Gazeta das Caldas assistiu ao jogo da final do Europeu na companhia de 40 franceses que vivem na região. As emoções estiveram ao rubro, mas nunca faltou desportivismo e boa disposição entre todos. O grupo cantou até “A Portuguesa” e, no final, gritou pelo país que os acolheu e que acabara de se sagrar campeão frente ao seu país de origem.
É domingo, 10 de Julho. São 19h30 e no restaurante do CCC está uma mesa com 36 pessoas. São, na sua maioria, de cidadania francesa, mas vivem em Portugal e são associados da UFE – União de Franceses no Estrangeiro – Centro Oeste. Estão aqui para ver o jogo da final do Campeonato Europeu de Futebol que decorre no seu país. Alguns com adereços, outros com bandeiras francesas pintadas na cara, mas também há uma bandeira portuguesa. Albertino Mendes, que vive no Reguengo da Parada, foi emigrante na Bélgica durante 38 anos e quando se reformou decidiu vir viver para Portugal, juntando-se à associação. “É muito importante para os estrangeiros de língua francesa que habitam na região porque se ajudam uns aos outros”, diz.
Este português acha que Portugal vai ganhar 2-1, com golos de Ronaldo e Quaresma, para os lusos e de Griezmann para os gauleses e destaca que para os emigrantes, “quando se trata de algo relacionado com Portugal, tudo ganha uma dimensão diferente”.
Entretanto, no ecrã gigante aparece a taça e toda a gente brinda. Enquanto vão sendo apresentados os onze de cada equipa e estes entram em campo falamos com Laurent Faucheux, que vem de perto de Paris e está de férias em Salir de Matos durante duas semanas. “Há umas semanas a equipa francesa não era popular”, afirma, recordando o escândalo que envolveu Benzema e Valbuena. “Mas assim que começou gerou-se uma grande onda de entusiasmo e a equipa está a jogar bem”, esclarece.
O onze escolhido por Deschamps “não oferece surpresas, é o mesmo que derrotou a Alemanha, que era muito difícil, e que provou ser o mais forte”. O seu prognóstico é uma vitória francesa por 3-1, com golos de Giroud, Griezmann e Pogba para um lado e de Ronaldo para o outro.
Entretanto, começam os hinos. Depois de ouvirem e cantarem “La Marseillaise” batem palmas e discutem o onze inicial e a transferência de Umtiti para o Barcelona, as ligações franco-portuguesas em termos futebolísticos, com Griezmann, que tem família em Paços de Ferreira e com Cédric, Adrien ou Raphael Guerreiro, que têm raízes francesas. Chegam as entradas e, no ecrã, rola a bola.
O grupo “acorda” com o primeiro remate de Griezmann, que mereceu aplausos e reage à lesão de Ronaldo. Novamente Griezmann a fazer os gauleses gritar, agora num cabeceamento, para defesa em voo de Rui Patrício que foi muito elogiada.
>À volta os mais de dez portugueses vão estranhando, mas quando se apercebem que o grupo é francês, sorriem.
Ronaldo é substituído, sai de maca e, para os portugueses, a esperança na vitória sofre um grande rombo. Já os franceses, entre o contentamento pela saída do perigoso Ronaldo e o fair play de homenagem ao capitão lesionado, aplaudem. Todos, porém, reconhecem que isto mancha um pouco a final.
Ainda antes do intervalo, um remate de Sissoko para mais uma defesa de Patrício a ser muito aplaudido.
No descanso, os franceses não estavam muito entusiasmados com o nulo. Aproveitamos para falar com Nadine e Cristian Verbek, de Avignon (sul de França), que vivem há um ano e meio na Amoreira. Hoje, estes franceses estão a torcer por Portugal. “Amamos esta terra, gostamos de viver aqui, da simpatia e amizade dos portugueses e da tranquilidade”, explicam.
