A família de Eugenia Veis foi uma das que nas últimas semanas chegou às Caldas, refugiada da guerra. O acolhimento é feito sobretudo pela comunidade ucraniana residente nesta região
Mãe de quatro menores e grávida de uma menina, Eugenia Veis, de 36 anos, tomava conta da casa e tinha uma vida tranquila em Kiev, até que tudo mudou em finais de fevereiro. O início da invasão por parte da Rússia, com os ataques aéreos a atingirem a capital, logo na manhã de 24 de fevereiro deixou a família em sobressalto. O casal e os quatro filhos permaneceriam na capital mais três dias, até que apanharam o comboio rumo à fronteira com a Roménia. A travessia da fronteira foi feita a pé, um percurso de seis quilómetros “muito difícil, porque havia muitas pessoas a querer sair do país, especialmente mulheres e crianças”, recorda Eugenia à Gazeta das Caldas.
Ficaram na Roménia alguns dias, mas começaram a ver os tanques militares a mobilizarem-se também naquele país e decidiram que o seu destino ainda não seria ali. Já antes tinham fugido à guerra. O casal e os filhos mais velhos viviam em Donetsk, um território que, a par de Luhansk, tem sido palco de conflitos entre as forças armadas ucranianas e os separatistas apoiados por Moscovo. Recentemente, o presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu estes territórios separatistas ucranianos como estados independentes, o que representa uma escalada no conflito de já longa duração.
Eugenia e o marido, um especialista em Informática, de 40 anos, não querem que os filhos tenham que fugir uma vez mais da guerra e escolheram Portugal por ser o destino mais longínquo e também mais seguro. A família acabaria por chegar às Caldas a 8 de março. Não conheciam a cidade, mas sabiam que por cá residiam várias famílias ucranianas que poderiam dar-lhes apoio na integração. E foi o que aconteceu. A residir com uma dessas famílias, sentem-se felizes por ter os filhos em segurança.
“É muito importante para nós que as crianças possam crescer e viver em paz”, diz, referindo-se aos seus quatro filhos, com idades compreendidas entre os 3 e os 13 anos. Grávida de uma menina, que irá nascer nas Caldas, Eugenia Veis mostra-se “muito satisfeita” e diz que os portugueses que a acolheram foram “muito simpáticos e prestáveis”, tal como a comunidade ucraniana que lhe tem dado toda a ajuda necessária.
“Se tudo resultar” querem ficar. Já pensam em refazer a vida e, logo que tenham a sua casa, querem trazer para junto de si os dois cães que levaram até à Roménia e que se encontram em segurança numa associação de voluntariado daquele país. Na Ucrânia permanecem ainda a mãe e os sogros de Eugenia.
O maior obstáculo que encontram é a língua, mas ainda assim os filhos mais velhos já mostraram interesse em ir para escola, o que deverá acontecer nos próximos dias. A ajudá-los está a jovem Alice Bosca, de 16 anos, estudante na Escola Secundária Raul Proença. Filha de uma ucraniana e de um moldavo, nasceu em Portugal, mas fala várias línguas, como ucraniano, moldavo e russo. “Os meus pais sempre tentaram que soubesse o máximo de línguas para saber comunicar com os meus familiares, na Ucrânia e Moldávia”, conta a jovem, lembrando que a mãe abriu, inclusive, há uns anos nas Caldas uma escola de língua ucraniana. Tratava-se de um estabelecimento de ensino onde os filhos dos imigrantes podiam aprender a lingua dos progenitores, mas que viria a fechar portas porque, com a integração destas famílias, acabou por perder alunos.
“Quando era pequena não percebia porque os meus pais queriam que aprendesse as línguas, mas agora sinto-me muito grata por me terem ensinado”, diz a jovem que consegue comunicar com os seus familiares e servir de intérprete a quem chega. Para além dos filhos de Eugenia, Alice já conheceu outros jovens refugiados da sua idade e conta que a sua maior preocupação é a de aprender a língua. “Uma das meninas que chegou às Caldas já me perguntou muitas palavras em português e, inclusive, quando fomos a uma gelataria ela quis saber o nome de todos os sabores”, exemplificou.
Um povo muito amigável
Os jovens mostram-se felizes por estar nas Caldas e dizem que “os portugueses são um povo muito amigável, acolhedor e que está sempre disposto a ajudar”. Uma opinião partilhada por Alice, que dá o exemplo da solidariedade que presenciou na sua escola: “quando começámos a angariar donativos, toda a gente se mostrou disponível para ajudar e enchemos os blocos e o polivalente com bens alimentares e roupa para enviar para a Ucrânia”.
