente digital e ligada aos media, através, por exemplo, do site www.apavparajovens.pt, onde podem encontrar muita informação sobre a violência no namoro e outros temas e ainda vídeos e spots de rádio.

G.C. – Esteve em Óbidos recentemente numa escola secundária. Como foi o acolhimento? Foram-lhe suscitadas muitas questões?
G.D. – O acolhimento na Escola Secundária Josefa de Óbidos foi óptimo e a receptividade para falar do assunto também. Por vezes existe alguma resistência em abordar estes temas mas não senti, de todo, isso em Óbidos.
Tanto por parte dos profissionais da escola como dos alunos senti um grande interesse que se reflectiu numa grande participação, com várias questões e debates saudáveis sobre o tema.

Jovens procuram cada vez mais ajuda

 

G.C. – Os jovens costumam pedir ajuda?
G.D. – Sim, e cada vez mais. A divulgação dos serviços e a sensibilização destas problemáticas têm sido fundamentais.
Segundo as estatísticas da APAV do ano de 2017, a associação teve 810 situações com crianças e jovens, o que equivale a 16 por semana ou 2 por dia. Claro que nem todas estas situações foram relacionadas com violência no namoro mas estes dados indicam que existe uma maior procura por apoio por parte desta população.
Na minha prática noto que existem cada vez mais jovens a procurar o GAV de Santarém. Vejo isto como algo muito importante, pois se a situação de violência existe, a procura por apoio demonstra uma vontade para a mudança.

G.C. – A violência também surge associada às redes sociais. Qual a percepção que tem desta realidade, é crescente?
G.D. – Penso que sim. As redes sociais têm grandes utilidades positivas, contudo também podem ser utilizadas como ferramentas para agredir alguém.
São exemplos disso a difamação e humilhação de alguém através das redes sociais, a exposição de imagens ou vídeos e a utilização de perfis falsos para denegrir a imagem de alguém.

G.C. – A associação do ciúme ao amor pode ser feita, ou o ciúme é sempre uma forma de controlo?
G.D. – Sentir ciúmes, por vezes, é normal pois é o reflexo de algumas inseguranças e medos, que fazem também parte do desenvolvimento dos jovens.
O problema é quando estes ciúmes se materializam em comportamentos violentos e as estratégias adoptadas para lidar com este sentimento são de controlo. É importante que todos os jovens tenham a noção que o ciúme não pode servir de justificação para qualquer comportamento violento.

G.C. – Há números sobre a violência no namoro? Que dados nos pode fornecer?
G.D. – Olhando para as estatísticas da APAV referentes ao ano de 2017 verificamos que existiram 216 situações em que a relação da vítima com o agressor era de namoro e 366 em que eram ex-namorados, isto é, já tinham terminado a relação mas existia, ou continuou a existir, violência.
De realçar que todas estas situações, de namoro ou ex-namoro, se enquadram no crime de violência doméstica.

Quem é Gustavo Duarte

Gazeta das CaldasNatural e residente em Santarém, Gustavo Duarte tem 29 anos e é licenciado em Psicologia, com mestrado em Psicologia Forense e da Exclusão Social, assim como pós-graduação em psicoterapias cognitivo-comportamentais. Colabora com a APAV desde 2013 sendo actualmente Psicólogo, Técnico de Apoio à Vítima e Assessor Técnico do Gabinete de Apoio à Vítima (GAV) de Santarém.
Também possui diversas formações nas áreas da violência e da vitimologia.

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