Como responder aos muitos jovens mais (ou menos) qualificados que não estudam nem trabalham?

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Gazeta das Caldas
O grupo a assistir a uma apresentação na Associazione Culturale Khorakhanè

A região de Veneto, em Itália, foi o local da última visita de estudo do projecto Community Guarantee, que tem por objectivo definir uma estratégia global para ajudar a integrar os jovens que não trabalham nem estudam e envolve associações da Estónia, Islândia, Itália e Portugal. Gazeta das Caldas acompanhou a visita a convite da CAI, uma associação de intervenção social, a nível nacional, que trabalha na região de Lisboa e Porto e também no Oeste, com incidência nas Caldas da Rainha e Óbidos.
A visita a diversas instituições de Pádua, Treviso, Abano Terme e Veneza permitiu conhecer o trabalho que está a ser feito para minorar o problema que afecta mais de 15% dos jovens daquela região italiana, como também de Portugal.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

Depois de concluir o mestrado em Desenvolvimento Local Sustentável Kruna Krstic não conseguiu trabalho, engrossando, durante um ano os números dos jovens em Itália que não estudam, não trabalham nem estão em formação (NEET). Agora trabalha na Eduforma Formazione e Consulenza onde coordena os projectos internacionais, como é o caso do Community Guarantee, que pretende encontrar soluções para os jovens que se encontram na situação que ela bem conhece.
Já Stefano Rossetto é licenciado em Literatura e está sem trabalhar há dois anos. Tem tentado as mais diversas ofertas, mas nunca foi seleccionado. “Todas as portas parecem-me fechadas” conta o jovem, demasiado qualificado para muitos dos empregos a que se candidata. Por outro lado, as ofertas que aparecem são de “trabalho com um mau salário e sem futuro”.
Esta é uma realidade comum na Itália, em que a maioria dos jovens licenciados não consegue trabalho. Os dados daquele país mostram que mais de 24% dos jovens com idades compreendidas entre os 16 e 29 anos estão em situação NEET. Precisam de estágios em empresas para pôr em prática a teoria que aprenderam na escola.
Em Portugal a situação não é muito diferente. Dados do INE, do ano passado, referem que existem mais de 175 mil jovens até aos 30 anos que não estudam, não trabalham, nem frequentam formação profissional. Destes, 108.300 estavam desempregados, efectuando diligências de procura activa de emprego. Contudo, 67.500 jovens não procuram respostas nestes domínios.

Gazeta das Caldas
Um grupo de 20 profissionais, oriundos de quatro países europeus, conheceu de perto a realidade dos jovens italianos

Um estudo desenvolvido ao longo de 2016 em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho, mostra que a maioria dos NEET em Portugal tem entre 15 e 24 anos (58,6%), é do sexo feminino (52,1%) e possui o ensino secundário ou pós-secundário não-superior.
Para tentar colmatar este problema, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) lançou o ano passado o Garantia Jovem, um programa que prevê que, gradualmente e num prazo de quatro meses após o jovem sair do sistema de ensino ou do mercado de trabalho, lhe seja feita uma oferta de emprego, de continuação dos estudos, de formação profissional ou de estágio. Conta, para isso, com uma rede de 1500 parceiros, desde autarquias a associações juvenis ou instituições de solidariedade social. A estratégia foi delineada para um prazo de quatro anos e pretende alcançar, pelo menos 30 mil dos 67.500 jovens nesta situação.

107 mil NEET na região de Veneto

Na região de Veneto existiam em 2017, 107 mil jovens em situação NEET, de um total de 2,2 milhões em toda a Itália. Um número que tem vindo a decrescer ligeiramente mas que continua a preocupar os departamentos públicos que se ocupam das políticas da juventude. Entre as medidas implementadas estão os incentivos ao emprego, aconselhamento, visitas a empresas e estágios. Foram também criados Altos Institutos Técnicos, que qualificam os jovens com um diploma técnico superior após dois anos de formação com professores vindos do mundo do trabalho.
Eficiência energética, novas tecnologias e mobilidade sustentável, são apenas algumas das áreas ministradas nestes institutos entre um total de 32 cursos. E os resultados estão à vista: 89% de empregabilidade após um ano do término. Mas porque ainda são pouco populares entre os jovens estes programas, a região de Veneto prepara-se agora para lhes mudar o nome e fazer uma promoção junto dos destinatários.
Depois há outros serviços públicos disponibilizados pelos municípios, como o Progetto Giovani, que fornece informação para os jovens sobre educação e trabalho, bem como oportunidades no estrangeiro. Os técnicos também os ajudam a fazer o currículo vitae, conversar em língua estrangeira, programas de mobilidade e aconselhamento e promoção de programas para artistas.
Outros espaços, como o Cittá dei Mistieri, em Treviso, criaram soluções originais para ajudar os jovens que deixaram a escola, como o vídeo CV, onde estes se apresentam e falam dos seus gostos e competências. Já o Spazio 7 Giorni (Espaço 7 dias) permite aos jovens estudar e frequentar oficinas diversas, como de culinária, reciclagem e vídeo. Medidas que procuram dar resposta a pessoas de 150 nacionalidades que vivem naquela região.

