O habitual passeio dos seniores da União de Freguesias de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e S. Gregório foi este ano realizado num comboio fretado, que levou uma comitiva de 380 caldenses a Setúbal. A viagem foi uma agradável surpresa para todos, que gostaram sobretudo do conforto oferecido pelo modo ferroviário e teve como ponto alto a travessia em comboio da ponte 25 de Abril. E a CP até conseguiu surpreender com o comboio a circular sem atraso e – pasme-se! – até alguns minutos adiantado.
Tinta Ferreira e Vítor Marques, respectivamente, presidentes da Câmara e da União de Freguesias, dizem que este passeio é uma prova do potencial da linha do Oeste para o turismo e que foi uma forma de chamar a atenção para investir na sua modernização.
Os comboios não esperam. Que o digam os quatro seniores que chegaram um minuto atrasados à estação das Caldas e viram partir a longa composição com destino a Setúbal. Eram 8 horas e 4 minutos e dentro do comboio poucos repararam no ar desolado dos que ficaram lá fora. O ambiente era calmo e relaxante. A maioria dos passageiros tinha chegado bastante cedo. Gabava-se o conforto dos assentos, o espaço para esticar as pernas, as janelas amplas e sobretudo pairava um ar de expectativa por esta viagem de comboio até Setúbal.
A CP disponibilizou duas automotoras da série 592 atreladas que formaram uma composição de seis carruagens, invulgar na linha do Oeste. A Junta de Freguesia tinha organizado bem a coisa: cada sénior inscrito sabia o número da sua porta e só tinha depois de escolher o lugar. Elementos da autarquia espalharam-se estrategicamente ao longo das carruagens para prestar apoio.
Ainda o comboio não passara o Bombarral e já estes distribuíam aos passageiros exemplares da Gazeta das Caldas e da revista da União de Freguesias. Também havia garrafinhas de água e bonés, bem como um crachá muito útil com os telefones dos funcionários da Junta.
Sozinha, num canto da carruagem, viaja Rosa Maria Gomes, que vem do Imaginário. Muito atenta à paisagem, reconhece que não sabe qual é o destino desta viagem. Já participou em várias excursões da Junta, mas interrompeu-as por causa da doença do marido. Agora que este morreu, voltou a inscrever-se. Mas não sabe que vai para Setúbal. Prestes a fazer 90 anos, diz que o que lhe interessa é a viagem. E que gosta muito de ver “o amanho das terras, as vinhas, os pomares e o chão cultivado”. Numa bolsinha leva o lanche: uma sandes com um hambúrguer, outra com queijo, um iogurte, um sumo e uma garrafa de água.
Ao lado, em animada conversa, viajam dois casais amigos: Ester e Gualter Nunes (de 75 e 71 anos, respectivamente) e Paulina e Abílio Reis (de 69 e 74 anos). Todos estão de acordo: “isto de comboio é muito melhor do que de autocarro”. Gualter Nunes diz que já não andava de comboio há mais de 40 anos e a esposa sublinha que “isto é bom porque dá para esticar a pernas”. Paulina Reis recorda outra viagem da Junta, também sobre carris, à Figueira da Foz, de que gostou muito e acha que assim “é mais engraçado”, até porque os dois casais vão sentados frente a frente a conviver. Abílio Rodrigues diz que “no comboio temos mais vista e vimos mais coisas”, no que é interrompido pela passagem de um túnel – de repente só se vê a escuridão através da janela e a coincidência provoca risos.
O PASSEIO DE TINTA FERREIRA
Chegamos à Malveira um minuto adiantados. Até agora o especial para Setúbal só se detivera em Torres Vedras para cruzar com outro comboio e em Dois Portos para uma paragem técnica. Agora, na Malveira, esta paragem tinha sido pedida pela organização para que os homens dos concertinas pudessem mudar de uma automotora para a outra. Quem também muda para as três carruagens da frente é o presidente da Câmara, Tinta Ferreira, que -qual noivo a cumprimentar os convidados no dia do casamento – atravessa a composição de lés a lés a distribuir apertos de mão e beijinhos aos munícipes. Ainda não tem a desenvoltura do Presidente Marcelo a distribuir afectos, mas não lhe falta muito.
