“Os professores trabalharem longe de casa prejudica os docentes e os alunos”

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Gazeta das Caldas
Manuel Micaelo: “defendemos uma gestão mais democrática porque o poder está centrado no diretor, que nem sequer é eleito pela comunidade escolar, mas por um grupo onde se incluem pessoas que nada têm que ver com a escola” |DR
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Sabia que no ensino público a percentagem de professores com menos de 30 anos não chega sequer a 1%? Em contrapartida, 43% têm mais de 50 anos. Sabia também que as carreiras dos docentes estão congeladas há seis anos? Ou que esta é uma profissão onde cada vez mais se fala em risco de bournout (esgotamento)? Gazeta das Caldas falou com Manuel Micaelo, professor responsável da delegação do Sindicato de Professores da Grande Lisboa (SPGL) nas Caldas da Rainha, que expôs quais são as principais lutas desta classe profissional que afectam não só professores, como também alunos.

GAZETA DAS CALDAS: Quais são as principais lutas do sindicato que se reflectem não só na vida dos professores como também nos alunos?
MANUEL MICAELO: Neste momento uma das nossas principais reivindicações está relacionada com o concurso de colocação de professores. Este ano o processo complicou-se por inépcia governativa ou por tentativa de poupar algum dinheiro. Por isso, há muitos professores que ficaram colocados mais longe do que ficariam em situação normal.
Este é um problema claro que tem repercussões não só na vida dos professores como dos alunos, porque não é a mesma coisa um professor estar a trabalhar perto de casa ou a centenas de quilómetros. Há muito cansaço e despesas com as deslocações, para não falar dos casos em que os docentes têm que alugar uma segunda habitação e só podem ir ter com a sua família aos fins-de-semana. Esta situação de professor deambulante pelo país complica em muito a qualidade do serviço docente e também tem implicações nos alunos.


GC: Mas o que é o SPGL defende quanto aos concursos de colocação?
MM: Aquilo que o sindicato defende é que os professores mais graduados devem ter prioridade nos concursos de colocação, mas a verdade é que as regras do concurso actualmente permitem que haja professores com mais anos de serviço, mas que por serem contratados (ou seja, não estão vinculados ao Ministério da Educação) acabam por ficar colocados mais longe de casa do que aqueles que estão afectos a um quadro de zona (que no nosso caso se estende da Nazaré até Mafra). Tudo isto provoca um grande sentimento de injustiça entre os professores.

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GC: Há quem brinque e afirme que estamos cada vez mais numa escola de “avós” devido à idade avançada de muitos professores. Este é outro problema que entra nas prioridades do sindicato?
MM: Sem dúvida que o problema do envelhecimento da população docente é muito sério. Há já muitos avós que vão levar os netos à escola e encontram professores que são mais velhos que eles próprios.
Segundo um estudo do Conselho Nacional de Educação, publicado em 2014, na escola pública (do pré-escolar ao ensino secundário), de um total de 110.810 professores, só 451 tinham menos de 30 anos, em contrapartida há 48 mil professores com mais de 50 anos. É preciso fazer a renovação da profissão e se não tivessem mudado as regras da aposentação, muitos destes professores já estavam reformados.
Os professores só se podem reformar com 40 anos de serviço e 66 anos e três meses de idade. Caso se aposentem mais cedo, têm uma penalização no valor da reforma de 2,5% por cada ano que falte para completar os 40 de serviço e ainda 0,5% por cada mês que falte até completar a idade prevista pela lei.
Aquilo que vai acontecer é que de repente vamos ter uma série de profissionais que saem abruptamente das escolas e outros que entram e não têm quaisquer conhecimentos sobre a cultura das escolas porque não houve uma passagem de testemunho, uma renovação gradual da profissão.

GC: Os horários dos professores estão sobrecarregados?
MM: Em primeiro lugar há professores que têm a seu cargo um número excessivo de turmas e alunos. Isso não só pesa no horário como impede que o docente consiga acompanhar de perto e eficazmente todos os seus alunos. Um professor que tem nove turmas de 30 estudantes tem 270 alunos. Como é que se memorizam 270 nomes, como é que se corrigem 270 testes? E este caso não é hipotético, existe. É real.
Por outro lado, os horários dos professores também estão preenchidos com demasiadas tarefas burocráticas – reuniões por tudo e por nada, preenchimento de muita papelada – o que lhes rouba tempo para outras tarefas mais importantes como preparar as aulas. Enfim, é muita tralha que atrapalha a vida do professor. Não há tempo sequer para a formação, que é um aspecto fundamental para a progressão da carreira do docente, mas que está completamente negligenciado pelo governo que não atribui quaisquer horas por ano para que os professores possam ter formação.

GC: E o horário dos alunos?
MM: Em particular com os alunos do 1º ciclo continua-se a praticar a escola a “tempo inteiro”, para resolver um problema que a sociedade não consegue solucionar: os horários dos pais. Estes sabem a que horas entram no seu trabalho, mas muitas vezes não sabem quando saem… Isto faz com que as crianças passem demasiado tempo na escola, demasiado tempo na mesma sala e com as mesmas pessoas, o que não é saudável.

