Rui Pinheiro é o único cliente da CP que compra um passe mensal da CP entre Caldas da Rainha, onde vive, e Óbidos, onde é recepcionista numa unidade hoteleira. Entusiasta dos caminhos-de-ferro e conhecedor profundo dos comboios, sobretudo dos da Linha do Oeste, sabe todos os horários e é ele quem, muitas vezes, ajuda os passageiros que chegam à estação de Óbidos e ficam apeados devido à supressão de comboios ou á falta de informação, ou de ambas as coisas.
Membro da Comissão de Defesa para a Linha do Oeste, Rui Pinheiro diz que, devido à falta de material, a CP deveria repor no Oeste – como medida de urgência – as automotoras Allan e composições com locomotiva e carruagens.
Rui Pinheiro, de 40 anos, trabalha como recepcionista num hotel em Óbidos e apanha o último comboio do dia na estação das Caldas para regressar na manhã seguinte “no comboio que conseguir apanhar”. Já chegou a estar duas horas à espera e não estranha a supressão dos horários. Ainda assim, o comboio continua a ser o seu meio de transporte de eleição. Autocarro só mesmo em último recurso.
O gosto pela ferrovia começou quando integrou o serviço militar em 1997. O caldense fez a recruta em Leiria e depois passou para o Quartel da Carregueira (Sintra), locais servidos pelo caminho-de-ferro. “Íamos todos ao domingo à noite de comboio e depois apanhávamos o transporte para o quartel”, recorda Rui Pinheiro, acrescentando que na altura o trajecto era feito nas automotoras Allan e em comboios com locomotivas 1400 e carruagens.
Em 2012 entra para a Comissão para a Defesa da Linha do Oeste, criada dois anos antes, quando se falava que a linha ia fechar. No entanto, reconhece, nessa altura a situação era melhor do que agora pois havia mais material circulante.
Embora reconheça que circular na Linha do Oeste é seguro, Rui Pinheiro realça que os atrasos e as supressões dos comboios são um verdadeiro problema, que está a afastar os passageiros. A situação começou a agravar-se em inícios de 2017 com o envelhecimento da frota e a incapacidade da CP em renová-la.
“Há muitos passageiros que precisam de se deslocar diariamente para o trabalho e não têm comboio a horas”, explica, acrescentando que a alternativa rodoviária também não é viável. E dá como exemplo pessoas que moram no Cacém e que têm que ir a Lisboa para apanhar o autocarro para virem para Runa, Torres Vedras ou Caldas devido à falta de comboios directos.
Rui Pinheiro costuma monitorizar as supressões de comboios da linha do Oeste que, em 2017, aconteceram a uma média de duas por dia. Este ano já se bateu um recorde com a supressão de 14 circulações em 28 previstas para um só dia. “Hoje mesmo [sexta-feira, 15 de Junho] temos uma automotora que saiu das Caldas para Coimbra e que no regresso já vem com um problema no motor e 45 minutos de atraso”, exemplifica, fazendo notar que dos cinco comboios necessários para cumprir os horários na linha do Oeste, há dias em que a CP só tem dois.
“Temos automotoras no Oeste que começam a trabalhar às 5h40 e só terminam às 22h00, é um desgaste muito grande”, diz, acrescentando que estas máquinas têm, além das muitas horas diárias de uso, uma manutenção mínima porque a EMEF, empresa de manutenção da CP, não tem pessoal suficiente.
Estas supressões poderiam ser colmatadas, no entender de Rui Pinheiro, com o regresso das automotoras Allan ou das locomotivas da série 1400 a rebocar carruagens. “Tem que existir mais material circulante para ser possível reparar em tempo útil”, realça.
“CONHEÇO OS HORÁRIOS DE COR”
Rui Pinheiro sabe de cor o número de todos os comboios e os horários da Linha do Oeste. Um interesse que não considera vício mas sim passatempo e que tem um objectivo claro: apoiar os passageiros.
Existe um site e algumas aplicações para ver os horários, mas que não são actualizados ao minuto, o que leva a que as pessoas, por vezes, não consigam ter informação do tempo de espera ou das supressões. Para minorar esse problema, o caldense criou uma página no facebook, denominada Linha do Oeste, onde disponibiliza toda essa informação. “Se ligarem para o call centre ainda sabem menos do que eu”, diz, acrescentando que as pessoas telefonam-lhe, também, para saber se há ou não comboio.
Por vezes também ajuda os passageiros que chegam à estação de Óbidos e não conseguem apanhar comboio. “Chego a usar o meu telefone para chamar um táxi para os turistas transportarem as malas da estação para o centro da vila”, diz, chamando a atenção para o facto de a estação estar fechada há vários anos e não possuir informação. A única que existe, de acordo com este passageiro, é um papel com os contactos dos taxis afixado num poste.
O horário da Linha do Oeste também não tem segredos para Rui Pinheiro. “Já o desmontei todo, conheço a rotação das máquinas e sei que cada uma faz três ou quatro serviços seguidos”, explica à Gazeta das Caldas.
De acordo com Rui Pinheiro, os passageiros gostam de andar de comboio e actualmente a sua maior preocupação é o cumprimento dos horários. O elemento da comissão de utentes dá nota de um caso que se passou a semana passada e que é exemplificativo dessa incerteza que os passageiros vivem ao viajar na Linha do Oeste: uma senhora que ficou retida nas Caldas por não ter comboio para Leiria e teve que ser a filha a vir busca-la de propósito.
“Não temos mais passageiros no Oeste porque a CP não cumpre os horários”, diz Rui Pinheiro, apontando culpas à empresa, mas também aos vários governos e às câmaras da região, que não se têm batido suficientemente pela linha férrea. Recordou a reunião de autarcas dos concelhos abrangidos pela Linha do Oeste em Loures, mas que depois não teve o seguimento devido, com uma segunda reunião prevista para a Marinha Grande. “A Linha do Oeste só funciona para a maioria dos autarcas de quatro em quatro anos quando estão em campanha eleitoral”, disse, acrescentando que se eles andassem de comboio a situação estaria muito melhor.
Uma coisa é certa: Rui Pinheiro vai continuar a andar de comboio, embora esteja apreensivo em relação ao futuro. Recorde-se que a CP tinha previsto fazer um corte draconiano na oferta da linha do Oeste já em Junho, mas o governo fez saber que defendia um reforço e não uma redução do serviço ferroviário. A empresa decidiu suspender essa oferta e têm decorrido reuniões entre a CP e a tutela, mas não se sabe ainda que tipo de horários vai haver no Oeste a partir de Julho.