O que faz um professor bibliotecário? Que projectos desenvolve com alunos e professores? Estes docentes queixam-se da falta de recursos humanos mas fazem milagres com o intuito de atrair estudantes às suas actividades. Gazeta das Caldas falou com vários professores bibliotecários de diferentes agrupamentos e graus de ensino para melhor conhecer o que os diferencia e em que áreas são feitas as maiores apostas.
As bibliotecas das Caldas trabalham em rede, tal como ficou firmado num protocolo recentemente assinado na Biblioteca Municipal (ver caixa).
Transformar a biblioteca em laboratório
Paulo Sousa é o único professor bibliotecário nas escolas das Caldas. Tem 40 anos, é de Lisboa e é o responsável pela biblioteca da EB de Santo Onofre, onde estudam alunos do 1º ao 3º ciclo. Os estudantes procuram muitas vezes esta biblioteca onde “não há silêncio absoluto”, disse . O espaço tem 65 lugares sentados e, em média, passam por ali diariamente entre os 100 e os 120 alunos.
Além de leituras partilhadas entre turmas e concursos de cultura geral, há uma actividade que se realiza nesta biblioteca que foi galardoada com o prémio “Ideias com Mérito”, atribuído pela rede de Bibliotecas Escolares, que consiste em facultar aos alunos do 1º ciclo um primeiro contacto com as ciências experimentais.
Nesses momentos a biblioteca transforma-se num grande laboratório e é ver as crianças com grande entusiasmo a observar pequenos animais apanhados no recreio ao microscópio.
Com os 5º anos é feita a iniciativa “Blind Date (Encontro às Cegas) com o livro” na qual todos os alunos recebem um livro embrulhado, é-lhes dado tempo para ler e depois fazem um desenho ou um texto sobre a obra. Esta segue para a turma seguinte “garantindo que cada aluno do 5º ano lê pelo menos uma obra fora do contexto de aula”, explica Paulo Sousa.
Outros projectos contam com alguns elementos exteriores à comunidade escolar. “À hora do almoço temos alguns voluntários entre ex-colegas, pais, reformados e amigos, que vêm ler aos alunos”, disse o bibliotecário, explicando que se instalou uma dinâmica familiar que faz com que os alunos mais novos perguntem pelos seus parceiros de leitura.
A escola tem também duas unidades de autistas e são contados contos adaptados para estes alunos.
A escola de Sto. Onofre possui cerca de 8500 livros e segundo Paulo Sousa, além da promoção da leitura de forma geral, a Biblioteca também auxilia na preparação dos estudantes que participam em concursos de leitura e em batalhas da poesia. Do Agrupamento Raul Proença, ainda faz parte a biblioteca da EB do Bairro da Ponte. A cargo deste professor está ainda a dinamização das EB do Parque, do Nadadouro e da Foz do Arelho.
“Sou totalmente favorável à utilização das novas tecnologias”, disse o bibliotecário, contando que têm cinco computadores, um quadro interactivo, uma televisão e 16 tablets. Os equipamentos estão ao dispor dos alunos e há projectos que ainda envolvem a utilização da sala de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) onde há 24 computadores. “Fazemos vários projectos sobre a literacia para os media e de como se faz pesquisa na internet”, disse Paulo Sousa, que primeiro incentiva os alunos a procurar nos livros. O bibliotecário diz que os jogos desempenham um papel importante na aprendizagem e por isso organiza actividades com recurso a jogos pedagógicos on-line ou até usando aplicações informáticas como o Google Earth.
Nesta biblioteca privilegia-se a literatura portuguesa e estrangeira, infanto-juvenil e a BD. Os mais novos também gostam de livros sobre animais e sobre origami, um dos temas mais lidos durante o ano lectivo passado.
Para o professor bibliotecário, o ideal é conseguir transformar a biblioteca em sala de aula, trabalhando em complementaridade com os professores. “Temos que conseguir que se faça aqui parte do processo de aprendizagem, percebendo que se ganha em vir à Biblioteca”, rematou.
“Há dias com 200 alunos na biblioteca”
Cristina Meneses, 51 anos, é a professora bibliotecária da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro. O estabelecimento foi alvo de intervenção por parte do Parque Escolar em 2013. A docente acha que o arquitecto que projectou a biblioteca fez um óptimo trabalho técnico, mas não teve em conta que este equipamento ficava distante das salas de aula. Esse constrangimento tem que ser agora colmatado com propostas interessantes que levem os alunos e professores à biblioteca. Trata-se de uma das maiores bibliotecas escolares que, além de espaços de estudo, tem uma área multimédia e uma sala polivalente. Há dias em que por ali passam 140 alunos, “mas temos picos de 200, que aqui estudam e trabalham”, disse a docente.
Cristina Meneses destaca que esta biblioteca serve toda a comunidade educativa, ou seja, pais, familiares e população caldense também podem frequentá-la no seu horário de funcionamento.
