
O Museu Leopoldo de Almeida acolheu, a 21 de Fevereiro, a conversa Duas Doses, em que participaram duas designers: Soraia Teixeira e a caldense Joana Subtil. No evento, promovido pela Associação de Design, Ofícios e Cultura (ADOC), debateu-se o papel das mulheres designers, cujo trabalho não tem tido visibilidade
A húngara Hansi Stael veio trabalhar para a Secla, nas Caldas da Rainha, nos anos 1950. Como directora-artística terá sido uma pedrada no charco em tempos onde as mulheres não era valorizadas. Terá também contribuído para ter ascendido ao cargo o facto de ser estrangeira e ter currículo internacional e, deste modo, passar a ser a responsável pelo desenho e pela inovação estética dos objectos num mundo ainda muito masculino. Mas Hansi Stael foi uma excepção.Soraia Teixeira preocupa-se com o facto de as designers mulheres não terem o devido destaque e o seu trabalho não obter o mesmo reconhecimento e visibilidade dos seus colegas homens.
A designer fez o seu mestrado em design de Produto na ESAD e, em 2015 representou Portugal na categoria de Design de Equipamento, na VII Bienal da Comunidade de Países de Língua Portuguesa em Maputo, Moçambique. Actualmente, trabalha em nome próprio em colaboração com a indústria portuguesa e lecciona disciplinas de projecto enquanto professora assistente convidada na Escola Superior de Media Artes e Design do Politécnico do Porto e no Politécnico do Cávado e do Ave (Barcelos). A convidada da ADOC veio às Caldas para falar sobre um trabalho académico que envolve a pesquisa de designers portuguesas, recuando até períodos antes do 25 de Abril. Ao longo da sua intervenção, deu a conhecer várias designers portuguesas com trabalhos ligados a várias entidades tais como o Movimento Democrático de Mulheres e com o Instituto de Instituto Nacional de Investigação Industrial como Sarah Afonso, Maria Odete Rosário, Maria José Estanco, Clementina Carneiro Moura, Maria Helena Matos ou Alda Rosa. Segundo a palestrante, muitas destas autoras, desconhecidas para a maioria da população, estiveram relacionadas com o design de cerâmica e de vidro.
A autora considera que continua a haver “muita falta de cuidado e um enorme conservadorismo” que desconsidera o trabalho feita por mulheres, algo que considera injusto.
REFÉNS DE UMA HISTÓRIA MAL CONTADA
“Estamos reféns de uma História que está mal contada e que não valorizava o papel das designers. Onde estão a mulheres que se dedicaram ao design? Porque não se divulga o seu trabalho?”, questionou Soraia Gomes que vai dar continuidade à investigação académica sobre as primeiras autoras que se dedicaram ao design em Portugal e que merecem ser conhecidas, assim como os seus trabalhos. Trata-se de uma recolha, feita para um trabalho académico e que, segundo a convidada, terá continuação. “Quero dar continuação a esta pesquisa, pois quero ter um papel activo em relação a esta matéria relacionada com a divulgação do trabalhos das mulheres designers”, disse Soraia Teixeira, que apresentou dados recentes do Observatório do Design Português para afirmar que entre 2002 e 2017 se formaram em Portugal 28 695 designers dos quais 17 949 são mulheres. A docente acrescentou que, em Design de Produto, na mesma época, formaram-se 14 955 alunos e 9342 são mulheres.
A RP DAS CALDAS
A caldense Joana Subtil não pára. A jovem, que estudou na EBI de Santo, formou-se em Design de Equipamento nas Belas Artes de Lisboa e veio ao Duas Doses dar a conhecer o seu percurso. Quando terminou o curso deu nas vistas, tendo sido convidada a realizar o stand que representou a Universidade de Lisboa na Futurália. Depois, foi colaboradora do Studio Astolfi, onde se tornou directora de Arte, durante seis anos, trabalhando na criação de montras e instalações de arte, destacando-se as montras da loja Hermès e intervenções de arte nos vários restaurantes do chef José Avillez. A caldense trabalhou também noutros projectos de outras identidades (Viúva Lamego, Claus Porto, JNCQUOI, Oceanário, Sumol, A Padaria Portuguesa, São Lourenço do Barrocal, Village Underground Lisboa, ETIC e Pau Brasil).
Actualmente Joana Subtil optou por trabalhar como freelancer, tendo no entanto dirigido a criação de stand para a Maison et Objet em Paris (2018) e fez a cenografia e figurinos para o espectáculo da Companhia de Dança de Almada, “P.S. Carmen”, que esteve em digressão pelo país nos últimos dois anos. Estes dois trabalhos foram feitos com marcas e autores caldenses. Na sessão, a designer caldense – que tanto trabalha em intervenções de arte, execução de montras e curadoria de exposições, contou que é “bom sentir que apesar de estar num óptimo estúdio em Lisboa fez sentido arriscar e trabalhar hoje de uma de forma independente”.
A designer de 27 anos é também considerada a RP das Caldas. Ser Relações Públicas da sua terra natal é algo que aprecia dar a conhecer o que de melhor se faz na sua terra. Não são raras as vezes que aplica cerâmica local nos seus trabalhos, nacionais e internacionais, assim como pede a colaboração de autores locais, alguns ligados à ESAD. A designer está envolvida em dois projectos de design de interiores. Um alojamento local nos Açores e também na remodelação da casa dos seus avós nos Vidais. “É desafiante fazer coisas que nunca fiz”, rematou a caldense, que adora dar alma e história aos seus projectos.
ADOC propõe programação regular sobre design e ofícios
A Associação Design Ofícios e Cultura (ADOC) surgiu nas Caldas em 2018, foi formada por um grupo de designers “com vontade de criar uma estrutura capaz de valorizar, promover e divulgar práticas ligadas ao Design, Ofícios e outras acções de enriquecimento cultural”. Após alguns meses de pausa, a ADOC regressou e promete apresentar programação regular onde se incluem conversas com autores e workshops sobre técnicas artisticas e oficinais. Em Março está já programadas várias iniciativas como um atelier aberto que contará com a participação de vários autores como Paulo Neto, Miguel Neto e Paula Violante. No dia 13 será a vez de uma nova conversa com os designer Paulo Sellmayer e Laura Marques. A ADOC está a organizar um leilão de peças de autor que terá lugar na Maga.