Elogiam a qualidade da final, mas queixam-se da imagem do ecrã. “É uma pena que não tenha melhor imagem, as cores não estão bem definidas”, afirmam.
>Quanto à lesão de Cristiano Ronaldo “é boa para a França, mas não é bom, porque acho que, como ele é muito perigoso, foi tudo calculado”.
A previsão do casal é um empate a zero e uma vitória lusa nas grandes penalidades por 4-3.
Começa a segunda parte e aos 65’ um novo cabeceamento de Griezmann fez os franceses gritarem golo, mas a bola não entrou e acabaram por protestar pelo falhanço.
Portugal esteve perto do golo e toda a gente aplaudiu. A atitude de Quaresma, quando agarrou um defesa gaulês, mereceu reprovação de todos, mas foi a bola ao poste de Gignac, aos 90+2’, que os levou à beira de um ataque de nervos e a queixarem-se da sua sorte. “Mais cinco centímetros e dava golo”, diz um, enquanto outros rogam pragas à bola.
>No prolongamento, aos 103’, todos cantaram pela França. “Allez Les Bleus”, diziam, batendo com as mãos na mesa. Enquanto isso, era Portugal quem quase marcava num canto.
Livre de Raphael Guerreiro, bola na trave e um aplauso geral na sala. “Tivemos muita sorte”, exclamam.
E eis que chega o remate de Éder do meio da rua e todos os franceses aplaudem. Começam a cantar o hino nacional português e não deixam de sorrir por isso. Afinal, para eles, se não fosse a França, seria sempre Portugal a selecção favorita.
Em Paris, o árbitro apita para o fim do jogo e Portugal é campeão europeu. Os franceses gritaram “Portugal” e um hip hip hurra.
Falamos com Daniel Puigmal, que considera que “a vitória foi merecida pois Portugal defendeu bem e ganhou, mas a França falhou muitas oportunidades”. Quanto ao jantar, disse que estava tudo bom e que o atendimento era amigável.
Jean Pierre Hougas é o presidente da associação, que conta com 150 sócios, e disse à Gazeta das Caldas que foi difícil organizar o jantar, porque “a França só se apurou na quinta-feira” e ele encontrava-se em Paris, de onde tentou organizar tudo. Na zona das Caldas há a quarta maior comunidade francófona em Portugal, a seguir a Lisboa, Porto e Algarve. A associação é “um grupo convivial, que tenta dinamizar actividades e entreajudar-se”. A concluir Jean Pierre deu os parabéns a Portugal pela vitória.
Isaque Vicente
TESTEMUNHOS DE PORTUGUESES EM FRANÇA
Ainda me vai pôr a chorar outra vez!…”.
Ai! Ainda me vai pôr a chorar outra vez!…”. Maria da Conceição Agostinho Polido reagiu assim ao telefonema da Gazeta das Caldas quando questionada sobre como viveu a final do Euro em França.
“Foi a coisa mais maravilhosa que eu vivi. Foi uma alegria tão grande, tão grande que eu nem tenho palavras. Eu estou sozinha porque o meu marido está agora aí em Portugal. Fiquei a ver o jogo em casa sem mais companhia porque sou a única portuguesa no prédio e quando foi o golo dei um grito tão grande que acho que se ouviu no quarteirão inteiro”.
Para esta assinante da Gazeta das Caldas, as palavras atropelam-se ao tentar exprimir a alegria que sentiu. “A nossa selecção é o nosso país, é o nosso sangue. Foi uma emoção muito forte e não me canso de ver na televisão estes momentos todos. Até os meus filhos que nasceram em França torcem por Portugal!”.
Caldense de nascimento, casada com um eborense, mas ambos com casa nas Caldas da Rainha, Maria da Conceição Agostinho Polido vive em França desde 1970. E lamenta que em Nice haja tão poucos portugueses porque gostaria de partilhar esta alegria com mais compatriotas.