A biblioteca da Rafael Bordalo Pinheiro possui um fundo documental “interessante” relacionado com o tipo de ensino técnico ao qual aquela escola se dedicou antes de se transformar num estabelecimento de ensino regular. “Quem pretender fazer estudo sobre o ensino técnico em Portugal tem um bom manancial de obras sobre isso nesta biblioteca”, comentou a docente.
Cristina Meneses sublinhou ainda que as obras estão todas disponíveis para consulta, ou seja, “acabaram-se os livros em armários fechados das bibliotecas de antigamente”, disse a professora que dá a todas as turmas uma formação sobre a descoberta daquele espaço.
Deste mega-agrupamento ainda fazem parte as bibliotecas das escolas de Alvorninha e de Sta. Catarina. “Articulamos as actividades na medida do possível fazendo circular as propostas pelas diferentes escolas”, disse a docente. Cristina Meneses é defensora do uso das novas tecnologias, mas considera que a maioria dos alunos tem que aprender a pesquisar na internet, algo em que a Biblioteca os pode ajudar.
A escola adquiriu recentemente 15 e-readers (leitor de livros digital) que “devem ser usados em actividades muito orientadas”, disse a bibliotecária, que está curiosa com as possibilidade de utilização destes novos equipamentos.
Além das participações nos programas nacionais, a Biblioteca também é procurada para os alunos que fazem projectos com outros públicos. Há grupos que dramatizam textos e vão dizê-los a alguns lares da cidade. A preparação teve ainda a colaboração do actor José Carlos Faria, do Teatro da Rainha, entidade parceira da escola.
A Secundária Bordalo Pinheiro tem organizado, anualmente, eventos de recriação histórica que acontecem no final do ano lectivo na Praça da Fruta. São eventos onde se recorda a fundação da cidade e a presença de monarcas que tiveram uma acção importante na cidade como foi o caso de D. João V. Este monarca foi recordado na recriação do ano lectivo passado. A biblioteca escolar também se tem aliado a esta realização, auxiliando os participantes a encarnar personagens de outras eras.
A própria biblioteca também revela as mudanças da actualidade. As enciclopédias são hoje quase decorativas dado que as pesquisas são feitas on-line e há novas estantes com os melhores trabalhos dos discentes dos cursos profissionais, que se encontram à disposição para consulta dos alunos.
A grande meta, para a bibliotecária, “é auxiliar a trabalhar o currículo na sala da aula. É esse o grande desafio”. Além do mais, Cristina Meneses acrescenta que este espaço está sempre pronto para ajudar os alunos a prepararem-se para participar nos concursos regionais e nacionais de leitura e de poesia.
Um dia por semana em cada biblioteca
Florbela Matias, 50 anos, é educadora de infância e trabalha na escola sede, na D. João II. Com ela colabora directamente Graça Louro, professora bibliotecária do 1º ciclo. À segunda-feira vai à escola sede para combinar o trabalho com a coordenadora, Filomena Matias, enquanto que à terça-feira vai para a Biblioteca de N. Sra. do Pópulo. À quarta está na Encosta do Sol, à quinta no Avenal e à sexta-feira na escola de Salir de Matos. E ainda têm outros estabelecimentos escolares e jardins de infância os quais é preciso fazer chegar livros.
Há vários anos que o projecto “Os Livros do João”, chega às crianças de Salir do Porto, Chão da Parada, Reguengo da Parada, Campo, Tornada, Casal Celão, Coto e Lagoa Parceira. Trimestralmente, no final de cada período, os colegas trazem os livros que são reorganizados e de novo vão para as mãos as crianças.
Entre “Os livros do João” estão histórias, dicionários de imagens de animais, de plantas, sobre ciências e também biografias juvenis. “Precisávamos de ter mais novas edições”, contaram as duas professoras, acrescentando que quando há verba “compramos e distribuímos por todas as escolas de igual forma”. Tentam também adaptar e levar as actividades aos vários estabelecimentos. A biblioteca organiza a iniciativa “A Família a Ler” onde os familiares das crianças do pré-escolar vão ao jardim para sessões que implicam a leitura. “Vai quem estiver disponível. Podem ser pais, avós ou irmãos e a sessão pode estar relacionada com temas que vão desde o desporto à culinária”, disse Graça Louro.
Com as crianças do 4º ano a bibliotecária organiza sessões em que cada um apresenta um livro que gostou de ler e já lá vão 12 anos “tendo sempre muito sucesso”, disse a bibliotecária, explicando que as crianças vão posteriormente fazer as apresentações às outras turmas da escola.