“As lutas dos professores reflectem-se numa melhor escola pública”

GC: O Sindicato serve apenas para defender os professores ou também a escola pública?
MM: Desde 1974, quando o SPGL foi criado, definiu-se o lema “Uma Escola Pública de Qualidade Para Todos” e esta tem sido a nossa linha mestra há mais de 40 anos. Muitas vezes somos confrontados pelo Ministério da Educação, que nos diz que não temos nada que ver com determinadas questões da educação, mas nós achamos que o nosso papel é discutir tudo o que esteja relacionado com este tema. Não nos debruçamos apenas sobre os salários dos docentes, mas também sobre a sua formação, sobre o número de alunos por turma, ou sobre a gravidade de ainda existirem (incluindo no concelho das Caldas) turmas com vários anos de escolaridade.
O alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano e a aposta no pré-escolar foram também lutas nossas. As lutas dos professores reflectem-se numa melhor escola pública.
É claro que quando há uma greve ou uma manifestação os alunos saem prejudicados, mas são pequenos inconvenientes para um bem maior.

GC: Professor é uma profissão de risco?
MM: O ano passado foi apresentado na Assembleia da República um estudo feito a nível nacional que comprovava que professor é uma profissão de risco, desgastante e com elevados níveis de stress diário. E que cada vez mais docentes sofrem de burnout. Há profissionais que estão cansados, fartos mesmo, pois já deveriam estar reformados. Depois temos os problemas com a indisciplina dos alunos, a tensão entre colegas e o confronto com os encarregados de educação… Tudo isto se conjuga para que o professor seja diariamente um actor em palco sujeito a interpretar uma peça sempre diferente.
No SPGL trabalhamos com um psicólogo que nos diz que nos últimos anos tem havido um aumento do número de consultas desta especialidade com os professores.

GC: Pode-se falar em precariedade nesta profissão?
MM: Deve-se falar em precariedade nesta profissão. Há ainda mais de 20 mil professores que não sabem se vão trabalhar neste ano lectivo que agora começou. Não sabem se vão trabalhar, nem onde vão trabalhar, nem durante quanto tempo.
Os últimos professores que este ano se vincularam ao Ministério de Educação tinham 12 anos de serviço, seis anos consecutivos de trabalho e leccionaram o ano lectivo anterior completo. Só com estas três condições é que puderam vincular-se. É então justo que haja professores com 20 anos de serviço – como eu conheço alguns – que ainda não estão vinculados apenas porque não tiveram horário completo no ano lectivo passado?
Além disso, os professores têm as suas carreiras congeladas desde 2011, o que significa que desde então não são aumentados nem avançam nos escalões de progressão de carreira.

“A municipalização representa a tentativa dos autarcas mandarem nas escolas”

GC: O sindicato concorda com o actual modelo de gestão das escolas?
MM: Não. Defendemos um tipo de gestão mais democrático, como existia antigamente com o Conselho Executivo. O que existe agora é o poder centrado numa única pessoa – o director – que nem sequer é eleito pela comunidade escolar, mas por um grupo onde se incluem pessoas que nada têm que ver com a escola. Ora, isto faz com que seja possível eleger-se um director contra a vontade da maioria dos docentes e funcionários do estabelecimento, por exemplo.
Há ainda a questão da municipalização da educação – como acontece em Óbidos – que representa a tentativa de autarcas mandarem nas escolas. Também não concordamos com esta gestão.

GC: O desempenho dos professores deve ou não ser avaliado pelos seus pares?
MM: O mito da avaliação foi criado para evitar que os professores subissem de escalão, porque se há classe profissional que todos os dias é avaliada é a nossa. Todos os dias o professor tem à sua frente um público que é exigente, que o coloca constantemente à prova e que normalmente tem muita aptidão para descobrir quais são as suas fragilidades. Esse público são os alunos.

GC: Hoje os jovens respeitam menos os professores?
MM: Não sei se hoje os jovens respeitam mais ou menos os professores. Existe muito aquele discurso que antigamente é que havia respeito, que antigamente é que era bom. Eu acho que  antigamente, mais do que o respeito, havia era medo.
Hoje em dia um bom professor consegue-se fazer respeitar. Não se pode dizer que não existem problemas de indisciplina, que não há casos de professores que são agredidos por alunos, mas muitas vezes os maus comportamentos não começam na sala de aula, mas sim em casa.

GC: E a sociedade, que opinião tem sobre os professores?
MM: Nos inquéritos que têm sido feitos sobre as profissões, os professores surgem no topo entre os mais conceituados e respeitados, ao lado dos médicos. Claro que ainda há quem tenha preconceito e ache que os professores não fazem nada ou que têm muitas férias, mas quem tem os seus filhos na escola reconhece a dificuldade desta profissão, reconhece o esforço e perguntam-nos muitas vezes ‘como é que vocês conseguem’?

GC: Comparativamente a outros pontos do país, como é ser professor no concelho das Caldas?
MM: Caldas da Rainha é uma boa zona para se viver e trabalhar que, regra geral, é pretendida por muitos professores. Claro que aqui também existem problemas de indisciplina, mas não podemos dizer que aqui há mais indisciplina que noutros sítios do país, pelo contrário.

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