
Pianista, professor e compositor
Jazz é sinónimo de liberdade, energia, criatividade – vida! O seu berço é Nova-Orleães nos Estados Unidos. Em 1817 as autoridades locais estabelecem a Congo Square como o local oficial para os escravos dançarem e tocarem a sua música de tradição Africana. Nos campos de algodão, os escravos cantam os Blues, cantos de lamento e trabalho com influência da música africana trazida para aqui pelas primeiras gerações de escravos a chegar à América. Um dos primeiros exemplos do encontro da tradição Africana com a música de tradição Europeia, é o Ragtime. Seguindo o paradigma europeu, o Ragtime era escrito bebendo da tradição Africana a sua riqueza rítmica. A sua principal figura é Scott Joplin, que ficou para a história com o seu “Maple Leaf Rag” de 1899. Outra figura incontornável deste período é o pianista virtuoso Jelly Roll Morton que em 1902 se auto proclama o músico que inventou o Jazz! Nesta altura o cornetista Buddy Bolden ganha a reputação de músico criativo que mistura na sua música elementos dos Blues e do Ragtime, a interacção entre músicos negros e brancos é cada vez maior.
Em 1917 a Original Dixieland Jass Band, um grupo de músicos brancos, grava o primeiro disco de Jazz da história “Livery Stable Blues” tornando-se também o primeiro grupo de Jazz a entrar num filme em “The Good for Nothing”. Por esta altura a Marinha Americana encerra o Storyville de Nova Orleães o que leva muitos músicos de Jazz, como o trombonista Kid Ory e o cornetista King Oliver – futuro mentor de Louis Armstrong – a migrar em busca de trabalho. Em Los Angeles, o grupo de Kid Ory torna-se em 1922 a primeira banda de negros a gravar um disco ao estilo de Nova Orleães. Também por esta altura os pianistas Count Basie e Fats Waller gravam os primeiros discos. Louis Armstrong muda-se para Chicago para integrar a banda de King Oliver, grupo que grava o seu primeiro disco em 1923 com o título “Dippermouth Blues”.
Em Nova Iorke duas das mais importantes figuras do universo das Big Bands dão os seus primeiros passos: Fletcher Henderson estreia a sua orquestra no Clube Alabama e Duke Ellington grava em 1924 o seu primeiro disco como líder dos “Washingtonians”. Neste ano Louis Armstrong muda-se para Nova Yorke para trabalhar na orquestra de Fletcher Henderson à qual se junta também – Coleman Hawkins, que se viria a tornar num dos principais saxofonistas da história do Jazz. Em 1925 Louis Armstrong grava os seus primeiros discos como líder dos “Hot Five”, e segundo a lenda, quando gravava “Heebie Jeebies” o papel onde tinha escrita a letra caiu da estante e para não parar a gravação, Armstrong continuou a cantar como que imitando um instrumento de sopro dando assim origem à técnica do Scat singing. Duke Ellington começa a sua residência no famoso Cotton Club, com uma transmissão semanal para a rádio nacional, a sua exposição foi crescente assim como a sua notoriedade por todo o país. Em 1932 grava “It don’t mean a thing (If it ain’t got that Swing)” a primeira composição jazz a utilizar o termo swing no título. No ano seguinte Ellington e a sua orquestra começam a sua primeira tour europeia.
Em 1934 devido a problemas financeiros, a banda de Fletcher Henderson desmembra-se e Henderson vende os seus arranjos a Benny Goodman, clarinetista e um dos principais nomes da era das BigBands dos anos 30 ficando conhecido para a história como “O Rei do Swing”. Em Paris, o Quinteto do Hot Club de França, com Django Reinhardt na guitarra e o violinista Stephane Grappelli, estreia-se ao vivo na École Normale de Musique de Paris. No ano seguinte, o pianista Count Basie forma o seu grupo “Barons of Swing” e a cantora Ella Fitzgerald grava os seus primeiros discos. Numa altura de segregação racial intensa Benny Goodman começa a gravar com o seu trio que integra o pianista negro Teddy Wilson e o baterista Gene Krupa. Teddy Wilson que integraria também vários discos da cantora Billie Holiday que dava agora os seus primeiros passos. De referir ainda a estreia da ópera “Porgy and Bess” do compositor George Gershwin. Foram anos muito importantes no universo do Swing a era de ouro das Big Bands – Duke Ellington, Count Basie Chick Webb e Glenn Miller são alguns dos nomes incontornáveis desta época. Em 1939 o saxofonista Coleman Hawking grava a sua famosa interpretação de “Body and Soul” que demonstra uma sofisticação tremenda em termos da linguagem utilizada. Por esta altura Charlie Parker – Uma das principais figuras do BeBop – muda-se para Nova York.
