O relatório preliminar do acidente com a aeronave Sky Ranger, ocorrido na pista da Lagoa de Óbidos a 29 de Agosto, indica que o avião sofreu profundas intervenções, não certificadas, em três áreas principais, todas elas sensíveis no equilíbrio da aeronave.
Este relatório pode ser consultado na Internet (www.gpiaa.gov.pt) e ainda não contém conclusões sobre o acidente.
O documento contém informação provisória e é baseada em factos apurados desde o princípio da investigação, sem a realização de uma análise completa e definitiva.
O director do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA), Fernando Ferreira dos Reis, não quis fazer comentários à Gazeta das Caldas sobre o relatório e salientou que a investigação continua, faltando alguns elementos essenciais, como é o caso da autópsia das vítimas, para despiste de doença súbita de um dos ocupantes.
O acidente
No dia 29 de Agosto de 2009, o ultraleve SkyRanger, que tinha na cauda a matrícula CS-UAE, descolou da pista de Lagoa de Óbidos, cerca das 18h20 horas, com o piloto e um passageiro, proprietário da aeronave, para efectuar um voo local de ensaio.
As testemunhas ouvidas na investigação, que estariam aos hangares, declararam que a aeronave descolou com “flaps down, pouco subiu, calculando a altura acima do solo em 30 metros” e que o motor não emitia o ruído habitual, parecendo não estar a operar no regime de descolagem.
“Pouco depois de passar à vertical do fim da pista, em atitude de nariz em cima, a aeronave baixou a asa direita, iniciando uma volta para esse lado, seguida de imediato de outra pela esquerda e desapareceu de vista atrás de vegetação alta aí existente”, refere o documento.
“Como não reapareceu, as testemunhas deslocaram-se ao final da pista e viram a aeronave imobilizada contra o terreno, na vertical, com a proa apoiada no solo”, é contada na sinopse, concluindo com a referência ao falecimento dos dois ocupantes do ultraleve.
Embora a matrícula inscrita na cauda fosse CS-UAE, testemunhas relataram aos investigadores que esse registo pertencia a outra aeronave, de marca e modelo diferente (Quicksilver Spirit II).
O ultraleve estaria a ser pilotado por um homem de 61 anos, com uma experiência de voo superior a 1500 horas, adquiridas em asa delta. Em ultraleves, a experiência seria de 50 horas de voo.
“Os seus dados como piloto não foram possíveis de compilação pelo facto de ter sido em Espanha que adquiriu a sua licença de voo de ultraleve”, escrevem os investigadores.
Quanto ao proprietário da aeronave, de 64 anos, não tinha qualquer experiência de voo e adquirira a aeronave porque iria inscrever-se num curso de piloto de ULM. “Segundo as testemunhas entrevistadas, não tinha
conhecimentos de mecânica nem de aerodinâmica”, adiantam.
No entanto, esse facto não o impediu “de promover reparações e alterações mecânicas na sua aeronave”.
Aeronave foi modificada
O GPIAA contactou o importador da aeronave que a adquiriu “acidentada em kit” e vendeu-a a uma outra pessoa, que não o terá registado como proprietário. Nessa altura, motor foi alterado para um outro mais potente.
Quando o actual proprietário, e vítima do acidente, a adquiriu também terá instalado um novo motor.
Após a instalação deste, o proprietário do ultraleve terá pedido ao importador que experimentasse o avião.
“A primeira vez, a aeronave mostrou tendência para baixar a proa em voo e, da segunda vez, a tendência inverteu-se e a aeronave passou a mostrar propensão para voar de nariz-em-cima”, contam.
Notando que a aeronave estava a ser alvo de modificações com as quais não
concordava, o importador terá chamado a atenção para a gravidade das acções cometidas e afastou-se do processo, não voltando a aceitar convites para voar a aeronave.
A equipa do GPIAA, na investigação feita aos destroços, já havia detectado algumas divergências em relação aos modelos originais da mesma época.
Nessas modificações foram utilizados acessórios de concepção artesanal, fabricados em material não aprovado pelo fabricante da aeronave ou do motor instalado, “aplicados sem qualquer rigor técnico e planeados sem o juízo crítico que a influência de peso extra na deslocação do centro de gravidade do avião exigia”.
A hélice terá também sofrido alterações que não são aconselhadas pelo fabricante. “Os testemunhos recolhidos referem que o proprietário trocou o hélice que trouxera de França, um Ivoprop de fabrico francês, pelo Warp Drive de construção americana, por se convencer de que a mudança de um tripá para um bipá conferia uma maior potência ao motor”, refere o documento.
Também o sistema original de aceleração do motor, que contemplava a existência de uma única manete de potência colocada entre os assentos para servir os dois ocupantes, foi substituído por uma complexa adaptação de tubos e manetes fixas nas extremidades do tubo principal através de peças de aperto com rosca.
A bateria (que é indicada para motociclos) foi colocada na cauda do avião para resolver a instabilidade da aeronave, depois da montagem do motor no seu berço e o consequente abaixamento da frente para se poder fechar o capot.
“Procedeu- se ao balanço da aeronave amarrando-se, no interior da estrutura do cone de cauda, um garrafão de água de cinco litros. Como o resultado foi satisfatório, o garrafão foi substituído pela bateria”, contam.
O dia do acidente
Segundo o relatório, no dia do acidente foram feitos dois voos e umas corridas ao longo da pista “que o proprietário resolveu fazer aos comandos do avião”.
Numa dessas corridas no solo a aeronave descolou inadvertidamente, tendo o proprietário reduzido de imediato a potência para avião voltar à pista em situação de aterragem dura.
“Os dois voos foram efectuados pelo piloto acidentado. Era a primeira vez que voava o avião e a sua experiência era reduzida em ULM”, refere o relatório.
Após a aterragem do primeiro voo o piloto terá referido a necessidade de se voar a aeronave com o manche à frente, para contrariar a tendência de atitude de nariz-em-cima e a pouca potência evidenciada pelo motor.
Terá sido nessa altura que a hélice foi substituída. “Feita a substituição, o motor foi sujeito a experiências de aceleração em ponto fixo, atingindo o motor as 6400 rpm facilmente. Este feito foi considerado pelos presentes como factor de potência, não tendo sido considerado o poder de tracção”.
No segundo ensaio a avioneta acabaria por cair. As testemunhas que acorreram ao local depararam-se com a aeronave que tinha o nariz cravado no solo e a cauda no ar.
“O passageiro permanecia no seu lugar presos pelo cinto de segurança, sem sinais vitais, e o piloto estava caído a cerca de um metro e meio, debaixo do bordo de ataque da asa esquerda e viria a falecer pouco depois”, indica o relatório, que rejeita uma possível falha do motor.
muito ficou por desvendar.muita coisa que ainda nao faz sentido