Patrícia Gaspar, porta-voz da Proteção Civil, classificou o passado domingo como o pior dia do ano em matéria de incêndios e desta vez nem o ameno e húmido Oeste escapou à força das chamas. Em apenas dois incêndios nos concelhos das Caldas e de Óbidos – os do Olho Marinho e da Serra do Bouro – ardeu uma área superior a 800 hectares. Houve habitações em risco, mas os bombeiros, apesar de desfalcados de recursos que estavam afectos a outros incêndios, com o auxílio das populações, conseguiram evitar o pior, tendo apenas ardido uma casa de segunda habitação.
SEIS INCÊNDIOS EM SIMULTÂNEO NAS CALDAS
À noite acontecia um incêndio improvável, na estrada Atlântica, que lavrou desde a Foz do Arelho a Salir do Porto |Carlos Cipriano
Pouco passava das 20h00 quando soou o alarme que dava conta de um incêndio na Foz do Arelho, que rapidamente tomou grandes proporções e se alastrou por toda a zona da Serra do Bouro, desde a Foz do Arelho e até Salir do Porto, onde também houve uma ignição já passava da meia noite.
A extensão da frente do fogo e a altura das chamas faziam com que o fenómeno fosse visível do centro das Caldas da Rainha. O calor, o forte vento e a vegetação fizeram com que a propagação fosse rápida e a escassez de meios de combate disponíveis constituíram uma dificuldade adicional para os bombeiros.
Facilmente se teria resolvido este incêndio caso tivesse sido possível actuar de início com os princípios de triangulação de meios, disse à Gazeta das Caldas o comandante dos bombeiros das Caldas, Nelson Cruz. Nesse tipo de ataque é enviado, pelo menos, uma viatura de três corporações diferentes para um incêndio. O problema é que “havia fogos em todos os concelhos, pelo que não foi possível fazer essa triangulação”. Nem mesmo a corporação caldense conseguiu concentrar esforços naquele incêndio, uma vez que nessa noite chegou a estar mobilizada para seis fogos em localidades diferentes.
Desta forma, a preocupação no combate às chamas foi em defender as casas que foram ameaçadas. Nelson Cruz realça que isso foi conseguido praticamente a 100%. Só não foi possível evitar que o fogo consumisse uma casa de madeira, que constituía segunda habitação, pelo que o incêndio não provocou desalojados.
As chamas consumiram uma área de 327 hectares, na sua maioria entre o mar e a Estrada Atlântica. O teatro de operações só foi encerrado mais de 24 horas depois. Segundo a Protecção Civil, chegaram a estar envolvidos 23 meios terrestres e 87 bombeiros. A corporação das Caldas teve mais tarde auxílio das do Cadaval, Rio Maior e São Martinho do Porto.
Praticamente ao mesmo tempo deste incêndio deflagrou um outro no Carvalhal Benfeito. Testemunhas relataram à Gazeta das Caldas que o que começou por ser uma pequena fogueira rapidamente tomou grandes proporções, mas não foi possível perceber qual a origem da ignição. Neste incêndio estiveram envolvidos 36 bombeiros das Caldas com nove viaturas. Ardeu uma área de 24 hectares. Nesta ocorrência não estiveram habitações em risco.
Ao mesmo tempo que combatiam estes dois fogos de maior dimensão, os bombeiros das Caldas tiveram ainda que se repartir por mais quatro ignições, nas Águas Santas, Landal, A-dos-Francos e Salir do Porto, com áreas ardidas significativamente mais reduzidas. Ainda durante o domingo os soldados da paz já tinham sido chamados a mais cinco incêndios, totalizando só naquele dia 11 ocorrências.
Vários populares e uma turma de Técnicas de Cozinha e Pastelaria da Escola de Hotelaria e Turismo, acompanhada por professores e responsáveis pela escola, sensibilizaram-se com a acção dos bombeiros e foram entregar comida e água ao quartel caldense.
CASAS AMEAÇADAS NO OLHO MARINHO
Durante a tarde a Foz do Arelho ficou subitamente com o Sol encoberto devido à nuvem de fumo proveniente do Olho Marinho |Carlos Cipriano
O fogo ameaçou casas no Olho Marinho num incêndio que lavrou no domingo durante mais de 13 horas, provocou o corte do IP6 e da N114 e acabou por consumir algumas estufas agrícolas na zona do Talefe.