Falar da guerra é um tema sensível e, apesar da ideia unânime de que é esta é injusta, Alice procura não o abordar com os novos amigos. O seu objetivo é mesmo continuar a ajudar no acolhimento de quem chega, conta a jovem que também tem família neste país em conflito e percebe bem as suas preocupações.
Histórias de superação
Quem também não baixa os braços é Yara Pernay, natural de Chernivcy, na Ucrânia e que vive em Portugal há 21 anos. Saíu da terra natal com 19 anos e com o curso de Estilismo terminado, à procura de uma vida melhor. “Foi muito complicado mas não é comparável com a situação atual. Eu vim por opção, mas agora as pessoas têm de fugir da guerra, por isso faço tudo o que posso para ajudar”, conta à Gazeta das Caldas.
A sua vida, tal como a da maioria dos ucranianos neste país, é uma história de superação. Quando chegou a Portugal fixou-se na Nazaré e trabalhava num restaurante. Começou por lavar a loiça durante um ano, depois terminou o curso de Cozinha e trabalhou durante três anos e meio como cozinheira numa marisqueira. Conheceu o marido, que é moldavo, e decidiram constituir família. Com o nascimento da filha, Alice, Yara esteve em casa durante três anos, acabou o curso de Estética e abriu um gabinete nas Caldas da Rainha, que mantém há quase 14 anos. Foi também nesta cidade, que adora, que decidiu fixar-se. “É a cidade perfeita para a nossa vida, é pequena mas tem tudo e é muito central ao nível das acessibilidades”, explica.
Apesar de Yara Pernay já residir em Portugal há mais de duas décadas, toda a sua família permanece na Ucrânia. E não quer deixar o país. “É o mais difícil para mim, mas tenho que respeitar a escolha deles”, conta a imigrante ucraniana que não se poupa a esforços para ajudar os seus concidadãos que chegam à região Oeste.
Concelho já acolheu mais de 130 refugiados
Maioritariamente são familiares que acolhem quem foge à guerra desencadeada pela Rússia
Caldas da Rainha já tinha acolhido, até à passada terça-feira, 44 agregados familiares oriundos da Ucrânia, num total de 132 pessoas. Até à data, a média de atendimentos no gabinete criado pela autarquia tem sido de 6 famílias por dia, o que leva a vereadora Conceição Henriques a perspetivar que chegarão mais nas próximas semanas.
Os pedidos que têm chegado são ao nível do alojamento, encaminhamentos para aulas de Português como Língua de Acolhimento, encaminhamentos para as crianças frequentarem a escola (todos os ciclos incluído valência JI e creche) e informação sobre o processo de inscrição. É também solicitado apoio financeiro, encaminhamentos e articulação com diversos serviços, como é o caso do IEFP, Segurança Social e Centro de Saúde), vem como ao nível de bens essências, como roupa, alimentação, produtos de higiene e em alguns casos móveis para mobilar as casas.

O alojamento das famílias que chegam às Caldas da Rainha divide-se entre casas de familiares e amigos, edifícios municipais e espaços disponibilizados pela sociedade civil. No entanto, maioritariamente, são familiares que acolhem os seus parentes. “Neste momento ainda não temos famílias alojadas no edifício do Centro de Formação do Coto, mas esse espaço também está disponível para este propósito”, explica a autarca à Gazeta das Caldas. Conceição Henriques destaca que a comunidade caldense foi “muito generosa” na oferta de alojamento temporário, mas tendo em conta que algumas das pessoas irão permanecer no concelho é necessário criar uma bolsa de alojamento a preços justos. “Alguns destes refugiados têm capacidade económica, podem pagar uma renda e estão interessados em fazê-lo”, refere a vereadora, acrescentando que “era muito importante haver arrendamento, contratualizado, que dê garantias a ambas as partes”.
No caso em que as famílias não o conseguem fazer, a Câmara está disponível para ajudar, assim como a Segurança Social.
A autarquia irá também apoiar ao nível do transporte das crianças e alimentação escolar. “Estamos também a ponderar vias de resolução no que concerne o apoio emocional destas famílias que chegam e que consideramos também ser prioritário”, explicou a autarca.
A funcionar há cerca de duas semanas está o gabinete de crise, na Rua Capitão Filipe de Sousa, em horário laboral, que coordena as ações municipais em articulação com os atores locais e nacionais, e dá resposta aos pedidos dos refugiados que chegam às Caldas.