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Em Óbidos o medo é tema de conversa: apontam-se os seus males mas também lhe têm sido feitos elogios. Escritores, pensadores, músicos e até humoristas têm abordado esta temática nas diversas iniciativas do Folio, que decorre até domingo.
O festival de literatura foi visitado no passado 13 de Outubro pelo Presidente da República, que acredita que o evento vai “continuar e cada vez melhor”. Militante da causa literária, Marcelo Rebelo de Sousa acredita que o livro não vai morrer e arrisca um tema para a próxima edição – a liberdade. “Não direi que é o contrário do medo, mas é cada vez mais importante no mundo”, concretizou.

 

 

“Acho que o medo é uma coisa muito boa e é bom que a partir de Óbidos se faça o elogio do medo”. As palavras são da escritora Lídia Jorge, que considera que os escritores e a arte são o triunfo sobre o medo e que pensa sempre numa forma de o superar.
Na mesa em que participou, juntamente com Nuno Júdice, na tarde de domingo, a escritora disse não ter medo de não chegar ao fim de um livro pois é sempre o desafio de criar que lhe interessa. Vê os escritores como pessoas que fazem do mundo e dos outros a sua própria matéria. “Eu posso funcionar com o medo que não é o meu medo, mas que eu vejo espelhado na cara dos outros”, disse.
Questionada sobre os medos actuais, Lídia Jorge falou do sentimento “apocalíptico” que existe no ar, e numa “espécie de desarranjo de todos os sistemas”. E concretizou: “não imaginávamos, há 10 anos, que houvesse entidades tão poderosas no mundo com tanta falta de juízo”.
Nuno Júdice encontrou na escrita uma forma de se libertar dos medos, embora reconheça que este deve fazer parte da nossa realidade.
Pouco tempo depois, o medo voltou a encher a sala, desta feita na tenda da cerca do castelo porque o auditório da Casa da Música tornou-se pequeno para todos quantos queriam ouvir Ricardo Araújo Pereira. “Quando a organização me convidou para falar sobre o medo pensei numa sala esconsa, mas aparece um pavilhão com terceiro anel e o Presidente da República na primeira fila. Devia ter-me esforçado mais”, começou por dizer o humorista, que viria a revelar-se bastante conhecedor da temática. Ricardo Araújo Pereira socorreu-se da mitologia grega para também falar do humor.
Questionado sobre se tem medo de ficar sem graça, o humorista respondeu que há pessoas que não lhe acham graça nenhuma e, numa resposta mais séria, partilhou que o seu maior receio é morrer depois das filhas.

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Lutar contra o centralismo da oferta cultural