De carruagem em carruagem o autarca vai ouvindo reclamações e felicitações. De todos os tipos, mas os parabéns mais recorrentes são pelo êxito da Feira dos Frutos. E questionados sobre a viagem, todos respondem que esta “é do melhor” e que “está a correr muito bem”.
Mas há queixas e a CP tem culpas no cartório. Uma das seis casas de banho do comboio está avariada e nenhuma tem sabonete. Falhas graves de uma empresa que facturou 5300 euros à União de Freguesias para este passeio. Vítor Marques diz que foi obviamente mais caro do que se tivessem ido de autocarro, mas que valoriza o conforto oferecido pelo comboio e sobretudo quer chamar a atenção para o potencial da linha do Oeste em termos turísticos e para o facto de ser possível, a partir das Caldas da Rainha, ir de comboio para qualquer ponto do país.
Aliás, o próprio boletim informativo da União de Freguesias tem o seu último número dedicado à linha do Oeste.
São nove e meia e o especial Caldas – Setúbal circula na linha de Sintra. Já para trás ficaram as colinas verdes, as vinhas e os pomares do Oeste. Agora a paisagem é citadina e cruzam-se connosco comboios suburbanos. Tinta Ferreira está na cabine de condução: ouve as explicações do maquinista e verifica in loco que a linha de Sintra está quadriplicada e tem capacidade de sobra para receber os comboios do Oeste, caso a CP entenda fazer melhores ligações directas a Lisboa.
UM “SELO RARO”
Em Campolide o comboio é fotografado por entusiastas do caminho-de-ferro que querem registar a passagem – rara – de um comboio vindo das Caldas para a ponte 25 de Abril e Setúbal. Ao longo da viagem a composição tinha sido fotografada várias vezes e já começara a aparecer nas redes sociais, nos sites dos amigos dos comboios.
Há quem faça uma analogia com os coleccionadores de selos. Tinta Ferreira entende. “É como se este comboio fosse um selo raro”, diz. Exactamente. Viajamos todos a bordo de um “selo raro”.
A travessia da ponte 25 de Abril é o momento alto da viagem. As conversas e as leituras param subitamente e toda a gente se fixa nas janelas: o estuário do Tejo é uma imensidão, com vista desde Cascais até ao mar da Palha. “Só por isto já valeu a pena sair da casa”, diz uma senhora.
Seguem-se as estações da margem sul: Pragal, Fogueteiro, Coina, Pinhal Novo, Palmela, que o comboio passa sem nunca parar, sempre a andar, a apitar e a saudar uma manhã sem nuvens e com um céu muito azul. A entrada na estação de Setúbal dá-se às 10h30. À tabela.
Na cidade do Sado os 380 seniores das Caldas da Rainha dispersam-se. Dois grupos organizados visitam museus e monumentos, mas muitos casais preferem passear sozinhos ou em pequenos grupos.
No jardim em frente ao rio passa um enorme cargueiro. Mário e Maria Jordão assistem à manobra do colosso, que atraca umas centenas de metros mais à frente. Mal saíram da estação, foram passear e fazer tempo para o almoço. Ele tem 71 anos e ela 67 e foram funcionários públicos até se reformarem.
Mário Jordão diz que é a segunda vez que participam numa viagem deste tipo e que, neste caso, aproveita para conhecer uma das poucas cidades do país onde ainda não tinha estado. “Estamos a gostar porque a viagem de comboio é mais agradável e as pessoas podem levantar-se e esticar as pernas. Mas assim também se dispersam mais porque nos autocarros vão mais concentradas em grupos”, diz. E a sua mulher acrescenta que estes passeios servem também para rever pessoas que não encontram durante o resto do ano, apesar de viverem na mesma cidade.
A maioria dos caldenses almoça nos restaurantes ou faz o seu pic-nic por conta própria noutros locais da cidade. Mas cerca de uma centena junta-se no Parque do Bonfim, onde também estão os autarcas e funcionários da Junta. Vítor Marques explica que tinham pensado almoçar num dos restaurantes da zona, mas que muitos fregueses sentem-se mais acompanhados se virem por perto elementos da organização. Por isso, o autocarro da Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo tinha viajado também até Setúbal para servir de apoio logístico.
