A temática era difícil, mas levantou grande interesse entre as mais de 200 pessoas que lotaram o pequeno auditório do CCC no passado dia 14 de Junho para ouvir o cientista Vítor Cardoso falar de gravidade e de ondas gravitacionais durante mais de duas horas. A iniciativa foi dos Dragões do Oeste, com o apoio da Gazeta das Caldas, e o sucesso das duas edições já realizadas faz prever que a fórmula seja para continuar.
Convivemos diariamente com a gravidade, de tal forma que nem damos muito por ela, excepto talvez quando nos prega uma partida que nos tira inadvertidamente da nossa posição vertical, ou quando nos obriga a um esforço suplementar para superar uma subida inclinada.
Aparentemente, a gravidade não é algo que afecte muito a nossa vida. Estamos habituados a esta força que teima em fazer-nos andar com os pés assentes na terra, em vez de a pairar pelo ar.
Mas o que é a gravidade? Qual a origem desta força misteriosa? Que efeito tem sobre tudo o que existe? A gravidade é uma das quatro formas em que a matéria interage. As restantes são o electromagnetismo, a força fraca e a força forte. Sem qualquer uma delas nada do que existe poderia existir. “Carregamos estas quatro coisas, nascem connosco, nem lhes prestamos atenção”, explicou o astrofísico Vítor Cardoso, que é também docente do Instituto Superior Técnico.
Mas a gravidade tem uma coisa que a distingue claramente das outras. Enquanto que “as cargas existem em pares opostos que se anulam [positivo e negativo], a gravidade soma-se sempre”, referiu o cientista.
Isto quer dizer que todas as partículas possuem força gravitacional e essa é uma das características que lhes permite agruparem-se. Vítor Cardoso explicou que, naquele momento da conferência, as cerca de 200 pessoas que estavam agrupadas na bancada estavam a exercer força gravitacional sobre ele, que se encontrava afastado. Porém, esta é tão reduzida que não se nota. Como a gravidade de cada partícula se soma às que lhe estão associadas, quanto maior for a massa de um corpo, maior será a sua força gravitacional.
É por isso que tudo o que está no nosso planeta é atraído para o seu centro, tal como a Lua, o seu único satélite natural. É também por isso que todos os planetas do sistema solar são atraídos pela estrela que se encontra no centro.
O que também acontece é que corpos celestes com menor massa são influenciados por outros com massas superiores. Esta influência permitiu ao astrónomo francês Urbain Le Verrier descobrir o planeta Neptuno, apenas com cálculos matemáticos, como explicação para o comportamento estranho da órbita de Úrano.
A gravidade da Lua tem também uma influência visível na terra, nas marés dos oceanos. “A Lua quer puxar o oceano”, disse Vítor Cardoso. A água é atraída pela Lua e a maré sobe para o lado onde o satélite natural da Terra se encontra em relação ao planeta, no seu movimento de rotação.
Mas se a gravidade da Terra faz com que tudo seja atraído para o seu centro, porque não nos afundamos? “É um mistério que não percebemos bem ainda”, disse Vítor Cardoso, que tal como João Seixas na conferência realizada no ano passado, não teve problemas em afirmar que há muitas respostas que a ciência ainda não encontrou.
CAI PRIMEIRO O ELEFANTE OU A FORMIGA?
O que é um dado adquirido é que a gravidade atrai tudo, e da mesma forma. Já toda a gente fez o teste de largar dois objectos diferentes para ver qual deles chega primeiro ao chão. A resposta lógica para que, por exemplo, uma caneta caia mais depressa que uma folha de papel, é a diferença de pesos. Mas essa resposta está errada. Isso só acontece devido ao atrito que é provocado pelas partículas do ar sobre os objectos. No vácuo todas as coisas são atraídas pela gravidade da mesma forma. Ou seja, num ambiente que elimina o atrito, até um elefante e uma formiga estariam sempre lado a lado até tocarem o chão em simultâneo. “São centenas de anos a fazer esta experiência e até à precisão de relógios atómicos, no vácuo tudo cai da mesma forma”, garante Vítor Cardoso. Este é o princípio da equivalência, que começou a ser calculado por Newton e que foi comprovado por Einstein.
E a luz, ela também é atraída pela gravidade? A resposta lógica seria não. Supostamente a luz desloca-se, sempre, em linha recta. Mas essa resposta está errada. A luz também cai. No entanto, como as partículas que a compõem viajam tão depressa, a 300 mil quilómetros por segundo, o desvio provocado pela gravidade da Terra é quase imperceptível, cerca de 0,01%. Mas isto é suficiente para que as estrelas que vemos à noite não estejam exactamente onde as vemos.
No entanto, há corpos celestes cuja força gravitacional é tão forte que a sua influência, inclusivamente sobre a luz, é muito maior. Na Terra, se atirarmos um objecto a 11 km por segundo ele não volta e sai da órbita terrestre. No Sol acontece o mesmo, apesar da gravidade ser mais forte, porque “isto só depende do raio do corpo e da sua massa”, explicou Vítor Cardoso. A luz não tem, por isso, dificuldade em escapar. Mas se pudéssemos comprimir toda a massa do Sol num raio de três quilómetros, a força gravitacional seria tão forte que nem a luz escapava. “Isso é buraco negro”, declarou.