Na escola sede do agrupamento D. João II há cerca de 1020 alunos, divididos em 41 turmas. Todos os 5º anos são recebidos naquele espaço para acções, não só sobre a biblioteca como sobre alimentação saudável, património e cidadania, organizados por Filomena Matias. A bibliotecária é também responsável pela constituição de kits para cada disciplina. Cada pasta contém os manuais daquele ano lectivo e ainda documentação que os professores da área consideram importantes para os alunos estudarem.
A bibliotecária criou também um manual sobre como fazer trabalhos em vários suportes, desde a cartolina, passando pelo Power Point até ao Prezi.
Para Filomena Matias, as novas tecnologias “são muito boas, mas são difíceis de gerir”. Considera que os alunos são bons nos jogos, nas redes sociais e “no copy-past (copiar-colar)”. Mas quando têm que pesquisar algo em concreto, sentem dificuldades. Além do mais é preciso não esquecer “que a rede wireless da escola não aguenta toda a gente a querer aceder em simultâneo”, disse a bibliotecária. Para esta responsável é preciso saber dosear entre as formas de trabalhar digitais e as tradicionais. “Tudo deve ser q.b.”, disse a docente, conhecida por organizar idas ao teatro, trabalhar com curtas-metragens e fazer exposições relacionando o património nacional com o local.
Para Graça Louro, as novas tecnologias na aprendizagem só devem acontecer a partir do final do 1º ciclo. Fora disso não concorda pois além do problema da segurança, não se justifica em crianças mais novas o uso do computador que lhes corrija os erros. “Nem sempre nem nunca”, disse a docente.
Trazer pais e os avós à escola
Dárida Pardal, 56 anos, é professora do 1º ciclo e há seis anos que é bibliotecária do Agrupamento Raul Proença. Trabalha nas escolas dos Arneiros e de Sto. Onofre tendo sido a responsável por organizar a biblioteca desta última escola há seis anos.
“Fazemos muitas horas do conto e os alunos fazem muitas requisições de livros”, disse a bibliotecária, que se orgulha de ter feito no total (somando as escolas Foz e do Nadadouro) mais de 5000 empréstimos. “Se me pergunta se os alunos os leram todos, se calhar não… mas estes também são para ser sentidos, cheirados e mexidos”, disse a bibliotecária que trabalha com o pré-escolar e 1º ciclo. Na sua opinião, “brincar com as letras, também é ler”.
Sobre o uso das novas tecnologias, Dárida Pardal acha que os computadores devem ser usados como ferramenta pedagógica só a partir do 2º ciclo. Para os mais novos prefere métodos tradicionais, sobretudo quando viu a grande adesão aos jogos manipuláveis que ainda hoje conquistam as crianças daquela escola.
Foi quando teve avarias nos computadores da biblioteca (possui meia dúzia) que foi feito um grande investimento em jogos manipuláveis: no Monopólio, no Quem é Quem ou no Conhecer Portugal e a Europa. “E tem sido um sucesso, com enorme procura e interacção entre eles”, disse.
Nesta escola são mais que muitos os projectos: há oficinas de artes manuais, recebem-se escritores e fazem-se sessões de Filosofia para crianças. Organizam-se também iniciativas que requerem a participação dos familiares dos alunos. Houve, por exemplo, uma dramatização destinada aos avós que foi de tal forma um êxito que “os levei a representar a peça ao lar do Nadadouro”, disse a docente. Dárida Pardal desdobra-se em iniciativas, tendo chamado os pais para dar a conhecer culturas de vários países de onde são originários. “Toda a gente colaborou e vivemos uma verdadeira lição sobre o significado das bandeiras, a roupa ou a gastronomia”, disse a bibliotecária.
Além dos pais virem à escola explicar aos alunos o que fazem nos seus empregos, Dárida Pardal leva sempre os finalistas do 1º ciclo a conhecer o que se faz no Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor. As crianças do 4º ano partilham actividades com os utentes do CEERDL, nesta iniciativa de sensibilização para a deficiência.
Rede de Bibliotecas das Caldas formalizaram protocolo
A 5 de Setembro foi formalizado o protocolo de cooperação da Rede de Bibliotecas das Caldas da Rainha. As 14 bibliotecas caldenses trabalham em rede e é agora possível fazer empréstimos de livros entre si. “Este é sobretudo um momento de chegada”, disse a bibliotecária Aida Reis, que tem o papel de coordenar as bibliotecas que integram a rede.
O protocolo foi assinado na Biblioteca Municipal numa sessão que contou com os vários parceiros da Rede: Câmara das Caldas, agrupamentos de escolas Raul Proença, Rafael Bordalo Pinheiro e D. João II, e o CFAE-Centro Oeste. No evento, onde participaram autarcas, professores-bibliotecários e representantes da rede das bibliotecas escolares, foi também apresentado o portal da Rede de Bibliotecas das Caldas onde está disponível on-line o catálogo de todas as bibliotecas que integram a rede. A sessão foi animada por um momento musical por uma aluna do Conservatório das Caldas. N.N.