Vasco d’Avillez: o Oeste é o centro da cadeia de produção de vinhos de Lisboa

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Vasco d’Avillez, presidente da Comissão Vitivinícola Regional de Lisboa (onde se incluem os vinhos oestinos) elogia a diversidade e a qualidade dos vinhos da região e diz que a Comissão certifica hoje três vezes mais vinho do que há sete anos.
Em 2017 são esperados 46 milhões de litros  produzido na região de Lisboa, vendidos a uma média de dois euros o litro. Mas o potencial de crescimento é enorme, porque a produção que não é certificada é ainda superior – cerca de 54 milhões de litros. O Oeste é o centro da cadeia de produção dos vinhos de Lisboa, com dez concelhos de produção intensa.

 

GAZETA DAS CALDAS: Como descreve os vinhos da região de Lisboa onde se insere a região do Oeste?
VASCO D’AVILLEZ: São vinhos todos diferentes, com óptima qualidade e que estão bem adaptados à comida local. Temos vinhos tintos, brancos e rosés de grande qualidade e temos os vinhos leves, que têm menor acidez (a rondar as 4,5 gramas por litro) e com baixo teor de álcool (entre os 9 e os 10 graus). São característicos da região, devido ao tipo de castas e à proximidade com o mar e a montanha, com uma fita de serra paralela à costa formada por Montejunto e Candeeiros.
É a própria natureza que faz os vinhos assim, diferentes do habitual. E só agora é que estão a ser descobertos pelo mercado, especialmente em termos de exportação.

GC: Como tem sido a evolução na produção da região?
VA: Portugal tinha um grande desconhecimento relativamente aos vinhos de Lisboa e não os tinha em grande consideração. De há sete anos para cá a região tem crescido a uma média de 12% a 13% ao ano.
Produz-se na região 1 milhão de hectolitros (100 milhões de litros) e esse valor tem-se mantido constante, mas temos certificado mais vinho. Há sete anos certificávamos 15 milhões de litros e este ano prevê-se que sejam 46 milhões, entre vinho certificado e DOC.
A região do Alentejo produz o mesmo milhão de hectolitros, mas certifica tudo, o que possibilita uma capacidade de orçamento para marketing maior.

GC: Porque não se certifica mais vinho nesta região? Há falta de qualidade?
VA: Não é pela falta de qualidade porque a maior parte do vinho tem-na para ser certificado. Talvez por alguma inércia.

Exportações valem 70%

GC: Qual o peso das exportações na região?
VA: Setenta por cento da produção é destinada à exportação, sendo os principais mercados a Europa do Norte, que é um mercado de valor que funciona por monopólio. É difícil lá entrar, mas entrando há menos concorrência. Depois é os Estados Unidos da América, muito pelos portugueses que lá vivem, e que tem muito potencial de crescimento. Em seguida diria que o Brasil e depois a Europa Central (Reino Unido, Bélgica e Alemanha, especialmente).

GC: Qual o volume económico do vinho certificado?
VA: Os 50 milhões de litros anuais são vendidos a um preço médio de dois euros por litro, o que corresponde a 100 milhões de euros anuais. Para a região é óptimo, para a economia local é magnífico.

GC: Em termos de postos de trabalho, quantas pessoas envolve o sector na região de Lisboa?
VA: Todo o ano e incluindo o turismo, diria que cerca de 30 mil famílias, ou seja entre 100 a 120 mil pessoas.

GC: Actualmente na região de Lisboa certifica-se mais vinho. Houve uma melhoria na qualidade?
VA: A qualidade tem melhorado pois há cada vez mais profissionais a fazer vinho. Há vários técnicos para controlar a qualidade. Deixou de ser um vinho pouco sofisticado. Hoje é muito melhor que há 15 ou 20 anos e estamos a melhorar imenso. Na região o vinho não é todo igual, há diferenças entre os vinhos de cada sítio.

