A escassos quatro quilómetros das Caldas da Rainha é possível encontrar no Paul de Tornada um ecossistema intocado pelo homem que contrasta na perfeição com a vida frenética da cidade. Este espaço é um verdadeiro retiro natural, no qual se pode observar em total tranquilidade a biodiversidade e a vida selvagem, fazer uma caminhada ou passar um bom momento em família e fazer um piquenique.
Razões não têm faltado para visitar o Paul recentemente e até 1 de Outubro aquela reserva natural vai contar com mais duas acções, uma de observação de aves ao nascer do sol e outra sobre ilustração científica e desenho de natureza.
Se nunca visitou o Paul de Tornada e está à espera de uma boa ocasião para o fazer, pode marcar na agenda o dia 1 de Outubro.
Numa altura em que as aves migratórias começam a seguir viagem para outras paragens, o Centro Ecológico Educativo do Paul de Tornada (CEEPT) vai receber a 1 de Outubro, sábado, nos novos observatórios, a iniciativa Eurobirdwatch – o Paul de Tornada ao nascer do sol.
O objectivo é sensibilizar o público para as aves migratórias e os seus habitats. Portugal, pela sua posição geográfica, é ponto de passagem para variadíssimas espécies. Algumas delas só estarão mesmo de passagem, mas outras aproveitam para passar a noite para recuperar neste tipo de reserva natural, e outros aproveitam-nas para se alimentar.
A iniciativa realiza-se entre as 7h30 e as 9h30 e as recomendações é que seja utilizado vestuário confortável e de cor discreta, binóculos e guias de campo, no caso de querer identificar o que está a ver, ou pelo menos tentar.
Antes, na segunda-feira 26 de Setembro dá-se início ao curso de ilustração científica e desenho de natureza, coordenado por Marco Nunes Correia. O curso tem duração de um ano lectivo e é dado em três módulos trimestrais, com uma sessão semanal de quatro horas.
O PAUL DE TORNADA
O Paul de Tornada é uma reserva natural local, que tem uma área de 44 mil m2, dos 25 mil m2 são plano de água. Quem quer tirar total partido do que o Paul tem para oferecer deve visitá-lo com tempo, paciência e com olhos e ouvidos apurados.
Para quem o visita pela primeira vez, é fácil ficar frustrado no início por não se avistar qualquer animal. É preciso deixarmo-nos envolver naquele ambiente. Aí começam-se a ouvir os primeiros sons, que são distintos de cada espécie. As aves são o tipo de animal mais abundante na reserva e também os que mais facilmente se encontram. E lá vão surgindo os patos, as diferentes espécies de garça, o guarda-rios, o mergulhão, o caimão, o galeirão… De fora da reserva chegam também aves de rapina. A águia pesqueira é das espécies mais imponentes e raras a visitar o Paul, mas há outras espécies, como a águia de asa redonda, a águia calçada, a águia sapeira, o gavião, o açor, o milhafre e o corvo marinho.
“Temos mais de 100 espécies identificadas no Paul, só de aves”, conta Carla Pacheco, do CEEPT.
Os novos observatórios, inaugurados a 15 de Maio, dão uma ajuda a que o ser humano passe despercebido e facilita a observação. É ideal levar binóculos, sob o risco da observação se limitar aos ruídos. Para tirar ainda melhor partido da experiência um guia de aves também é muito útil.
A discrição é o segredo para conseguir tirar o máximo partido daquele local, já que o ruído assusta as espécies que ali habitam, nada habituados à presença humana. É preciso sublinhar que não é o mesmo que ir ao jardim zoológico, em que os animais estão à vista e não se podem esconder.
Mas não são só as aves que habitam o Paul. Há diversas espécies de peixe, que são chamariz para as aves que não se alimentam de plantas. Entre os peixes as carpas e os ruivacos são residentes daquele plano de água doce, mas têm chegado espécies invasoras que, por um lado, provocam desequilíbrios no ecossistema por serem predadoras, por outro acabam por ser alimento para as aves como para mamíferos como a lontra. Entre as espécies invasoras já se contam as gambusias, os pimpões, as luisianas ou o lagostim vermelho.
Na transição entre o interior da água e o exterior encontram-se os anfíbios. O Paul de Tornada é um dos últimos redutos do cágado, espécie em risco de extinção. As rãs são dos animais cuja vocalização está mais presente naquele ambiente.
Fora de água, as lontras serão o principal ex-libris, mas são extremamente raramente vistos. “Vi uma lontra no meu primeiro dia cá, foi uma sorte muito grande, são tão difíceis de avistar que quando contei brincaram que eu devia estar a ver coisas”, conta Rita Ramos.
Mais fácil é encontrar provas da sua existência no paul. Escolheram a plataforma de um dos novos observatórios para se alimentarem e… defecarem. Também existem texugos, saca rabos, sinetas ou raposas, todos animais de hábitos crepusculares ou nocturnos e, por isso, mais difíceis de encontrar.
O ecossistema fica completo com os insectos, como as libelinhas também com diversas variações, incluindo a rara libelinha negra, e as plantas, presentes também numa grande variedade e aplicável a vários fins, incluindo comestíveis e medicinais. A casca do salgueiro branco, que circunda o Paul, é extraída a substância activa que compõe a aspirina.
