Desde Dezembro de 2015 que o núcleo caldense do Refood recolhe comida em restaurantes e outros estabelecimentos ligados à alimentação e distribuí-a pelas famílias carenciadas. Em seis meses (entre Dezembro e Maio) foram entregues 8800 refeições e o projecto não pára de crescer.
Gazeta das Caldas acompanhou um dia de trabalho dos voluntários e mostra como existem ideias em que todas as partes envolvidas ganham: os restaurantes porque deixam de mandar comida fora, os necessitados porque recebem alimentos e os voluntários porque sentem o conforto de ajudar quem precisa.
Mas o núcleo caldense também precisa de ajuda, sobretudo de algum equipamento, mais voluntários e de uma sede própria, na cidade, onde possam continuar a fazer as entregas às famílias.
São 15h00 de quinta-feira e José Cruz estaciona o seu Fiat Punto junto ao nº 28 da Praceta Arnaldo Fontes, no Bairro dos Arneiros, onde está situado o centro de operações da Refood caldense. O voluntário, de 70 anos, pega nas caixas de plástico para transporte dos alimentos e vê na escala quais os locais de recolha, que a esta hora se referem às sobras dos almoços.
“O carro já cheira a sopa”, conta, dando conta dos muitos quilómetros que este já fez por toda a cidade, quase diariamente. É que desde que se reformou que este encarregado da secção de peças da Fiat, encontrou no projecto Refood, uma maneira de continuar activo, ao mesmo tempo que ajuda quem mais precisa.
O primeiro destino é a Infancoop, onde recebe sopa e massa com carne estufada, que sobrou do almoço dos meninos. O transporte é feito com cuidado e acondicionado da melhor maneira possível para que a comida chegue em condições aos beneficiários e sempre que entra na sede é discriminado tudo o que trouxe.
Segue-se viagem para a Praça 5 de Outubro, com uma primeira paragem no restaurante Capelinha do Monte, que colabora com o projecto desde que este teve inicio. Já antes ajudavam algumas pessoas que, esporadicamente, ali iam pedir comida, recorda Manuel Feliciano, acrescentando que sempre lhes custou mandar comida para o lixo. “Com as regras que temos chega a determinada data e temos que deitar a comida fora, mesmo ainda estando em boas condições. Assim estamos a ajudar alguém que necessita”, diz, destacando o bom funcionamento do projecto.
A poucos metros de distância, no Cantinho da Lena, a proprietária Helena Loureiro, entregava um “balde” de sopa de peixe que, devido às suas propriedades, teria que ser consumida nesse dia. “Para nós era desperdício e permite matar a fome a quem a tem”, disse a proprietária, que também colabora com o projecto desde o seu início.
Mais recentemente, e desde que abriu portas, também o restaurante Fruta da Casa, entrega toda a comida que sobra dos almoços e jantares. “É normal existir sempre algum desperdício porque não conseguimos contabilizar ao pormenor o número certo de refeições e assim conseguimos ajudar quem não consegue ter acesso a alimentos”, resume Ana Melo.
A estes juntam-se muitos mais estabelecimentos, num total de 42. Consoante as suas características, são feitas recolhas às 14h30, para levar o que resta dos almoços, entre as 18h30 e as 20h00, que acompanha o fecho das pastelarias, uma outra às 21h15 pelos restaurantes e uma última, já depois das 22h30 e até à meia noite, pelos estabelecimentos que encerram mais tarde.
50 voluntários no activo
Na sede do projecto funciona o centro de operações. No turno das 15h00 às 17h00, as voluntárias pegam na comida que chega e repartem-na por caixas com quantidades que variam consoante o agregado familiar. Há casos especiais, como os diabéticos ou pessoas com restrições alimentares, que têm uma dieta especial.
Depois da comida separada, a partir das 18h00, é aberta a porta aos beneficiários que trazem o saco com o recipiente vazio e de volta a casa levam uma refeição, com prato, sopa, pão, fruta e, por vezes, também doce.
Sónia Cotrim é voluntária do Refood desde Fevereiro, levada para o projecto por uma amiga. Actualmente acumula também as funções de gestão de voluntários, cabendo-lhe fazer as escalas das rotas e, quanto falta alguém, tenta arranjar um substituto. Entre os 200 inscritos, há perto de 50 voluntários no activo, com idades compreendidas entre os 18 e os 70 anos. A esmagadora maioria são mulheres.
Apesar de estar tudo programado para as tarefas diárias, há sempre imponderáveis. Por exemplo, quanto o grupo anterior gasta a última pastilha de detergente (quase sempre em falta) e o que se segue tem que lavar toda a loiça à mão, enquanto vão comprar mais. “Temos que estar coordenadas para conseguir fazer o máximo possível para não sobrecarregar o turno seguinte”, conta a funcionária do Centro de Saúde que tem o voluntariado no sangue. Natural de Lisboa, veio para as Caldas há três anos e diz que “está a valer muito a pena”.
A ajudá-la, no mesmo turno, estava Eris Wiseman, uma sul africana reformada, a viver actualmente na Foz do Arelho. A voluntária colabora com o projecto duas vezes por semana e, entre as suas tarefas, está a de embalar a comida e lavar a loiça e o chão. “Também é bom pelo convívio e gosto muito das outras voluntárias”, diz Eris Wiseman que, enquanto ali está, não fala inglês e assim vai melhorando o seu português.