Uma quinta que é um centro de inovação

Numa zona rural perto de Veneza, onde se acede por estradas estreitas ladeadas por campos cultivados e canais de água, situa-se o H-Farm, considerado o mais importante centro de inovação da Europa. Os 51 hectares englobam um campus que junta educação, investimentos e consultoria de negócios em um só lugar.
Há 13 anos que esta plataforma de inovação apoia a criação de novos modelos de negócios e a transformação e educação digital de jovens e empresas italianas. Desde a sua fundação, a H-Farm investiu 25 milhões de euros para apoiar o desenvolvimento de 105 empresas inovadoras e ajudou mais de uma centena de marcas internacionais a aproveitar as oportunidades possibilitadas pela transformação digital. Ao nível da educação, possui uma universidade e promove diversos workshops e programas de Verão para jovens na área da robótica e programação. A pensar nos mais carenciados foi criada uma fundação que, através de patrocínios de grandes marcas, permite a frequência destes jovens naquela escola de elite.
Anualmente realizam uma conferência sobre inovação. A do ano passado reuniu, durante cinco dias, mais de uma centena de pessoas de diversos países e com perspectivas diferentes sobre a temática. Mas a visita permitiu também conhecer outros espaços, como Lab Altobello Sumo onde num mesmo edifício os pais podem deixar os filhos, numa espécie de infantário, e trabalhar.
Já no Megahub a Shio, artesãos e criativos podem trabalhar em conjunto com madeiras e cerâmica. O espaço nasceu de uma cooperativa social e permite aos participantes utilizar as máquinas de modelação e impressão (prototipagem), mediante apenas um custo social. O desafio actual é o de construir, com peças feitas na impressora 3D um robot, que depois as crianças podem adaptar de diversas formas.
Em Vicenza conhecemos uma das medidas mais interessantes da visita: o serviço cívico nacional. Com raízes na objecção de consciência ao serviço militar, actualmente é uma escolha dos jovens que, após terminarem os estudos, se dedicam a projectos comunitários. São promovidos os valores da Paz, da não violência e do serviço civil como forma de educação para uma cidadania mais activa.
O Serviço Civil tem a duração de um ano e pode envolver projectos na área social, cultural e ambiental. Há um tutor que ajuda o voluntário e lhe dá formação. Trabalham cerca de 30 horas por semana, recebem 433 euros por mês e no final recebem um certificado de competências.
Diversos jovens partilharam as suas experiências, tanto ao nível deste serviço, como de associações que dinamizam, com sucesso, e que ajudam outros jovens a encontrar soluções para o seu percurso profissional e de vida.
Mas nem sempre tudo corre bem. E, apesar do empenho e do dinamismo de quem está à frente das associações, se não houver apoios, por vezes não conseguem mantê-las em funcionamento. Foi o que aconteceu com a Associazione Culturale Khorakhanè, em Abano Terme, que tinha fechado portas dias antes da visita. Projectos dinamizados na área da música, arte, design, culinária e agricultura por este laboratório cultural, que foi considerado pela Europa como um bom exemplo, ficaram por terra porque não conseguiram ter apoios da autarquia.

Projecto premiado na Estónia

O projecto Community Guarantee foi premiado pela Agência Nacional da Estónia como a melhor parceria estratégica entre os financiados pelo programa Erasmus. É coordenado pela ONG Association of Estonian Open Youth Centres (Associação de Centros de Juventude que congrega cerca de 150 associações da Estónia) e envolve também associações da Islândia, Itália e Portugal.
A procura de respostas para problemas comuns esteve na base deste projecto internacional que se desenvolverá durante ano e meio e tem um financiamento comunitário de aproximadamente 170 mil euros.
A participar estão associações com realidades muito diferentes e que podem ajudar os parceiros com as suas boas práticas. Concluídas as visitas de estudo, que envolveram 80 pessoas dos quatro países, seguir-se-á, em Setembro, um seminário na Estónia, para analisar o material recolhido nas visitas.