Nas Caldas da Rainha houve tourada a 15 de Agosto, como “manda” a tradição, e tal como nos últimos anos, o evento – que os manifestantes apelidam de “tortura” – foi acompanhado de uma manifestação anti-tourada, que se realizou em frente à praça. Gazeta das Caldas conversou com três activistas caldenses, que defendem o fim da tourada por ser um espectáculo do passado, sádico e sem ética. Numa altura em que a causa animal vai ganhando terreno, com legislação aprovada na defesa dos animais de companhia, os seus defensores dizem que é necessário que a sociedade e o poder político deixem de fechar os olhos às atrocidades cometidas na arena.
O que motiva alguém a ser activista contra as touradas? Mónica Correia responde que o primeiro factor é o sofrimento a que os animais são sujeitados na arena. “Na verdade, é um espetáculo medieval de tortura, que não fica longe dos gatos queimados por serem associados às bruxas”, explica.
Mónica Correia acrescenta que o facto de a tourada simbolizar a luta entre o bem e o mal “é prova disso”, mas questiona: “quem é que na arena representa o mal?”.
Fernando Coutinho observa que não são só os direitos dos touros que estão em causa, mas também os dos cavalos, embora estes tenham um grau de sofrimento diferente.
Filipe Maia diz que não tolera a humilhação à qual o animal é exposto, “com sacrifício da sua vida, para gaudio de um público de uma corrente ideológica maioritariamente ligada ao conservadorismo e absolutismo”.
O activista refere que o movimento anti-touradas ganha força à medida que a ciência reconhece “inquestionavelmente” que a maioria dos animais, touros incluídos, experienciam dor, medo, angústia, stress e ansiedade.
Filipe Maia refere que as pessoas que gostam deste espectáculo estão presas a um passado remoto, ignorando que “o progressivo abandono de tradições retrógradas e sangrentas é o que caracteriza a evolução de uma sociedade”.
Outro factor é a exposição de crianças a espectáculos “sádicos e sangrentos” , sustenta Filipe Maia. Hoje o acesso das crianças às touradas continua sem regulação, contra recomendações recentes da ONU. Filipe Maia diz que esta é uma questão fundamental porque “a tolerância para a violência contra animais predispõe para a prática e aceitação da violência entre os homens”.
O movimento anti-tourada assenta ainda noutro argumento, segundo Filipe Maia, relacionado com o dinheiro investido pelo erário público. “Estima-se que números anuais rondem os 16 milhões de euros, canalizados para cerca de 60 praças, com três “espetáculos” anuais”, diz o activista, que vai mais longe: “o remanescente permite manter a elevada qualidade de vida de um pequeno conjunto de famílias de tradição tauromáquica, à custa de todos nós contribuintes, sob o manto da necessidade de consolidar o seu negócio como património nacional”.
Para os activistas, o expectro da extinção do touro bravo não é argumento per si para manter as touradas. Filipe Maia considera que isso é utilizado pelos aficionados para dar uma ideia de respeito pelo animal, quando o valor da vida é apenas material.
A questão que os três activistas colocam é se vale a pena conservar a espécie “apenas para entretenimento, a custo do seu sangue e vida”.
Fernando Moutinho diz mesmo que não existe à nascença o touro de lide, uma vez que este foi moldado pelo homem para a arena. O activista dá o touro Fadjen como exemplo de como o animal é educado para ser agressivo na arena. Fadjen é um touro resgatado por um agricultor francês de uma ganadaria, ainda cria. Foi criado como se fosse um cão e o seu comportamento é dócil e brincalhão.
LOBBY ECONÓMICO
As causas animais têm ganho algum terreno nas instâncias políticas. Na actual legislatura tem sido aprovada regulamentação de proteção para os animais de estimação, e estes deixaram de ter, perante a lei, o mesmo estatuto que os objectos.
Também no caso dos circos, o Estado tem sido mais interventivo na defesa dos direitos dos animais. No entanto, esta é uma realidade que ainda passa ao lado no caso das touradas.
Mónica Correia diz que o problema é a vontade política “pois ainda é uma “tradição” associada ao poderio económico e aos estatutos altos da sociedade”. Filipe Maia diz que esses interesses económicos, “de uma minoria, acabam por se sobrepor aos interesses da maioria”.
O activista acrescenta que há, no entanto, outras batalhas a travar na ressalva dos direitos dos animais, como nos matadouros, na indústria dos lacticínios e na agropecuária. “Existem seres que não chegam a ver a luz do dia, entubados e alimentados artificialmente, sem o mínimo respeito pelo seu direito de existir”, denuncia Filipe Maia. Essas lutas serão mais difíceis de travar, por terem menos visibilidade perante o público, “mas a seu tempo acabarão por ser vencidas”, acredita.
MAIS MANIFESTANTES
Os activistas dizem que seria importante ter mais pessoas a aderirem às manifestações, que actualmente atraem sobretudo jovens e pessoas que lutam a outros níveis para minimizar o sofrimento animal.
É preciso que as manifestações tenham mais expressão. “Quem não gosta de tourada não deve só mudar o canal da televisão”, diz Mónica Correia, que defende até a realização de um referendo a nível nacional.
Filipe Maia diz que a intervenção deveria ser mesmo mais a fundo. “Os valores éticos e morais para com todo e qualquer tipo de vida que connosco partilha o planeta deveriam ser incutidos desde tenra idade”, afirma. Algo que deveria começar no seio familiar e alicerçado ao nível do ensino.
Como tal não se verifica, “torna-se necessária a sensibilização de rua, por parte de activistas e voluntários”, diz Filipe Maia. A manifestação, continua o activista, acaba por funcionar como o braço musculado da sensibilização e há um crescente número de vozes a juntarem-se ao protesto, com a cara descoberta ou anonimamente.
E fazê-lo sob anonimato acaba por ser, muitas vezes, uma forma de defesa, por receio de represálias. Mónica Correia diz que “alguém que é capaz de torturar um animal reflecte uma personalidade agressiva e violenta, que muitas vezes se traduz em falta de respeito por quem manifesta o seu descontentamento”. A activista sublinha que o facto de a tourada ser legal não pode retirar a liberdade de expressão, nem sujeitar quem o faz a violência.
O que não contribui para a causa são ocorrências como a que aconteceu no início de Julho quando a Praça de Touros das Caldas foi grafitada com mensagens anti-tourada. Mónica Correia diz que não se revê neste tipo de comportamento, por se tratar de património edificado e porque quem está de fora não o vê como uma luta pela justiça, mas sim como um acto de vandalismo.