Já Maria da Luz Bilro é uma estreante nestas matérias de voluntariado e confessa que está a ser uma experiência muito gratificante. Foi para o projecto através de uma amiga e reconhece que ali encontrou uma realidade que muitos não têm noção que existe. “Nas Caldas, ainda que pareça uma cidade sem problemas de maior, há muita pobreza escondida”, diz, acrescentando que é “muito gratificante perceber que chega a esta hora [18h00] e que as pessoas vêm aqui e que recebem jantar para eles e para os filhos”.
A também funcionária no Centro de Saúde tem marcadas duas horas por semana no cronograma, mas que na prática são muitas mais. A filha mais velha, de 18 anos, também costuma ajudar.
“Somos uma família, arranjamos amizades e toda a gente é super acolhedora”, diz a voluntária, convidando a que mais se juntem a esta causa. Mas o voluntariado tem também uma parte sentimental e não são raras as vezes que Maria da Luz Bilro vai para casa com um nó na garganta, depois de assistir às dificuldades com que vivem diariamente algumas famílias.
Actualmente o núcleo da Refood ajuda 28 famílias, que se traduz num apoio directo a 83 pessoas. Nazaré Luís é um desses casos. Com o marido desempregado, um filho na escola e a receber mensalmente pouco mais de 100 euros, não conseguia fazer face às despesas.
“É uma grande ajuda”, diz, acrescentando que desta forma já consegue comprar outros produtos e pagar as contas. “Assim que consiga organizar a vida quero dar a vez a outras pessoas. Gostava que isto não parasse, para bem de muita gente”, concluiu.
Também Armindo Vital conta com a ajuda deste projecto. Está aposentado, mas a sua reforma não é suficiente para suportar as despesas pois também tem que ajudar os filhos, que estão desempregados. As primeiras reuniões para criação do núcleo caldense começaram em finais de 2014, quando um grupo de amigos se tentou organizar para recolher na cidade a comida que não é utilizada em cafés, pastelarias e restaurantes para distribuir por famílias carenciadas. Começaram por se encontrar no Cencal e depois passaram a ocupar uma sala na antiga Escola do Parque.
Os voluntários começaram a distribuir refeições em inícios de Dezembro do ano passado a três famílias e a sua sede foi formalmente inaugurada a 9 de Janeiro, tornando-se no 25º núcleo a abrir a nível nacional.
O projecto Refood foi criado em Lisboa, em 2011, pelo americano Hunter Halder, que vive em Portugal há mais de 20 anos, já se estendeu a quase todo o país e também no estrangeiro.
De acordo com os dados do próprio movimento, este integra quatro mil voluntários, 2500 beneficiários e são distribuídas 46 mil refeições por mês.
O projecto precisa de apoios
Rui Vieira, responsável pelo Refood caldense, conta que existe mais procura por parte de pessoas com dificuldades e também há disponibilidade por parte de mais estabelecimentos para ajudar. No entanto, “tem que haver controle”, diz, realçando que não têm capacidade para mais recolhas e têm regras para guardar comida até um máximo de dois dias. “De preferência deve sair tudo num máximo de 24 horas e, excepcionalmente, até 48 horas”, realça, acrescentando que a excepção é o pão, que é congelado.
A funcionar há seis meses, o núcleo caldense está a conseguir dar resposta às necessidades mais prementes. Por outro lado, Rui Vieira confessa que não tinha a noção de que havia tantas famílias a precisar de ajuda. “Estão no limiar da pobreza, andam a jogar com pagamentos de contas em atraso e os alimentos”, explica, especificando que há crianças que só comem fruta quando a Refood lhes dá.
O projecto privilegia a família e em muitos dos casos, um dos elementos, ou mesmo os dois, ficaram desempregados e os rendimentos que auferem não lhes chega para todas as despesas. Também já tiveram casos felizes, em que as pessoas melhoram a sua situação e deixam de precisar. Alguns vêm mesmo a tornar-se voluntários.
Mas o projecto continua a precisar de apoios. Volvidos seis meses de funcionamento continuam a pagar uma renda de 200 euros por mês pela sede, um valor que é conseguido através de donativos ou de eventos que fazem. Também têm que pagar a electricidade e a água ao preço normal, embora não tenham rendimentos.
“E precisamos de uma máquina de lavar loiça industrial, para evitar que as voluntárias tenham que perder tempo a lavar a loiça toda à mão”, diz Rui Vieira. Aliada a esta necessidade, surgem outras de menor custo, como é o caso de pastilhas para a máquina, sacos de plástico para o lixo, detergente, rolos de cozinha, aventais de plástico ou mesmo vinagre para desinfectar os objectos.
Parceiros
Paraísos, Lisboa, Palmeiras, Mimosa, Capelinha Monte, Cantinho do Lena, Ti Paulo, Ribatejana, Canas, Beco do Forno, Infancoop, Recanto, EHTO, Pão Caseiro, Coffee Nuts, Fruta da Casa, Bonjour, Padaria Morgado, Padaria Cidade Nova, Rotunda, Granfer, Atelier do Doce, Graftuga, Bricomarché, Omniprint, Aki, Barosa, Gráfica Macedo, A Machado, Netcopia, Dinâmicas Naturais, Obigraf, RLO, Gazeta Caldas, Rádio Mais, Jornal das Caldas, Pró Portugal, Chave Expansão, União de Freguesias Nª Sra Pópulo Coto e S Gregório, União de Freguesias de Sto. Onofre e Serra Bouro, Caminheiros de Caldas e Óbidos e do Grupo de Farmácias Rosa, Caldense e Sta Catarina.
De Dez/2015 a Maio/2016
• 8800 refeições entregues
• 28 famílias apoiadas
• 83 beneficiários
• 50 voluntários utilizados em média/mês