“O Carvalhal Benfeito é a única freguesia do co ncelho onde praticamente ainda não há saneamento b ásico”

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Gazeta das Caldas

FotoMJoaoQueridoMaria João Querido, de 49 anos, é há uma década presidente da Junta de Freguesia do Carvalhal Benfeito. Quer atrair os jovens para a sua freguesia e, entre as suas maiores vitórias, destaca ter conseguido manter aberta a escola do primeiro ciclo da localidade.
A autarca, que é também comerciante, diz que esta tem sido uma “experiência bastante interessante” e destaca a importância da delegação de competências, que lhe permite ter “mais autonomia, liberdade de acção e, também, responsabilidade”.
Com uma área de 1430 hectares e 1300 habitantes, o Carvalhal Benfeito é uma freguesia rural e bastante dispersa. Vive essencialmente da agricultura embora tenha também bastantes empresas, a sua maioria de cariz familiar.
Possui ainda um Centro Social e Paroquial com as valências de apoio domiciliário e centro de dia. Como pontos de interesse tem algum património histórico e ambiental, de onde se destaca a Mata das Mestras.

Maria João Querido
49 anos
Eleita pelo PSD
Terceiro mandato
Profissão: Comerciante
Estado civil: Casada, com dois filhos

GAZETA DAS CALDAS – Passou quase um ano e meio desde as últimas autárquicas. Quais as promessas eleitorais que fez que cumpriu desde que tomou posse?
MARIA JOÃO QUERIDO – O Carvalhal Benfeito tem sido penalizado pelas alterações do PDM, que tem levado a que os jovens não possam construir cá as suas casas e mudem-se para as Caldas e arredores. Mas nós continuamos a acreditar que é possível aumentar a população e fixar os seus jovens, pelo que estamos a apostar na criação de uma urbanização para eles.
A Câmara adquiriu um terreno de quatro hectares no centro, junto à escola primária, e está neste momento a ser desenvolvido o projecto de urbanização que, em breve espero estar em condições de lançar o concurso para aquisição dos lotes.
O Carvalhal Benfeito é também a única freguesia do concelho onde praticamente ainda não há saneamento básico. É um dos projectos que temos e que esperamos concretizar neste mandado.

GC – São situações que estão nas mãos da Junta de Freguesia concretizar?
MJQ – Estamos a contar com o apoio empenhado da Câmara. Sei que estão a trabalhar nisso e espero que no decorrer deste mandato, se não tiverem início as obras, pelo menos que fique tudo preparado para que nos próximos dois, três anos, possam ser concretizadas.
GC – O financiamento continua a ser um problema?
MJQ – Exactamente. Mas não podemos perder a esperança. Quero acreditar que vamos conseguir.

GC – Quais são as fontes de financiamento desta freguesia?
MJQ – Para além do Fundo de Financiamentos da Freguesias (FEF), temos as delegações de competências da Câmara e algumas receitas próprias da Junta, nomeadamente com o protocolo com os CTT por termos um posto a funcionar na junta de freguesia, que tem bastante movimento.
Outras receitas provêm do expediente geral, como da emissão de atestados e licenças, ou do aluguer de uma pequena sala para recolha de análises. É essa receita própria que vamos gerando que nos permite gerir os gastos e ainda ficar com alguma coisa.
O nosso orçamento ronda os 200 mil euros anuais. Do FEF recebemos 37 mil euros, que nos permite manter os serviços mínimos, como o pagamento dos funcionários, água, luz, telefone e pouco mais.

GC – A freguesia consegue manter a sua escola do primeiro ciclo a funcionar.
MJQ – Sim. Tínhamos mais duas que fecharam, mas a do Carvalhal Benfeito continua a funcionar e tem actualmente 40 alunos. A escola estava dada como encerrada pelo Ministério da Educação, mas lutámos bastante para que continuasse aberta e, felizmente, conseguiu-se, com um forte apoio da Câmara. Houve o compromisso de a recuperar e hoje tem umas condições excelentes.
Foi uma batalha muito difícil, mas conseguiu-se. É a escola central da freguesia e no último ano lectivo foi a melhor escola do concelho no ensino básico.
Está também a funcionar o jardim-de-infância, com 20 crianças, no piso térreo das instalações da Junta.

