“O mundo não vai ser, nos próximos anos, o que era”, afirma o presidente da AIRO – Associação Empresarial da Região Oeste, Jorge Barosa, relativamente às taxas alfandegárias anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos da América. “A Europa considerava como um grande parceiro os EUA e, a partir deste momento, com este tipo de atitudes, vai haver uma grande desconfiança na área mercantil”, afirma, apontando que “a Europa tem de se unir mais e procurar mercados”, uma solução que pode, no entanto, levar tempo.
O presidente da AIRO frisa que os impactos na região serão “mais predominantes no setor da cerâmica, principalmente a indústria especializada, que tem muitos clientes nos EUA”. O Oeste tem ainda forte exportação no setor alimentar para os EUA de frescos e conservas, vinhos e azeites, equipamentos industriais e componentes elétricos. “A cutelaria também vai ser bastante afetada”, destaca, além de outros setores com menos volume. Mesmo assim, o dirigente mostra-se parcialmente otimista, porque a predominância das exportações do Oeste é para a Europa.
Para Jorge Barosa, além de criarem instabilidade, estas taxas levarão a um aumento dos custos de exportação, o que poderá comprometer a competitividade dos produtos. O presidente da AIRO crê que Trump vai recuar nesta questão, até pelos impactos que tem na própria economia americana, mas frisa a importância de o Estado abrir linhas de crédito. “O Estado está a abrir alguns apoios que vão ajudar nesta fase, vamos aguardar pelos 90 dias que o presidente Trump deu, mas depois é tudo uma incerteza”.
Ao nível das importações também haverá impactos, “mas não tão gravosos, porque não dependemos muito do mercado dos EUA e, como tal, há bastantes alternativas”, e setores como a indústria petrolífera e do gás foram excluídas da tarifação, nota.
Luís Febra, presidente da Direção da NERLEI CCI – Associação Empresarial da Região de Leiria/Câmara de Comércio e Indústria, também considera que a escalada de tensões comerciais entre os EUA e a União Europeia pode ser negativa para a economia da região. O dirigente aponta para riscos concretos em setores estratégicos como os moldes, a metalomecânica e os materiais de construção.
“O impacto dependerá se as tarifas incidem apenas sobre matérias-primas, como aço e alumínio, ou também sobre produtos transformados, podendo aumentar os custos de produção e reduzir a competitividade das exportações”, refere. As empresas que operam nestes setores poderão ver-se confrontadas com aumentos substanciais de custos, num momento em que a incerteza nos mercados internacionais já condiciona decisões de investimento e de planeamento a médio prazo.
Para além dos custos diretos, o responsável sublinha que a instabilidade nas cadeias de abastecimento e a subida da inflação são consequências prováveis deste cenário. “A incerteza no comércio global pode gerar dificuldades nas cadeias de abastecimento e encarecer a logística, o que pode aumentar os preços e a inflação, com todas as implicações económicas que esses fenómenos podem trazer”, considera.
Apesar das dificuldades, Luís Febra acredita que esta conjuntura pode também representar uma oportunidade de transformação. “Pode levar as empresas a diversificarem mercados, a investirem em inovação e fortalecerem relações comerciais com outras regiões, reduzindo a dependência de mercados instáveis”, destaca, apelando à colaboração empresarial para aumentar a robustez, mas também à adoção de “soluções de automação e de inteligência artificial, apostando no redesenho de produtos e modelos de negócio”.
Do lado dos empresários há preocupações, sobretudo quando se tratam de empresas que têm nos EUA um dos principais mercados de destino.
O presidente do Conselho de Administração da Vista Alegre (que integra a Fábrica Bordallo Pinheiro), Nuno Terras Marques, explica que o grupo “está implementado nos EUA há já alguns anos”, onde tem uma filial. No volume global de negócios, aquele mercado representa cerca de 5% da faturação total, disse, notando que, caso a medida se efetive “terá um impacto negativo de 20% no custo dos nossos produtos”. Contudo, “as notícias que surgem nos últimos dias deixam antever que nada está estabilizado, pelo que aguardamos a decisão final para definirmos as ações apropriadas”.