A ementa, servida por um restaurante das imediações, é o tradicional choco frito.
O comboio especial nº 13864 sai de Setúbal às 16h44 com a comitiva caldense a bordo. Todos menos um, pois Tinta Ferreira tinha regressado às Caldas de carro. Afinal, um presidente de Câmara sempre tem outros afazeres, incompatíveis com uma viagem de regresso que vai demorar mais 2 horas e meia.
Antes, porém, o autarca diria à Gazeta das Caldas que esta viagem de comboio foi uma iniciativa feliz por parte da União de Freguesias de Nª Senhora do Pópulo, Coto e S. Gregório porque chama a atenção para a importância da linha do Oeste. “Aceitei o convite do senhor presidente [Vítor Marques] com muito prazer, até porque esta uma oportunidade de conviver com os caldenses, que estão muito satisfeitos com a viagem. Sei que para muitos deles esta iniciativa é o momento alto do ano”.
AUTOMOTORAS SÃO ESPANHOLAS
No regresso, a travessia do Tejo é novamente um dos momentos mais interessantes. As duas UTD (Unidades Triplas Diesel) acopladas continuam a ser vedetas ao longo do percurso porque há vários fotógrafos a registar a sua passagem. Admiravelmente, a composição não está grafitada e tem um ar limpinho.
Tratam-se de duas automotoras espanholas, alugadas recentemente pela CP para circularem nos carris portugueses porque a empresa tem falta de material a diesel. Em contrapartida sobra-lhe material eléctrico e daí a urgência de que a linha do Oeste seja electrificada.
Dentro da composição o ambiente é relaxante, mas mais alegre numas carruagens e mais sossegado noutras. Sérgio Pereira com a gaita de foles e os acordeonistas João e Marco percorrem as carruagens levando animação aos excursionistas.
José e Maria Augusto já não andavam de comboio desde que em 1968 foram para França no Sud Expresso. Contam que é a primeira vez que participam numa excursão da Junta de Freguesia e estão encantados. “Há mais de 48 anos que não andava de comboio e estou a gostar muito. Valeu a pena”, comenta Maria Augusto. O casal reparte hoje a sua vida entre França e as Caldas da Rainha.
Mas já para Maria Bernardete Oliveira esta viagem é uma estreia: aos 77 anos nunca tinha andado de comboio. “Ai eu estou a adorar. Estou a gostar muito. Gostei de tudo em Setúbal, mas principalmente da viagem do comboio. É mais confortável, não tem nada a ver com os autocarros, não há balanços, não enjoo, não há buracos na estrada. Eu já andei de avião duas vezes, mas de comboio nunca tinha andado”.
Discretamente, o médico José Fernando vai sentado num canto a ler o jornal. O também presidente da Assembleia da União de Freguesias é presença habitual nestes passeios e diz que está ali na sua qualidade de clínico porque para uma população com estas características – todos têm 65 ou mais anos – é importante saber que vai um médico a bordo.
Nos sete anos em que já participou nestas iniciativas, José Fernando só teve uma vez um caso de hiperventilação e alguns enjoos pontuais, coisa que na viagem de comboio está excluída. Por outro lado, em caso de doença súbita grave, um médico integrado no grupo sempre se articula melhor com o hospital mais próximo e com a viatura da VMER.
Mas felizmente a sua actuação como médico não foi necessária.
No regresso o comboio dos caldenses viaja quase sempre adiantado. Se é verdade que de Setúbal a Lisboa foi a marcar passo porque seguia atrás de um suburbano da Fertagus (empresa privada que explora os comboios do eixo Norte-Sul), na linha de Sintra o atraso é recuperado e chega a Meleças à hora. Depois é sempre a andar: Sabugo, Mafra, Malveira, até parar em Dois Portos para cruzar. Segue-se Runa, Torres Vedras, Ramalhal e nova paragem técnica em Outeiro da Cabeça. Depois não há mais paragens e passa-se veloz por Bombarral, S. Mamede, Óbidos, de tal forma que o comboio chega uns minutos adiantado às Caldas da Rainha. Desta vez a CP cumpriu com os horários.