Carlos Silva, comandante dos Bombeiros de Óbidos, disse à Gazeta das Caldas que a ignição terá sido pelas 16h00 de domingo em dois locais distintos (o que levanta suspeitas de fogo posto). Uma das frentes teve início próximo das Cezaredas, ainda na freguesia do Olho Marinho, e outra no Talefe, perto da Serra D’El Rei mas também no concelho de Óbidos.
As chamas tiveram rápida propagação devido à acção do vento forte e do tempo quente e seco. No teatro de operações chegaram a estar 125 elementos e 32 viaturas de várias corporações de bombeiros, mas a ignição de incêndios noutras zonas, nomeadamente os do concelho das Caldas da Rainha, levaram a que algum do contingente fosse desmobilizado, o que travou o combate às chamas.
Carlos Silva contou que a partir dessa altura foi necessário rever a estratégia de combate às chamas, direcionando a acção para a protecção às casas entretanto ameaçadas. As situações mais dramáticas viveram-se no Olho Marinho, onde as chamas “chegaram a tocar as fachadas das casas”, mas, em conjunto com a população, os bombeiros conseguiram salvar todas as habitações. “Alertámos as pessoas para ficarem em casa, com as janelas e portadas fechadas, e os que puderam ajudaram-nos com mangueiras a molhar o perímetro das casas”, conta o comandante da corporação obidense.
Na frente de incêndio do Tafele também houve habitações que chegaram a ser ameaçadas, mas a situação não foi tão grave como no Olho Marinho. No entanto, o fogo obrigou ao corte do IP6 e da N114. As chamas atravessaram mesmo as duas vias e acabaram por consumir uma zona de estufas agrícolas.
Ao todo, terão ardido cerca de 470 hectares de perímetro florestal, mato e zona agrícola, naquele que foi o incêndio mais grave do ano no concelho de Óbidos, tanto em área ardida como em danos materiais.
A intensidade do fogo causou ainda lesões leves a quatro bombeiros, que tiveram que receber tratamento hospitalar. Dois deles por intoxicação por inalação de fumos, um devido a uma indisposição e outro com uma lesão ocular, sem gravidade.
As chamas foram dominadas pelas 5h00 da madrugada de segunda-feira e pelas 6h40 a ocorrência entrou em fase de rescaldo.
Carlos Silva recorda que esta é uma zona com um largo histórico de ignições, mas que por norma não assumem estas proporções. Para prevenir que se possa repetir no futuro, o comandante dos bombeiros de Óbidos alerta para a necessidade de limpar pelo menos o perímetro das habitações.
Além desta ocorrência, os bombeiros de Óbidos estiveram a combater o incêndio de Pataias, onde já tinha duas viaturas e sete bombeiros quando o incêndio do Olho Marinho deflagrou.
Jantar Solidário
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O restaurante Monte Horeb, no Nadadouro, vai realizar um jantar solidário a favor dos bombeiros das Caldas da Rainha, na sequência dos incêndios que assolaram o concelho no passado domingo. A iniciativa realiza-se a 28 de Outubro e ao jantar, que tem um custo de 18 euros, segue-se um concerto com o grupo de cantares e danças goesas Surya.
Mirones só atrapalham
O incêndio atraiu mirones à Foz do Arelho e à Serra do Bouro. Muitas pessoas deslocaram-se para essas zonas apenas para ver o que se passava e para tirar fotografias às chamas, que rapidamente colocavam nas redes sociais, o que, por sua vez, ainda atraía mais gente.
Nelson Cruz, comandante dos bombeiros das Caldas, não tem dúvidas em apontar que essa presença “só atrapalha a acção dos bombeiros”. O responsável recordou que várias pessoas perderam a vida pela curiosidade de assistir a incêndios (como aconteceu em Pedrógão Grande) e lamenta que isso não tenha servido para dissuadir este tipo de comportamento. Além de consistirem uma preocupação a mais para os soldados da paz, “estas pessoas estão a colocar-se a si próprias em risco”, adverte.
Uma viagem pelo Centro das chamas
No domingo segui em reportagem para Cesar, no concelho de Oliveira de Azeméis, para acompanhar a equipa do Caldas no jogo da Taça de Portugal. A viagem em família rumo a Norte foi tranquila e, apesar do forte calor que se fazia sentir logo pela manhã, nada fazia prever o cenário que enfrentaríamos na viagem de regresso a casa, provocado pelos incêndios.
Foi em São João da Madeira que tivemos o primeiro contacto com o que viria a ser o final de tarde e a noite para milhares de pessoas. Ao calor que já antes se sentia, juntava-se um vento quente a crescer de força. “Resquícios do furacão Ophelia”, dizia a empregada do restaurante onde almoçámos, irritada com o vento que teimava em fazer voar os guarda-sóis da esplanada.
