
O avanço da medicina tem trazido novos desafios em várias áreas. Com o aumento da idade materna, uma realidade da sociedade atual, vários problemas se impõem durante a gravidez, nomeadamente o aumento da prevalência das doenças crónicas maternas prévias à gravidez, que requerem acompanhamento diferenciado durante a mesma, uma vez que se associam a um maior risco de desfechos desfavoráveis para a mãe e para o feto.
Há várias décadas, relativamente a muitas doenças crónicas, de que é exemplo o Lupus seria impensável que uma mulher pudesse levar a cabo uma gravidez de sucesso, algo que resultava num flagelo enorme para mulheres em idade fértil com doença crónica. Atualmente assiste-se a uma mudança deste paradigma. Hoje em dia já é possível, mulheres com doenças crónicas nomeadamente doenças autoimunes, asma, doenças da tiroide, hipertensão arterial, diabetes, epilepsia e outras não menos importantes, serem mães e terem uma gravidez de sucesso, se devidamente controladas antes da conceção e se devidamente acompanhadas durante a gestação.

A gravidez de risco leva a um aumento da prevalência de complicações médicas durante a gestação. Assim, a assistência às complicações que possam surgir requer também uma abordagem adaptada e multidisciplinar.
Emerge, portanto, uma necessidade crescente de
envolver médicos especialistas das várias áreas do saber, nesta temática, particularmente de especialistas da área médica com enfoque para a Medicina Interna, a apoiarem os obstetras nesta tarefa, acompanhando a mulher grávida com patologia médica e colaborando também no tratamento da doença médica que possa surgir durante esse período.
Assim, surge o conceito de Medicina Obstétrica, uma vertente da medicina que se dedica à doença médica prévia ou às complicações médicas que surgem durante a gravidez, onde a diferenciação de especialistas de Medicina Interna nesta área pode de facto ter um papel fundamental não só no seguimento médico destas mulheres como na articulação com as outras especialidades, tendo como pedra basilar a obstetrícia.
Aspetos importantes a considerar para uma mulher com doença prévia à gravidez que deseje engravidar…
1. É essencial que mulheres com idade avançada ou com doença crónica e que tenham um projeto de gravidez sejam avaliadas numa consulta pré-concecional, onde será avaliado o grau de gravidade da doença e a sua estabilidade bem como a medicação necessária para obter esse controlo. Para que a gravidez corra bem é fundamental que antes de engravidar a doença esteja estável ou controlada. Esta consulta pode realizar-se ao nível dos cuidados primários/centros de saúde, com o médico obstetra ou com o médico que já acompanhe determinada paciente antes da gravidez e estes, se considerarem necessário, vão encaminhá-la –ão para um outro local de seguimento mais adequado.
2. Outro ponto importante é cumprir com a medicação prescrita. Existe uma ideia errada de que a grávida não pode tomar medicamentos porque pode fazer mal ao feto. Evidentemente que muitos sãos os medicamentos que podem ser perigosos durante a gravidez, alguns de venda livre como anti-inflamatórios. Isto realça a necessidade da consulta pré-concecional. Nessa consulta o médico deve rever os medicamentos que a mulher está a fazer e explicar quais os que deverão ser mantidos, quais os riscos e os benefícios e fazer substituições por fármacos mais seguros, sempre que adequado. É importante clarificar que muitas vezes o controlo da doença de base que um fármaco permite pode superar o risco, mas esse julgamento tem de ser feito por um médico especialista nesta área.
3. A grávida com doença médica deve ter um acompanhamento correto e rigoroso durante a gestação e no pós parto, com especialistas diferenciados nesta área e, quando indicado, num centro de referência. Mais uma vez a escolha do local onde vai ser seguida a gravidez deve ser, quando possível, definida na consulta pré-conceção.
4. Após o parto, a mãe deve ser reavaliada pela equipa que a seguiu durante a gravidez para que sejam feitos os ajustes necessários e para que possa ser encaminhada novamente ao seu médico assistente ou a outro especialista quando justificado.
Em conclusão, o rigoroso controlo das doenças de base e a vigilância contínua destas grávidas contribuem de forma importante para a redução da morbimortalidade materno-fetal.
O especialista em Medicina Interna com diferenciação em Medicina Obstétrica pode ter um papel crucial para o êxito destas gravidezes constituindo a ponte de ligação com outros especialistas.
Inês Felizardo Lopes
Médica interna de Medicina Interna, Hospital de São José
Augusta Borges
Médica especialista em Medicina Interna, Maternidade Alfredo da Costa