ontem & hoje

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Postal Ilustrado
Joaquim António Silva – 2012

A foto mais antiga que dá uma visão parcial, mas muito completa de uma parte das Caldas da Rainha, mostra uma terra pacata, calma e equilibrada em termos de espaço e horizonte urbano.
Provavelmente foi tirada na primeira metade do século passado uma vez que não se avista nenhum automóvel, não havendo tão pouco qualquer edifício que desvirtue a povoação com os inventos da revolução industrial mais pesada.
Ambas as fotos poderão ter sido colhidas no Pinheiro da Rainha, muito típico miradouro caldense até meados do século passado.
Infelizmente os últimos anos não modernizaram aquela entrada na cidade, mostrando ainda algumas chagas urbanas – decorrentes do abandono de alguns dos edifícios, quer de decisões recentes de construção de outros que não foram até ao fim, por falta de visão de autoridades públicas locais e de incapacidade financeira e técnica de operadores privados – que não foram tratadas .
Uma rua, que merecia ser uma entrada nobre das Caldas da Rainha, por desleixo, falta de planeamento e/ou incapacidade dos caldenses para gerirem o seu património urbano, demonstra o muito que há por fazer para voltar aos equilíbrios dos finais do século XIX.
O leitor pode entender como devia ser belo uma passeio no início do século pela Mata do Hospital até chegar aquele ponto chave da cidade, onde se pensa que as gerações anteriores se deleitavam com uma visão da cidade e do seu crescimento contínuo.
Ao longe na fotografia mais antiga parece vislumbrar-se a Lagoa de Óbidos, coisa totalmente encoberta na fotografia mais recente. Poder-se-á dizer que é fruto do desenvolvimento e da modernidade e que só os “velhos do Restelo” se penitenciam de como o mundo mudou nas últimas cinco ou seis décadas, mas também pode ser símbolo de insensibilidade e de ignorância cultural e ambiental.
Bastante do que foi feito em termos urbanos não tem valor acrescentado na qualidade de vida e transformou a urbe numa terra sem alma nem identidade. Desde a sua fundação Caldas da Rainha estava naturalmente ligada às termas, bem como aos seus espaços verdes, iguais aos que envolvem qualquer estância termal – digna desse nome – no mundo.
É evidente que não defendemos que sejam expulsos do casco urbano os veículos com motor nem que haja obrigatoriedade de manter os edifícios na íntegra como eram no final do século XIX. Não é disso que se trata.
Mas quem visite algumas das estâncias termais de maior renome na Europa verificará como foram poupadas a esse novo riquismo do cimento armado e da construção em caixote. Alguns exemplos como Bath (Reino Unido), Karolvy Vary (Rep. Checa), Vichy (França), etc., fazem do urbanismo específico de uma cidade termal um dos pontos fortes para atrair banhistas e turistas, criar emprego e produzir riqueza.
Depois juntam-lhes outros atractivos como hotéis de qualidade, com vários níveis de preço, centros culturais, casinos, jardins, parques, lagos, rios, etc., que os transformam em locais de descanso e de lazer, aos quais deve estar associado o termalismo.
Nalguns casos como, por exemplo, Karolvy Vary também lhe juntam uma produção industrial cerâmica (e vidro) que, para além da sua produção para exportação internacional, investem nos produtos tipicamente locais ou em design contemporâneo que tem uma procura selecionada e que alimenta algumas pequenas empresas de produção quase artesanal. Nas lojas de artesanato do centro da cidade podem-se encontrar peças de cerâmica (e vidro) para todos os gostos e bolsas que fazem mais tarde recordar a cidade.
O leitor com uma idade mais provecta poderá identificar na fotografia mais antiga alguns pontos de referência das Caldas do passado que decerto lhe trarão boas recordações.
Quem estudou nas antigas instalações da Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha (hoje ocupado pelo edifício dos serviços administrativos do Centro Hospitalar) recordar-se-á do terreno em pousio do lado esquerdo da fotografia mais antiga, onde hoje estiaaldenseo o Hospital caldensesquerdo da fotografai mais antiga, onde hoje estrde lazer, ao que deve estar associado o termalisá instalado o Hospital Distrital.
Nesses tempos a Mata era como que o anexo para distracção e aventura dos alunos da escola industrial que tanto a utilizavam para as suas provas de corta mato, como para a prática do futebol, que muitas vezes não era bem tolerada nas actividades escolares.
Recordar-se-ão também que nas primeiras décadas da segunda metade do século passado, os alunos da escola industrial e comercial viam passar diariamente, alguns a pé, outros numa carrinha Volkswagen, se a memória não me trai, alunos que frequentavam o ensino liceal privado no Colégio Ramalho Ortigão, no que significava uma primeira discriminação social que atingia muitos na época. Muitos anos passados estas diferenças estão apagadas na memória, mas mesmo assim ficou um estigma que leva muitos ainda a diferenciar na nossa cidade entre escolas e liceus, quando essa diferença nominal terminou há cerca de 40 anos.
Muitos não saberão que um aluno do ensino comercial e industrial para chegar à Universidade nessa época  teria que fazer um percurso do combatente, ultrapassando obstáculos pedagógicos, burocráticos e científicos, o que permitiu a poucos lá chegarem no final duma longa carreira estudantil.
A Rua Diário de Notícias poderia significar em parte do século passado uma fronteira entre as duas realidades da promoção e ascensão social de muitos, que só a muito custo poderia ser e foi ultrapassada.
Mas esta rua faz-nos recordar ainda típicos estabelecimentos comerciais do início do século XX, para além de um Hotel – Rosa de seu nome -, como lojas de sementes, roupas, mercearia e drogaria, barbearias, máquinas de costura (PFAFF, se não me engano), misturadas com residências particulares, algumas tascas e até uma cocheira (local de “estacionamento” de burros e bois e de aplicação de ferraduras) que era uma das base da logística na época para muitos agricultores que vinham às Caldas fazer as suas vendas na praça da fruta. Recordo ainda que junto a essa cocheira havia um restaurante onde era típico ir comer uma sopa de pedra (com a pedra a sério).
No início desta rua também se podia encontrar o Quartel da GNR, depois do edifício onde funcionavam as Finanças em partilha com a Polícia de Segurança Pública e onde havia também a prisão da comarca no andar térreo.
A prisão tinha uma janela larga com grades de aço viradas para os acessos das Finanças e da PSP, cobertas por uma rede metálica que impedia que se vislumbrasse o interior mas que permitia um contacto directo (sem distinguir os rostos) com os presos que, com uma régua fina de madeira, recolhiam umas esmolas de quem passava.
Haverá provavelmente caldenses que poderão formular outras e mais ricas memórias a partir destas fotografias. Mas ficam estas que modestamente me surgem e me deixam uma nostalgia profunda desses anos difíceis..
JLAS

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