GC: O mercado do vinho sofreu um forte abalo pelo aumento do consumo de cerveja e bebidas brancas, mas soube reinventar-se e hoje há diversas casas a produzir vinho de qualidade, há turismo ligado ao sector e um público fiel. Qual o caminho a seguir?
VA: A questão do aumento do consumo de cerveja foi há muitos anos. Quando entrámos na UE os nossos vinhos encareceram e a cerveja passou a ser mais consumida. Isso levou os produtores a fazer vinhos de qualidade em grande escala, para poderem ser colocados no copo a um preço competitivo.
Aí, em igualdade de circunstâncias, havia ainda uma diferença: a cerveja era vendida em lata ou copo e o vinho em garrafa. Foi preciso inventar o vinho a copo.
O vinho faz parte da nossa cultura há mais de mil anos e é uma bebida fermentada, que é muito melhor para a saúde que os destilados.
O caminho é manter o binómio preço-qualidade. Além de bom, o vinho deve ser acessível e a região tem-se preocupado muito com isso. Temos vinho branco leve no supermercado a menos de dois euros.

GC: A comunicação é uma das mais fortes apostas da CVR para os vinhos da região. O que está previsto nesse sentido?
VA: Temos uma agência própria, vamos ter outdoors e vamos estar presentes em feiras internacionais porque o grande esforço é a exportação. Vamos estar por exemplo, em Inglaterra, EUA, Brasil ou Angola, que é um mercado fantástico que está um pouco parado por dificuldades económicas de lá. A nossa CVR tem sofrido com isso, mas não tanto como outras.

Oeste tem terrenos privilegiados para vinho

GC: Como descreve os vinhos do Oeste?
VA: A qualidade é óptima! Eu conto sempre que as videiras para darem bom vinho precisam de água e são os terrenos argilosos que aguentam a água. Os antigos, há mil e há 2000 anos, marcavam as terras porque tinham argila, dando-lhes nomes para as gerações vindouras saberem. Um exemplo é o Bombarral.
Mas Caldas da Rainha também tem argila e águas vulcânicas – são tudo terrenos privilegiados para vinho. O Cadaval tem o nevoeiro e a humidade, é o melhor sítio de produção e engarrafamento de vinhos leves. A Adega Cooperativa do Cadaval e a da Vermelha são campeões na produção de vinhos leves.
Alcobaça teve os monges que ensinaram os locais a trabalhar a vinha e a fazer vinho de maneira diferente. Melhoraram muito os vinhos. Entre Alcobaça e Ourém há vinhos históricos feitos de maneira única, com uvas brancas e tintas. São os DOC Encostas d’Aire. As cepas não estão em linha e é tudo apanhado à mão.
Ainda nesta região, que é muito eclética, há o vinho de Colares, que é feito com uvas de videiras que crescem em areia, mas cujas raízes estão em argila, a dois a três metros de profundidade. Dá uns vinhos fantásticos por estar em areia. Há também os vinhos raros de Carcavelos. É um vinho doce, mas muito ácido, nem se percebe a doçura, é óptimo para abrir o apetite ou como digestivo.

GC: Como vê a situação das adegas cooperativas  nos dias de hoje? Conseguem ter um peso significativo num mercado tão concorrencial?
VA: Temos uma quantidade enorme de cooperativas, o que é fantástico. Nas 14 regiões do país cada uma tem no máximo cinco cooperativas. Nós temos 15. Temos cooperativas enormes, com volumes muito grandes e que estão muito próximas entre si. São elementos produtivos que nos são muito queridos e que são óptimas unidades de produção.

“Há gente a tirar pêra rocha para plantar vinha”

GC: O Oeste é uma região que pessoalmente lhe agrada?
VA: Sim, actualmente tenho 70 anos e com apenas dez comecei a ir, através da Mocidade Portuguesa, para a colónia de férias da Areia Branca e apaixonei-me pela região. A minha relação com o Oeste é óptima e com os vinhos do Oeste ainda melhor porque são o centro da nossa cadeia de produção. Os 12 concelhos, excepto Peniche e Nazaré, que têm produções mais pequenas, são de intensa produção de vinho.

GC: Há algo que não tenha sido abordado e que considere importante realçar?
VA: A nossa ligação com a cortiça porque a maior parte dos nossos vinhos usa rolhas de cortiça.
E depois notar uma tendência: nos últimos cinco anos há gente a tirar pêra rocha para colocar vinha. Há 50 anos atrás era ao contrário. Hoje pode-se ir a qualquer lado em Portugal e saber muito do sítio através do vinho porque este foi sendo adaptado e foi-se adaptando à cultura, à gastronomia e às características dos lugares.