Marcelo Rebelo de Sousa visitou o Folio de acordo com o espírito do festival: de surpresa. “Surpreendi porque escolhi o dia e hora para vir e fui surpreendido porque de ano para ano o evento vai mudando, e bem, com uma multiplicidade de estrelas, também elas inesperadas em domínios muito diferentes e para públicos diversos”, disse à Gazeta das Caldas no final da visita. O Presidente chegou a Óbidos perto das 17h00 e seguiu a passos largos para o auditório da Casa da Música para assistir à mesa com Lídia Jorge e Nuno Júdice, que apelidou de “excepcional”, com “dois grandes escritores que estavam particularmente felizes perante o tema, que era difícil”. Depois passou pela tenda dos editores, comprou livros e seguiu para a cerca, onde assistiu à conferência de Ricardo Araújo Pereira.
De cada vez que vem a Óbidos, Marcelo Rebelo de Sousa sente que o Folio é “mais futuro do que passado” e considera que a cada ano que passa, em alguns aspectos, tem sido melhor. À especulação do meio editorial sobre o futuro do evento, diz que “é para continuar muito tempo e vai ser cada vez melhor. E até agora tenho acertado”.
Visitante assíduo desde o primeiro festival, o Presidente já deu sugestões para edicões anteriores. E para o ano? “A liberdade. Não direi que é o contrário do medo, mas é cada vez mais importante no mundo”, disse, lembrando que em 2020 comemoram-se os 200 anos sobre a revolução liberal portuguesa.
Ainda no domingo, Óbidos contou com a visita, a título particular, do primeiro-ministro, António Costa, que almoçou com a mulher na Pousada do Castelo e depois visitou as livrarias da vila. O secretário de Estado da Educação, João Costa, marcou presença no encerramento do 5º Seminário Internacional Folio Educa e a sua homóloga com a pasta da Cultura, Ângela Ferreira, que presidiu à entrega do Prémio Nacional de Ilustração a André Letria, que decorreu durante a inauguração da exposição “PIM – Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo”. Este ano a mostra, que junta a ilustração de vários autores à cerâmica da Visabeira, é dedicada ao livreiro José Pinho que “atravessa sempre as coisas à nossa frente e ensina-nos a não ter medo”, partilhou a curadora do Folio Ilustra, Mafalda Milhões.
Para a secretária de Estado da Cultura, o Folio cumpre, desde a sua origem, aquele que é um dos objectivos centrais dos festivais literários, que é o de “lutar contra o centralismo da oferta cultural, contribuindo para a criação de lugares e eventos de interesse cultural disseminados por todo o território português”. Ângela Ferreira realçou ainda que a promoção da literatura, do livro e da leitura feita em Óbidos é um exemplo de que, com o envolvimento das autarquias, “é possível descentralizar a oferta, criar e atrair novos públicos, promovendo uma Cultura verdadeiramente para todos”.
Respondendo ao repto do presidente da Câmara, Humberto Marques, sobre a falta de apoio do governo, a secretária de Estado disse que se conseguirem formalizar a associação que organiza o festival, o “governo estará em condições de apoiar a próxima edição”.
Ângela Ferreira deixou ainda o desejo de voltar para visitar o evento e conhecer os autores mais novos que aparecem pela primeira vez, bem como encontrar outros, já consagrados.

Aprofundamento da liberdade e da cidadania

A quinta edição do Folio começou a 10 de Outubro. Presente na cerimónia de inauguração, o Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, destacou a importância dos festivais internacionais de literatura enquanto ponto de encontro e de intercâmbio de leitores, autores, editores e agentes culturais e também como “espaços de pluralidade e, cada vez mais, indispensáveis a este sector da economia”. O também escritor realçou que, apesar de se tratar de um festival internacional, grande parte das conversas e debates decorrem em português, para dar nota da importância, e necessidade de maior afirmação, da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), presidida actualmente por Cabo Verde.
Jorge Carlos Fonseca partilhou que no seu país estão atentos ao fenómeno da aparente perda do hábito de leitura, desenvolvendo acções de sensibilização e de estímulo, pelas ilhas. “Todos estamos conscientes de que o incentivo à escrita e à leitura, para além de instrumento pedagógico que aproxima pessoas, é condição essencial para o aprofundamento da liberdade e da cidadania”, referiu.
Ainda durante a inauguração, José Pinho, da organização, referiu que esta edição oferece uma maior aposta ao nível do cinema e de música. “Trata-se de um programa que vos pode ocupar durante o tempo todo ao longo de 11 dias, com a presença de mais de 500 convidados, entre escritores, conferencistas, músicos, cineastas”, disse, convidando todos a participar.
O presidente da Câmara, Humberto Marques, referiu que nesta edição retomaram uma velha ideia de que era importante chamar as editoras e os talentos, “alguns deles incógnitos”, referindo que estão presentes 14 editoras.
O autarca garantiu ainda que este festival, apesar de cada vez estar mais internacional, contará sempre com a participação de escritores de língua oficial portuguesa.

O Folio em números

11 dias
14 editoras
16 mesas de escritores
12 exposições
13 concertos
210 iniciativas
1000 horas de programação
500 convidados
16 países participantes
600 transfers a circular
200 alojamentos

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