GC – Carvalhal Benfeito já teve uma extensão de saúde a funcionar, mas fechou. Está garantida a resposta aos utentes da freguesia?
MJQ – Esse é um dos pontos negativos. Em 2011, com a saída da médica de família para uma das USF das Caldas, passámos a ter médico apenas três manhãs por semana e depois até menos que isso.
Fizemos uma visita porta a porta para falar com a população e até para recolher assinaturas, mas foi uma das valências que não conseguimos manter na freguesia. Tínhamos cerca de 1200 utentes e um médico não garantia resposta a todos.
Contudo, conseguimos salvaguardar que todas as pessoas da freguesia ficassem com médico de família garantido na USF de Tornada.

GC – Como são os transportes públicos entre o Carvalhal Benfeito e a sede do concelho?
MJQ – Há autocarros diários que passam na EN 360, embora actualmente seja possível às pessoas usar os transportes escolares de manhã, à hora de almoço e de regresso à noite.
Por outro lado, como os horários na USF são mais alargados, também permitem alguma flexibilidade para que as pessoas ali se possam deslocar depois do horário de trabalho.

GC – Quais são as colectividades e grupos informais que dinamizam esta freguesia?
MJQ – Nós temos quatro associações desportivas nas Antas, Cruzes, Santana e Carvalhal Benfeito, esta última também com um núcleo de BTT que é bastante dinâmico.
Na sua maioria promovem iniciativas com regularidade e são o ponto de encontro da população. Neste momento, na localidade de Carvalhal Benfeito, só há um café de um particular aberto, de resto são associações que garantem o convívio das pessoas.

“Nunca me senti diferente por ser mulher”

GC – Até ao mandato anterior era a única mulher presidente de Junta no concelho das Caldas. Como é trabalhar no meio dos outros autarcas, todos eles homens?
MJQ – Nunca me senti diferente por ser mulher. Sempre tive o mesmo tratamento que os meus colegas. Sinto que tenho lugar em qualquer espaço onde estejamos todos e nunca houve discriminação nem ouvi ninguém falar mais baixo por eu me estar a aproximar. O que era preciso ser dito dizia-se e tenho por todos os colegas um grande carinho, amizade e respeito.
Tem havido momentos em que é preciso mantermos a nossa união enquanto presidentes de Junta e outros em que cada um de nós tem que lutar pela sua freguesia. Mas sempre soubemos lidar com as diferenças e mantermo-nos no nosso lugar.

GC – Esteve dois mandatos com o anterior presidente, Fernando Costa, e está neste com Tinta Ferreira. O que mudou no diálogo com o executivo?
MJD – São pessoas diferentes e por isso a forma de abordagem é diferente. O Dr. Fernando Costa era uma pessoa mais temperamental… havia dias que tínhamos que ponderar mais as palavras e noutros então falar. Mas reconheço-lhe muito mérito e é uma pessoa por quem tenho muita consideração.
Em relação ao Dr. Tinta [Ferreira], já o conhecia e há confiança entre nós, porque foi uma pessoa com quem lidei muito na área da Educação, na qual desenvolveu um trabalho muito meritório.
A forma de trabalhar entre eles é semelhante, com uma forma de reacção emocional diferente. Ambos têm uma postura que aprecio: explicam a razão pela qual dizem sim ou não a determinado assunto.

GC – Como é que a Maria João Querido entrou na política?
MJQ – Nem eu própria sei bem… Já era comerciante quando fui convidada pelo Dr. Fernando Costa, em 2005, para encabeçar a lista do PSD a Carvalhal Benfeito. Nunca tinha exercido um cargo político nem sequer tinha pertencido a uma Assembleia de Freguesia. Apenas praticava voluntariado e fazia parte da direcção do Centro Social e Paroquial de Carvalhal Benfeito.

