Quando a Gazeta foi oposição à Câmara dirigida por um leiriense

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Historiador valoriza o papel da imprensa caldense, e da Gazeta em particular, na afirmação dos interesses do concelho num contexto político adverso
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Na década de 1950, Fernando Pais de Almeida e Silva foi nomeado presidente da Câmara das Caldas, facto que desagradou profundamente às elites locais e teve na Gazeta o eco público dessa oposição. O episódio deu origem a uma tese de mestrado.

Fernando Pais de Almeida e Silva é o único presidente da Câmara das Caldas, durante o período do Estado Novo, que não tem o nome registado na toponímia caldense. Um aspeto denunciador da relação tumultuosa do leiriense, que foi autarca nas Caldas entre 1952 e 1960, e a cidade e as respetivas elites durante o seu mandato e que foi aprofundada pelo historiador caldense Sebastião Barata na tese de mestrado “Poder, elites e imprensa locais no Estado Novo: O papel da Gazeta das Caldas no mandato de Fernando Pais de Almeida e Silva (1952-1960), que concluiu em outubro com 19 valores. No passado sábado, o agora aluno do doutoramento de História Moderna e Contemporânea no ISCTE-IUL, participou no VI Congresso de História Local, em Castelo Branco, com uma comunicação subordinada ao tema “O papel da Gazeta das Caldas no mandato de Fernando Pais de Almeida e Silva (1952-1960)”, integrada numa sessão dedicada à “Política e Sociedade na Imprensa Periódica”.
A ligação do estudante de 25 anos à temática, e às páginas da Gazeta, começou com a definição do tema de estudo, que coincidiu com a pandemia e o facto de estar “limitado” às fontes caldenses. Numa pesquisa sobre o Conjunto Cénico Caldense cruzou-se com este episódio da política local, que já tinha sido abordado superficialmente pelo seu orientador, o professor Luís Nuno Rodrigues, também ele caldense. “Para estudar sobre Fernando Pais de Almeida e Silva era indispensável ter a Gazeta como ‘mãe’, ela foi um protagonista autêntico nesta década”, conta o autor. E acrescenta: “num contexto em que a imprensa era muito limitada, as Caldas tem a sorte de ter um jornal que, apesar de todas as mordaças a que estava submetido, era bastante dinâmico e quase um espelho para a psique daquela elite, de como eles se sentiam e do que queriam para a terra”.
No seu estudo, o historiador recorreu também às atas da Câmara e da Comissão Concelhia da União Nacional das Caldas, mas é a Gazeta quem “acaba por contribuir para perceber com maior claridade o que acontecia por debaixo daquelas camadas mais superficiais”, com artigos assinados por Júlio Lopes, Carlos Saudade e Silva, Jaime Arsénio de Oliveira, mas também diversos colunistas convidados.
Fernando Pais de Almeida e Silva foi formalmente nomeado presidente da Câmara das Caldas a 31 de julho de 1952, terminando um período de nove meses em que o concelho esteve sem presidente, após a exoneração de Augusto Saudade e Silva. E, apesar deste ter sido a sexta escolha para o cargo, após as anteriores cinco indicações, mais ao gosto da elite local, terem recusado o convite pelas mais diversas razões, a sua passagem pelas Caldas foi tudo menos pacífica.

Fonte para investigação
A naturalidade de Fernando Pais de Almeida e Silva, embora tenha sido logo realçada pela Gazeta na sua tomada de posse, em 1952, só voltará a ser notícia a partir de 1958. A data coincide com as mudanças nos cargos de Ministro do Interior e Governador Civil de Leiria (responsáveis pela nomeação do presidente de Câmara) e que Sebastião Barata vê como uma estratégia para influenciar a decisão. O historiador destaca também a forma como o conteúdo “driblava” a censura. “Eles nunca criticavam diretamente a pessoa, mas as ações, as políticas, a presidência. O presidente da Câmara, por si só, tentavam não atacar e, às vezes, nem o mencionavam”, explica. Um desses exemplos é o facto de, durante oito anos, Almeida e Silva ter tido apenas direito a três fotografias no jornal.
E como é que o visado reagia a esta oposição? Endereçou cartas às altas instâncias da União Nacional e ao Governador Civil a queixar-se da situação e, nas próprias atas da Câmara, é dada nota do que nessa semana a Gazeta tinha publicado e que “não era muito benéfico” para a imagem da autarquia. Em 1959, na sequência de notícias e respostas da Câmara sobre o passivo, a censura acaba por atuar e a Gazeta anuncia que, por ordem superior, terão de cessar os comentários aos ofícios camarários. Mas a colocação do habitual aviso “este número da Gazeta foi visado pela Delegação de Leiria de Censura” mesmo por baixo daquelas linhas não aparenta ter sido feita ao acaso”, realça Sebastião Barata. Além disso, grande parte dos assuntos discutidos na Câmara tinham sido publicados na Gazeta nos dias anteriores, o que mostra que, “mesmo que o presidente não gostasse, e de forma mais ou menos consciente, a Gazeta conseguia ter alguma capacidade de influenciar a política caldense”.
Para combater esta oposição, Almeida e Silva e alguns aliados na cidade criaram o jornal Caldense, onde a câmara podia fazer os seus comunicados, mas que viria a ter pouco sucesso.
No âmbito do doutoramento Sebastião Barata pretende alargar o seu estudo a todo o distrito de Leiria e à segunda metade do Estado Novo, no intuito de perceber como as elites locais se comportavam. A Gazeta das Caldas deverá continuar a ser fonte para a sua investigação, mas também outros arquivos locais, como é o caso das bibliotecas municipais. O historiador destaca a digitalização das edições deste semanário como forma de facilitar a investigação, assim como o esforço das funcionárias da biblioteca caldense que lhe facultaram a consulta das atas de inícios da década de 50, recolhendo estes documentos, que ainda não se encontravam no Arquivo Municipal.

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