Nuno Terras Marques realça que o Grupo Vista Alegre está implantado à escala global, pelo que vai continuar a expandir os negócios para novos mercados, “onde os nossos produtos são reconhecidos e obtém cada vez mais notoriedade”. Ou seja, a empresa está atenta atenta ao evoluir da situação, mas “sem grandes alarmismos”.
Já Rui Soares, presidente da Adega Cooperativa da Vermelha, explica que exportam para vários estados americanos e não tem dúvidas de que, “se as taxas avançarem, vão criar-nos constrangimentos. Vamos ter muitas dificuldades em exportar diretamente”.
A cooperativa, que tem mais de 30 funcionários e produz mais de seis milhões de litros de vinhos ao ano, “trabalha com muitos mercados, mas este é um dos importantes”, não só ao nível do volume, como do preço.
O mesmo responsável mostrou-se satisfeito com a implementação dos apoios à quebra de vendas, mas preocupado com a abrangência e rapidez. “Foi pena não ter sido feito com a guerra da Rússia e Ucrânia”, refere, apontando às quebras sentidas então. “Tínhamos 70 contentores para a Rússia e só foram três”, além de a guerra ter contribuído pata a escalada dos custos com o transporte.
A Solancis Sociedade Exploradora de Pedreiras, de Alcobaça, também tem negócios nos EUA, onde participou pela primeira vez numa feira em 2001. As exportações para este mercado começaram há cerca de 20 anos e este é atualmente o segundo maior mercado para a empresa. “A introdução de taxas adicionais irá inevitavelmente reduzir a nossa competitividade no mercado norte-americano”, afirma o CEO, Samuel Delgado, apontando, ainda assim, que “a Solancis é uma empresa com forte vocação exportadora, presente em 71 países, e habituada a operar em contextos internacionais voláteis, com desafios políticos e económicos diversos”. O facto de contarem “com equipas dedicadas a diferentes mercados” permite à empresa adaptar-se. “O impacto de eventuais taxas nos EUA será, naturalmente, mais um desafio a enfrentar, à semelhança do que aconteceu durante a pandemia da covid-19”, diz Samuel Delgado. “Em todos esses momentos, reforçámos a nossa aposta na diversificação de mercados e sempre na proximidade com os clientes”, recorda, acrescentando que “a nossa resposta será a mesma, continuar a adaptar-nos com foco, inovação e qualidade nos produtos e no serviço”. O empresário reforça ainda que, “apesar dos possíveis constrangimentos, acreditamos que a valorização da qualidade, sustentabilidade e know-how da nossa empresa continua a ser um diferencial” bem como a aposta “em inovação e certificações ambientais, fatores cada vez mais valorizados nos projetos de arquitetura e construção”.
Também a alcobacense Balbino & Faustino, uma das empresas líderes no ramo do comércio de madeiras em Portugal, tem nos EUA um mercado significativo. Marco Faustino, administrador da empresa, alerta para impactos “diretos e desproporcionais”, tanto nas operações da empresa como nas dos seus clientes.
A Balbino & Faustino exporta anualmente cerca de um milhão de euros diretamente para os EUA e importa desse país madeira no valor de 750 mil euros. A estes números somam-se as vendas indiretas feitas por clientes portugueses e mexicanos. “A simples ideia da aplicação de tarifas traduz-se num abrandamento imediato das compras e vendas nesse mercado”, refere.
Numa atividade onde “as margens, já de si, são magras”, um aumento de custos de 20% é “impensável de suportar”, forçando os operadores a repensar as suas estratégias comerciais, adverte. A empresa prevê que a imposição de tarifas acelere ainda mais a escassez de matéria-prima. “Com os mercados da principal espécie, o Carvalho, entrincheirados entre as guerras das tarifas e da Ucrânia, sobram poucas origens sustentáveis”, aponta. O resultado será inevitável: uma subida de preços e maior pressão sobre a cadeia de abastecimento.
Apesar do cenário adverso, Marco Faustino encontra alguma margem de manobra. “Com a imposição de tarifas colossais à China, até se tornou mais fácil encontrar novamente matéria-prima nos EUA e a preços, mesmo com a tarifa de 10%, aceitáveis”. Ainda assim, o caminho terá de passar por “diversificação de madeiras, de origens e a entrada em novos clientes e mercados”, como forma de garantir a viabilidade do negócio num contexto cada vez mais volátil.