Carlos Cipriano
“Foi fantástico! Ficamos muito contestes!”
“Foi fantástico! Ficamos muito contestes! É um orgulho!”. Maria da Conceição Tavares da Silva conta que viu o jogo sozinha porque o marido está neste momento em Portugal. “Eu ia vendo uns bocados na televisão e ia ouvindo o relato em português na Rádio Alfa [maior rádio portuguesa de França]”, disse à Gazeta das Caldas.
“Eu, na verdade, pensava que eles não iam conseguir ganhar devido às polémicas que havia aqui. Mas afinal ganhámos mesmo”. Maria da Conceição Silva diz que esta alegria é partilhada por todos os portugueses em França e mesmo pelos filhos que lá nasceram. “O meu filho tem 31 anos, já nasceu cá e é todo por Portugal”, conta. “E aqui mesmo por baixo de mim há um casal em que o marido é francês e a mulher nasceu cá e é filha de portugueses. E o filho deles, que já é de terceira geração, também torce por Portugal. Olhe, quando foi o golo, eles deram um grito aqui no prédio que eu, mesmo que não estivesse a ver na televisão, ficava a saber logo que era golo”.
Nascida na Matoeira (Vidais), esta assinante do nosso jornal, vive em França desde 1970, em Issy-les-Moulineaux, na região parisiense.
Carlos Cipriano
“Fiquei triste com os comentários dos franceses”
José Ferreira, um bombarralense de 53 anos, que vive em França, também desde 1970, diz que viu o jogo sozinho. “Eu sei que não é normal. Os portugueses costumam juntar-se em grupo, mas eu preferi ficar sozinho para poder gritar, chorar, fazer o que quisesse”, contou.
A sensação agora é de um grande orgulho. “Sinto um orgulho muito grande, uma alegria enorme”, diz. Mas infelizmente José Ferreira tem a lamentar o comportamento racista e xenófobo dos franceses nos dias que antecederam a final. “Ao princípio estava tudo bem e até simpatizavam com a selecção portuguesa, mas à medida que íamos ganhando jogos, aproximando-nos da final e começámos a ser uma ameaça, aumentaram os comentários racistas, nos jornais, nas televisões, mas sobretudos nas redes sociais. Nunca pensei ver uma coisa destas!…”.Uma desilusão ainda maior porque, no fim de contas, o seu país é a França. “Eu de coração e sangue sou português, mas o meu país é a França porque é que aqui que eu vivo há quase 50 anos. Por isso fiquei triste com os franceses”.Residente em Blois, ele próprio casado com uma francesa, e com raízes muito fortes no Cintrão (Bombarral), onde nasceu, José Ferreira tem filhos nascidos em França e diz que, tal como os outros luso-descendentes, no que diz respeito à bola, todos torcem por Portugal.
Carlos Cipriano
Caldenses juntaram-se na Rainha para comemorar a vitória
Milhares de pessoas quiseram celebrar a vitória portuguesa no Campeonato Europeu de Futebol na Rainha. Assim que terminou a partida, que opôs a selecção lusa à francesa, uma multidão de gente de todas as idades assinalou este feito de forma efusiva e calorosa, “pintada” a verde e vermelho, numa festa que durou até às duas da manhã.
“Pouco importa, pouco importa, se jogámos bem ou mal. Nós trouxemos, o caneco para o nosso Portugal!!!”. Este foi um dos trechos dos cânticos que mais se ouviu, no domingo, 10 de Julho, na rotunda da Rainha. Após o apito final, todos os caminhos apontavam para aquela zona da cidade. De carro, de mota, ou a pé, famílias inteiras e grupos de amigos fizeram do Largo Conde de Fontalva o palco dos festejos.
Via-se gente por todo o lado, dentro e à volta da rotunda, nas janelas e varandas, nos muros, na estrada e em cima de carros e carrinhas. A maioria exibiu o seu orgulho na selecção através de pinturas, bandeiras, camisolas, cachecóis, chapéus, num sem fim de adereços com as cores nacionais.
