O Lombo do Ferreiro, que comercializa e promove a cutelaria local, vai promover, a 23 de Maio, um workshop destinado à realização de uma faca, desde a sua concepção até à arte final. A acção de formação vai ter lugar na oficina do Lombo do Ferreira, na rua 10 de Julho, nº 10, nas Relvas.
O workshop tem início com a explicação teórica sobre a origem da cutelaria. Esta arte teve início na Idade do Ferro, uma das épocas mais revolucionárias da Humanidade, uma vez que este passou a ser utilizado de várias formas: arado, arma, utensílios domésticos e ferraduras, entre outras.
Uma das mais antigas confrarias de que há conhecimento em Portugal é a dos ferreiros e remonta ao ano 1229. O ferro começou também a ser utilizado em objectos de adorno ou até artísticos, mas em Santa Catarina (freguesia caldense) trabalhar este metal passou a ser uma tradição única, que teve na génese a necessidade de arados e outras ferramentas para a agricultura nos Coutos de Alcobaça.
Terá sido essa tradição dos ferreiros que fez com que Santa Catarina se tornasse em tempos a capital da cutelaria, onde os artesãos fabricaram milhares de navalhas e canivetes de forma artesanal.
Noutros locais do país era comum haver um ferreiro em cada aldeia, mas Santa Catarina multiplicou essa tradição por muitos.
Dessas navalhas e desses canivetes, evoluiu-se para o fabrico das facas de cozinha e profissionais nas fábricas da região, que actualmente são responsáveis por centenas de empregos na região. O irmão mais novo do ferreiro é o cutileiro e deste último nasceu uma indústria.
Do workshop faz parte ainda o conhecimento das ferramentas, equipamento de protecção e segurança, preparação de materiais e tipologias de aços.
Os participantes ficarão ainda a conhecer melhor as características do aço e irão aprender técnicas de forja, acabamento da lâmina, colocação do cabo em madeira, recorrendo a diversas ferramentas como bigornas, rebarbadoras, berbequins e martelos, entre outras.
Estes irão ter contacto com tecnologias simples de forja e fabricação de cutelaria, que lhes irão permitir mais tarde ter uma autonomia técnica e criativa para a elaboração dos seus próprios objectos.
A inscrição, no valor de 120 euros, deve ser feita até 18 de Maio, através do email geral@lombodoferreiro.com ou do número de telefone 262-098585 (só será válida após pagamento).
A outra mão
No mundo rural, o canivete era o instrumento mais universal, acompanhando toda a vida quotidiana. Era a terceira mão, tão indispensável como as outras duas. Era tratado com todo o cuidado, evitando-se que fosse atingido pela ferrugem e cuidando do fio de corte, que podia ter falhas ou rombos.
Pouco volume fazia nos bolsos camponeses, onde entrava de manhã, com o lenço e a onça de tabaco para os fumadores.
Havia-os de diversos feitios, mas o canivete de uso mais generalizado tinha a ponta em forma de quatro de círculo.
Com ele se cortava o pão, naquela atitude tão característica do campo ( o naco seguro pela mão esquerda, encostado ao peito, enquanto a direita corta uma fatia com um movimento orientado de fora para dentro), se abria o pepino com dois golpes cruzados pelos quais se deitava o sal grosso. Com eles se cortava a cebola em pequenos gomos e se pegava na sardinha ao lume (entalando a respectiva cabeça entre o polegar e a lâmina do canivete), que era em seguida depositada sobre a fatia de pão ou o prato de folha esmaltado. Com ele, como se fora um garfo, se espetavam as batatas cortadas ao meio e se levavam à boca. Com ele se retalhavam azeitonas e se golpeavam as tiras de toucinho antes de as dispor sobre as brasas de videira. Com ele se aparava a ponta de um graveto com o qual se palitavam os dentes, depois da refeição. Com eles se cortava um ramo excessivo da pequena árvore em crescimento, se apanhava do chão e se descascava um pêro Casanova de Alcobaça, ou uma laranja da Baía. Com ele se limpavam as botas enlameadas e se entalava papel ensebado nas frinchas dos tonéis. Com ele se dava o corte orientador do rasgão que iria ser feito na saca de serapilheira, com ele se dava forma de rolha a um bocado de cortiça. Com ele se cortavam unhas de humanos e se separavam cascos de animais. Com eles se apertava, em caso de necessidade, um parafuso e se desencravava um espinho da palma da mão. Com ele se desenhava no chão um caminho ou uma casa, com ele se assinalava com o nome, ou simplesmente uma cruz, numa superfície acabada de revestir a cimento. Com ele, na hora do descanso, se davam asas à imaginação, escavando pedaços de madeira macia donde sairiam miniaturais maravilhas, ou compondo um pífaro em pau de cana. Com ele se afiavam lápis na escola e abriam cartas e, excepcionalmente, livros. Com ele um homem podia fazer frente a perigos reais ou imaginários. Com ele um homem nunca se sentia só.