VISITAS AUMENTAM E CRIANÇAS TÊM PAPEL IMPORTANTE
Além do próprio paul, a reserva natural conta com o Centro Ecológico Educativo do Paul de Tornada – Prof. João Evangelista, onde é possível aprofundar o conhecimento de todo o ecossistema. Para além de documentação, existe material biológico, como carapaças, crânios, peles ou ovos dos animais presentes.
Desde a abertura deste centro o número de visitas tem aumentado, embora não seja possível conferir números, uma vez que as entradas são gratuitas e não se limitam ao horário de funcionamento do CEEPT e as melhores alturas para a observação são os crepúsculos, tanto o matutino como o vespertino.
“Temos tidos mais visitas de famílias e de estrangeiros, sobretudo birdwhatchers”, refere Teresa Ramos, do CEEPT. Vêm sobretudo da Áustria, da Holanda e da Suíça e trazem “muito equipamento para fazer as observações”, acrescenta.
“Temos grupos que vêm para conhecer a biodiversidade e outros que vêm só fazer caminhadas”, acrescenta Teresa Lemos. Esta é outra das valências do espaço. Todo o Paul é ladeado por um caminho pedonal de quatro quilómetros que é uma excelente opção para os caminheiros que gostam de fugir à cidade. Pelo caminho existem vários painéis identificativos da fauna.
É possível marcar visitas de grupo, que podem ter até 30 elementos que são depois divididos em dois grupos “para não pôr pressão sobre o ecossistema”, explica Carla Pacheco.
Também se organizam festas de aniversário e actividades experimentais com crianças.
As crianças têm, de resto, um papel importante e são um público preferencial, com as visitas das escolas do primeiro ciclo do concelho das Caldas da Rainha que se realizam de forma rotativa todos os anos. “É importante perceberem o que se passa aqui, a consciência que ganham pela questão ambiental e ficam interessadas, temos muitas que depois voltam com os pais, outras que dizem que gostavam de trabalhar aqui”, comenta Carla Pacheco. Para as famílias desfrutarem do espaço existe uma zona de merendas e outra com balouço e escorrega.
O mais interessante é que cada visita ao Paul é diferente, porque contempla os diferentes ciclos da vida ao longo do ano.
VISITAS FREQUENTES
Entre os visitantes frequentes do Paul de Tornada, Gazeta das Caldas encontrou o fotógrafo José Caldinhas e a estudante de Engenharia Ambiental Rita Ramos. Ambos frequentam a reserva com muita assiduidade, embora por razões distintas.
Desde miúdo que José Caldinhas, de 60 anos, tem o gosto da fotografia, que herdou do pai. A esse gosto aliou-se outro, o de estar junto da natureza. “Lembro-me de ir de férias para a Serra da Estrela e percorria aqueles caminhos ver a bicharada e andar no meio da natureza”, recorda.
Quando a tecnologia o começou a permitir, começou a ver na Internet imagens ao vivo dos ninhos através das webcams. Daí a fotografar os animais foi um pequeno passo.
É autodidata, foi aprendendo com a prática e adquirindo material aos poucos. “Na primeira vez que fotografei na lagoa fotografei um corvo marinho a comer uma tainha grande, mesmo ao meu lado”, conta. No paul teve a mesma sorte com uma águia pesqueira e com a lontra, “que não era fotografada há anos”.
“Comecei a ver como os outros faziam, sobretudo o João Oliveira e o Benquerença, grandes fotógrafos que temos nas Caldas”, refere.
Não fotografa em exclusivo no paul, gosta de fotografar em todos os meios naturais, mas a lagoa e o paul são preferenciais porque estão aqui à mão.
São incontáveis as fotos que já fez, mas o facto de todos os dias ter uma foto de perfil do Facebook diferente, e sempre com pássaros, ajuda a fazer uma ideia.
A natureza é um refúgio e, ao mesmo tempo, um modo de vida. “Gosto de estar ao ar livre e sem gente à volta, não me revejo nesta sociedade. Todos os dias faço caminhada ou vou fotografar antes do trabalho e como as minhas folgas são durante a semana, são os melhores dias para estar nestes locais”, observou.
Já Rita Ramos conheceu o Paul de Tornada devido ao curso académico, Engenharia Ambiental. Para o projecto de conclusão do curso decidiu ir para o campo durante seis meses, no Paul do Boquilobo. “Procurava um ambiente que não o da sala de aula”, sustenta.
No final do projecto tencionava continuar a estudar aquela reserva, mas acabou por descobrir o Paul de Tornada, mais próximo de Torres Vedras, onde habita.
Ofereceu-se para fazer trabalho voluntário no paul, de contagem de aves, “para pôr em prática o que aprendi. Foi um grande desafio fazê-lo sozinha”, conta. Inicialmente estava previsto ficar seis meses, acabou por ficar um ano. Desloca-se ao paul uma vez por semana. O ano está, nesta altura, a chegar ao fim e Rita Ramos admite que “vai ser difícil não vir mais”.
O que gosta no paul é a grande diversidade. “Passado um ano continuo a ver coisas novas”, contou à Gazeta. No dia em que combinámos a entrevista, por exemplo, avistou pela primeira vez uma águia pesqueira. “Sabia que existia aqui mas nunca tinha visto, parece uma coisa simples, mas para quem gosta é espectacular”, comenta.
Rita Ramos costuma falar com várias pessoas da sua área de formação e convida-as a visitar o paul.
A recém licenciada gosta do trabalho que se faz no paul com as crianças, mas acha que há aspectos a melhorar. “Já se justifica ter um guarda-florestal”, adverte.