A emoção era grande. Abraços aqui, felicitações acolá, ninguém ficou indiferente a esta vitória. Os sorrisos e gargalhadas, os cânticos e a alegria revelaram um sentir colectivo em torno da selecção de futebol.
“Siiiiiiii”, à boa maneira de Cristiano Ronaldo; “O caneco é nosso!” e alguns impropérios dirigidos a Platini e à selecção francesa, ouviu-se de tudo um pouco, além do som constante das buzinas de mão, vuvuzelas, cornetas, apitos e dos automóveis. O hino nacional também foi cantado várias vezes, a plenos pulmões, durante o serão festivo. Até a representação da Rainha D. Leonor, foi presenteada com cachecóis e, no final, foi deixada uma bandeira nacional sobre o seu rosto.
Alguns abriam a mala do carro para transportar os amigos, outros empoleiravam-se no capot dos veículos, enquanto que outros preferiram subir às carrinhas de caixa aberta para ficar mais altos e ter uma melhor vista sobre a multidão. Do céu apareceu outra das atracções: um drone que filmou a festa e que atraiu a atenção da maioria das pessoas que acenou para a câmara.
Houve quem fizesse manobras ao volante em carros e motas, que deixavam no ar um cheiro a fumo e a pneu queimado.
À medida que as horas passavam, não parava de chegar gente. As artérias de acesso iam ficando condicionadas, até porque a quantidade de pessoas em volta da rotunda bloqueava a passagem dos carros.
Como é comum neste tipo de celebrações, houve alguns excessos. O álcool é uma presença constante e há sempre quem não saiba ter limites. Contudo, não houve nenhum incidente digno de registo e também é certo que não se viram na Rainha agentes fardados durante a maior parte do tempo em que duraram as celebrações.
Por volta das duas da madrugada, a rotunda da Rainha já estava completamente vazia. Vários grupos seguiram para os bares da cidade enquanto que, para outros, a festa tinha chegado ao fim. No dia seguinte, segunda-feira, era dia de trabalho e não feriado nacional.
Isaque Vicente
Natacha Narciso
O caldense Ricardo Santos entre os campeões da Europa de futebol
Entre os campeões da Europa de futebol, há um caldense. Trabalha com Fernando Santos há cerca de 11 anos, desde a segunda passagem do engenheiro pelos gregos do AEK de Atenas. Acompanhou o actual seleccionador nas aventuras no Paok de Salónica, no Sport Lisboa e Benfica, na selecção helénica e também na selecção portuguesa. Chama-se Ricardo Santos e é ele o responsável pelo departamento de scouting (observação).
O trabalho de Ricardo Santos passa por analisar os jogos do adversário, elaborando circunstanciados relatórios que são entregues ao seleccionador. Estes relatórios permitem um ajuste da semana de treinos e a estratégia da equipa, consoante as necessidades.
Mas além disso, há muitas horas a ver jogos de futebol na televisão e em estádios, para perceber pormenores e detalhes das movimentações dos adversários.
Este trabalho ‘invisível’ teve uma importância fundamental no desempenho dos novos campeões europeus, já que permitiu ajustar o sistema de jogo para anular as principais armas dos adversários, fossem elas colectivas ou individuais. Que o digam estrelas como Modric e Rakitic (Croácia), Lewandowski (Polónia), Bale (País de Gales) e Griezmann (França)… Recorde-se que desde que Fernando Santos conduz a equipa nacional, esta não sofreu qualquer derrota em jogos oficiais.
Ricardo Santos foi aluno da Escola Raul Proença entre o 7º e o 12º ano. Mais tarde, em 2003, estagiou na mesma escola, depois de concluir a licenciatura de Educação Física na Faculdade de Motricidade Humana.
Isaque Vicente
Joel Ribeiro