Após um almoço em que o constante soar das sirenes dos bombeiros levantava inquietação, vimos pela primeira vez uma extensa coluna de fumo que tinha origem nas colinas a poucos quilómetros dali.
O local do jogo, na localidade de Cesar, aproximou-nos bastante do incêndio. De resto, o jogo entre Cesarense e Caldas tinha como pano de fundo esse mesmo cenário. Não víamos as chamas, que lavravam do lado oposto da encosta, mas com o decorrer do jogo o cheiro a queimado intensificou-se. Viemos depois a saber que se tratava de um dos incêndios de maiores proporções daquele dia – o de Vale de Cambra.
Depois de terminado o jogo de futebol, ouvia-se nos intercomunicadores dos agentes da GNR que o fogo estava próximo de ser dominado, depois de ter, inclusivamente, cercado um posto de combustíveis.
Nessa altura não tínhamos a noção da gravidade da situação a nível nacional. Nem que o caminho que nos ia levar a casa também nos colocava na rota de outros incêndios que provocaram algumas das situações mais delicadas para as populações locais.
Passámos a ter essa noção rapidamente quando iniciámos a viagem de regresso. As notícias na rádio colocaram-nos a par do que se passava entre Cesar e as Caldas. As enormes colunas de fumo negro e uma informação que, dali a 14 quilómetros, a A1 estava cortada era a confirmação do cenário dantesco, acentuado pelo intenso cheiro a fumo que sentimos na paragem na área de serviço de Antuã.
A saída forçada em Albergaria provocou uma fila de cerca de três quilómetros e muita ansiedade face à proximidade das chamas. Mas o pior estava para vir.
SEM DESCANSO DE AVEIRO ÀS CALDAS
A partir daquele momento a viagem foi tudo menos tranquila. Mantivemos a calma aparente para não aumentar o nervosismo da nossa filha de seis anos, que percebia o alarme das notícias que passavam na rádio e se recusava a dormir a sesta.
Não houve, até passar a zona da Nazaré, um quilómetro de auto-estrada em que não avistássemos permanentemente o negro do fumo que cobria quase por completo o Sol e, não raras vezes, chamas a lavrar.
Testemunhámos a dimensão do incêndio de Vagos, logo a seguir a Aveiro. Mais tarde, soube-se que esse fogo galgou a A17 sem que o trânsito estivesse cortado, colocando em sério risco os automobilistas que ali circulavam.
E mais tarde, após o anoitecer, foi possível então perceber a real dimensão da catástrofe. A sul da Figueira da Foz as colinas entre a estrada e o mar eram consumidas por um extenso rasto de vermelho vivo do fogo que se aproximava perigosamente após uma longa curva à direita. Foi nessa altura que as chamas estiveram mais próximas de nós, a escassos metros da beira da estrada.
Mais adiante surgia no céu, ao longe, um grande clarão vermelho que denunciava a intensidade das chamas que acabaram por consumir o Pinhal de Leiria.
E quando pensávamos que estávamos livres daquele inferno, à chegada a casa percebemos o que se passava entre a Foz do Arelho e Salir do Porto, e mais a sul no Olho Marinho e Serra D’El Rei.
As chamas não chegaram a ameaçar-nos seriamente. Toda a ansiedade provocada por aquele cenário só deu para fazermos uma mínima ideia do que terá sido a aflição das pessoas que viram as suas vidas e bens ameaçados pelo fogo.
Convocada manifestação em memória das vítimas
“Por um país mais consciente” é o mote de uma manifestação convocada nas redes sociais para honrar as vítimas dos incêndios e protestar contra a negligência das autoridades na protecção da floresta, que terá lugar amanhã, 21 de Outubro, um pouco por todo o país.
Os protestos surgem de uma vaga de cidadãos, que de forma espontânea, têm organizando manifestações pacíficas pelas vítimas dos incêndios e contra a inacção do Governo.
Há pelo menos 20 acções de protesto em todo o país, previstas para Porto, Lisboa, Leiria, Coimbra, Viseu, Peniche, Marinha Grande, Ilha Terceira e Pedrogão Grande, entre outras localidades.
Nas Caldas também houve um grupo de cidadãos que através das redes sociais marcou uma manifestação para a Praça da Fruta (Praça da República) para amanhã, a partir das 16h00. Segundo comunicado enviado à redacção, os manifestantes posicionam-se “contra a forma como o governo tem negligenciado a questão da protecção florestal”.
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