GC – Mas é natural do Carvalhal Benfeito?
MJQ – Não, sou das Relvas (Santa Catarina), casei no Carvalhal Benfeito e vivo cá há 30 anos.
Primeiro convidaram-me para a direcção do centro social e aceitei. E dois anos depois convidaram-me para a Junta de Freguesia. Comecei por dizer que não por não me sentir preparada, mas a pressão foi tanta que acabaram por me convencer. Ainda assim, pensei que as coisas se resolviam no dia das eleições pois iria perder, mas o problema foi quando percebi que ganhámos e com uma grande maioria.
Em termos de sentir a noção da responsabilidade foi um dos dias mais difíceis da minha vida. E, como nunca fui de desistir, comecei a estudar, a aprofundar os conhecimentos e felizmente que contava, e ainda continuo a contar, com uma equipa excelente.

GC – Das funções que exerce, de qual gosta mais?
MJQ – Gosto particularmente da área da Educação. É um desafio permanente, mas é algo que me fascina pois diariamente surgem novas coisas a que é preciso dar resposta e pulsa vida em redor desta valência.
Também gosto de lidar com as pessoas, de acompanhar as obras.
Estes 10 anos que passaram foram leves. Nunca me senti obrigada a nada, nem pressionada porque sempre tivemos a sensação de dever cumprido dentro das nossas possibilidades.

“Sou a favor da limitação de mandatos”

GC – Como vê a delegação de competências para as freguesias? É um presente envenenado se não for acompanhado do respectivo envelope financeiro?
MJQ – Tem havido equilíbrio nesse aspecto porque tem havido o respectivo envelope financeiro, negociado. É bom ter essas delegações de competências. Dá-nos mais autonomia, liberdade de acção e atribui-nos responsabilidade.
Temos delegação de competências ao nível dos transportes escolares, refeições, manutenção de caminhos agrícolas, toponímia, colocação de sinais de trânsito, entre outras. São essas competências que temos gerido um pouco quase como se fosse a nossa própria vida, a tentar fazer sempre o máximo de trabalho com o mínimo de custos. Tendo as nossas contas em dia muitas vezes conseguimos negociar com os nossos fornecedores e funciona também como uma motivação para aceitarmos este cargo.

GC – E como é o dia-a-dia de uma presidente de Junta?
MJQ – Agitado. O presidente de Junta tem o telemóvel disponível 24 horas por dia. Somos os primeiros a quem a população recorre, muitas vezes por problemas que passam ao lado das nossas competências, mas é preciso ouvir e, sempre que possível, tentar resolver ou encaminhar para o sítio certo.
Diariamente tenho que passar pela Junta e despachar atestados, provas de vida e tratar do expediente.

GC – Não se pode recandidatar porque já cumpriu três mandatos. Vai sentir saudades ou pensa continuar na política?
MJQ – Ainda é muito cedo para pensar nisso. Em termos de ocupação não vou sentir falta porque, como sou comerciante, às vezes as horas não me chegam para dormir.
Não faz parte dos meus objectivos de vida seguir uma carreira política. Tem sido uma experiência bastante interessante, com os seus momentos difíceis também, mas com um saldo que pende para o positivo pois tem sido uma aprendizagem constante. Em termos de valorização pessoal acho que aprendi muito, cresci interiormente até na gestão das próprias emoções e relacionamento com os outros.

GC – E como tem sido a relação com a oposição?
MJQ – Neste momento nem temos oposição na Junta do Carvalhal Benfeito. Nestas últimas eleições, com muita pena minha, concorremos sozinhos, não houve mais candidatos.
Apelava à população que não deixem que isso volte a acontecer porque precisamos da pluralidade de ideias para a democracia ser mais enriquecedora. Precisamos do despertar de consciências e, nas assembleias onde tivemos oposição (há dois mandatos do PS e no mandato anterior do CDS-PP) a qualidade era boa, porque era outra forma de olhar.
Também sou a favor da limitação de mandatos porque é uma forma de revezar, de mais pessoas passarem pelos cargos e perceberem as coisas boas e más.