E no tempo, a gravidade tem alguma influência? A resposta lógica também seria não. Custa ao nosso cérebro entender que o tempo não é o mesmo em todo o lado. No entanto, mais uma vez, esta resposta está errada. Na realidade, quanto maior a gravidade, mais lenta se torna a passagem do tempo. É possível comprovar o fenómeno inclusivamente na Terra. Vítor Cardoso enumerou a experiência de uma família norte-americana que foi passar férias à montanha. Com eles levaram um relógio atómico, deixaram outro em casa. Quando regressaram, uma semana depois, o relógio que ficou em casa, sob maior influência da gravidade, tinha um atraso de 20 nanossegundos em relação ao que foi para a montanha.
É uma variação imperceptível, mas há locais no universo em que a gravidade é tão forte que o desfasamento pode ser até superior a mil anos. Já na superfície de um buraco negro o tempo pura e simplesmente acaba.
VAMOS VER O INÍCIO DE TUDO?
Experiência bem mais recente foi a que permitiu testemunhar a fusão de dois buracos negros, há pouco mais de dois anos, através da captura de uma onda gravitacional.
Estas ondas foram previstas há cerca de um século por Albert Einstein, mas este acabou por negar a sua própria descoberta. Contudo, estas ondas existem mesmo e foram captadas no Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferómetro Laser, nos Estados Unidos da América.
Estas ondas são provocadas pela colisão de dois corpos de massas muito densas, como estrelas de neutrões ou buracos negros. No entanto, têm uma propriedade que as faz especialmente difíceis de observar: “ao contrário da luz, não interagem com nada”, disse Vítor Cardoso.
A forma que os cientistas encontraram para as captar foi com a construção do “olho” mais sensível alguma vez criado. Em dois tubos com vários quilómetros de extensão são disparados dois raios laser que se anulam. Mas quando passa uma destas ondas gravitacionais, há uma perturbação nestes raios que permite ler a onda gravitacional. É possível saber o que criou aquela onda e de onde ela vem. Esta onda, que entretanto já foi captada mais vezes, diz respeito à fusão em 5 milissegundos de dois buracos negros com a massa de 30 sóis.
Nesta altura, tratar esta informação ainda é difícil, revelou Vítor Cardoso. Mas daqui por uma centena de anos “vamos ter outra percepção do universo”, acredita.
Hoje a ciência não sabe o que está para lá do horizonte de eventos de um buraco negro. Estas experiências com as ondas gravitacionais poderão vir a desvendar mistérios como esse, ou outros como a origem de raios gama e jactos de matéria oriundos desses corpos celestes. “Vamos ver algumas surpresas, acontece sempre que lançamos “olhos” diferentes”, afirmou Vítor Cardoso. E uma dessas surpresas pode muito bem vir a ser o início do universo, porque do Big Bang resultou uma onda gravitacional que ainda poderá circular pelo universo.
“FOI BEM EXPLICADO”
“Acho que foi uma palestra interessante porque o orador conseguiu falar, de forma interessante, sobre a temática da gravidade. Esta é uma matéria um bocado difícil mas foi perceptível porque foi bem explicado.
Foi a primeira vez que assisti a estas palestras e acho que devem continuar porque o público acaba por ser cativado pelos oradores, que são cientistas”.
Henrique Fernandes (estudante da Secundária Rafael Bordalo Pinheiro)
“É DIFERENTE DAS AULAS”
“Gostei muito da conferência, sobretudo porque este tipo de eventos decorre de forma diferente àquela que nos ensinam nas salas de aula. Nas escolas temos que decorar as matérias e que aceitar tudo, tal e qual, como é exposto nos livros. O que aprendemos aqui é que o conhecimento não é assim e talvez nunca será. Sim, gostava que este tipo de palestras pudesse acontecer com mais frequência até porque estudo na área de Ciências e Tecnologia. Quanto mais regular, melhor!”.
Camila Costa (estudante da Secundária Raul Proença)
“INICIATIVAS FANTÁSTICAS”
“Acho fundamental existir este tipo de palestras porque é uma forma acessível de falar sobre coisas tão difíceis, mas tão importantes, como é o conhecimento científico. Estas duas iniciativas foram fantásticas.
A sala estava cheia, isso mostra que as pessoas têm curiosidade em ouvir falar sobre estes assuntos por quem trabalha neles a sério, como é o caso destes cientistas, e em quem se vai poder confiar sobre as descobertas e o que ainda não se sabe.
Acho que faz todo o sentido haver mais conferências deste género, mas não só sobre a Física, mas também com outras ciências”.
Teresa Mendes (professora de Filosofia)
“NÓS VIBRAMOS COM A EMOÇÃO DELE”
Adorei a paixão com que o professor falou sobre os assuntos que são tão difíceis e ele conseguiu explicar-nos de forma clara. Um bom professor é um apaixonado sobre as matérias e pode levar-nos a gostar de qualquer coisa. Nós vibramos com a emoção dele. Podia ficar aqui mais vinte horas só para o continuar a ouvir.
Agora vem o Verão era bom que pudéssemos ter mais palestras destas, de mês a mês para podermos enriquecer o nosso conhecimento. F.F. / N.N.
Maria Serafim (estudante da Secundária Raul Proença)