A partir de 1940 os músicos das BigBands, sedentos de liberdade para improvisar, que no contexto de uma orquestra de jazz era mais reduzida, reúnem-se em bares onde levam a cabo Jam Sessions pela noite dentro, sessões onde o papel do solista moderno, que demonstra na sua improvisação o eu carácter pessoal e a sua mestria das harmonias e ritmos complexos, está no cerne da prática musical. É aqui que nasce o BeBop música de tempos rápidos para músicos virtuosos, harmonias complexas e ritmos frenéticos, Louis Armstrong chamou-lhe “música chinesa”, incompreensível e sob a qual não se podia dançar. Um dos berços do BeBop é o bar “Minton’s Playhouse” em Nova Iorque onde músicos como o pianista Thelounious Monk, o trompetista Dizzy Gillespie ou o baterista Kenny Clarke tinham presença assídua, com Charlie Parker a aparecer em cena pouco depois.
Em 1945 Charlie Parker grava “Now’s The Time” a sua primeira sessão como líder numa banda que integra o trompetista Miles Davis e o baterista Max Roach. Miles chegara a Nova Iorque no ano anterior para estudar na Julliard mas abandona rapidamente a escola pois encontra aqui um ensino demasiado focado na tradição europeia e Miles decide que pode aprender mais junto de músicos como Charlie Parker ou Dizzy Gillespie. Mais tarde neste mesmo ano Charlie Parker e Dizzy Gillespie atravessam o país para tocar em Los Angeles estabelecendo assim o BeBop como um novo estilo a nível nacional. Dizzy Gillespie seria central também para a integração de ritmos Afro-Cubanos no Jazz como prova disto mesmo o seu disco “Manteca”. Em 1948 Dizzy Gillespie toca no Festival de Nice, em França, trazendo o BeBop para a Europa.
Em 1949 tem início a colaboração entre Miles Davis e o compositor Gil Evans da qual resulta “Birth of the Cool”, disco basilar da corrente Cool Jazz. Esta surge como reacção aos tempos rápidos do BeBop, favorecendo tempo mais relaxados, os timbres são também mais doces por oposição aos gritos lancinantes do BeBop. O foco passa agora para a escrita de arranjos, sendo também incorporados elementos de música clássica também por oposição ao BeBop onde a música vive das capacidades dos solistas. Estas características eram também mais próximas do Jazz praticado a costa Oeste dos Estados Unidos por músicos como o trompetista e cantor Chet Baker, o saxofonista Gerry Mulligan e também Paul Desmond que integraria mais tarde o quarteto do pianista Dave Brubeck, famoso pelo seu êxito “Take Five”. Em 1953 é gravado um disco histórico em Toronto, uma gravação ao vivo do concerto “Jazz at Massey Hall” com o incrível line up: Charlie Parker no saxofone, Dizzy Gillespie no trompete, Bud Powell no piano, Charles Mingus no contrabaixo e Max Roach na bateria.
Em 1954 Art Blakey grava o seu primeiro disco “The Jazz Messengers”, esta formação tornou-se uma verdadeira instituição do chamado Hard Bop, um prolongamento do BeBop, com composições mais sofisticadas harmónica e ritmicamente. Os Jazz Messengers de Art Blakey foram até aos anos 90 um grupo de referencia por onde passaram alguns dos músicos mais importantes da história do Jazz, e estabeleceram de certa forma a definição do que seria o chamado Jazz Mainstream.
Em 1955 morre Charlie Parker, problemas com álcool e toxicodependência levaram à sua morte, o médico que declarou a autópsia estimou que Parker teria entre 50 e 60 anos, na verdade tinha 34. Miles Davis fundava o seu primeiro quinteto com John Coltrane no saxofone, Red Garland no piano, Paul Chambers no contrabaixo e Philly Joe Jones na bateria. Este quinteto é, à semelhança dos Messengers de Art Blakey, marcante para a história do jazz pois cimenta como ninguém a definição tradicional de tocar temas de jazz. Um grupo de estrelas que se tornaram referencias incontornáveis para os músicos de jazz das gerações seguintes. Em 1956 Charlie Mingus grava o seu icónico disco “Pithecanthropus Erectus” onde elementos de improvisação colectiva são explorados. Mingus foi um grande inovador fazendo a ponte entre o Hard Bop e estilos vanguardistas como o Free Jazz que aparecem mais tarde. Em 1957 o saxofonista John Coltrane grava o seu disco “Blue Trane” uma referencia incontornável para qualquer apreciador de Jazz. Em 1958 Miles Davis e Gil Evans voltam a colaborar para recriar a ópera de Gershwin “Porgy and Bess”, e mais tarde “Sketches of Spain” onde Gil Evans realiza uma adaptação brilhante do famoso “Concerto de Aranjuez” de Joaquim Rodrigo, e sob o qual Miles Improvisa misturando elementos de Flamenco com a improvisação Jazz. Esta colaboração foi fundamental para a fundação da Third Stream, termo firmado por Gunther Schuller para descrever música que funde influências da música clássica e Jazz. No ano seguinte Miles grava aquele que viria a ser considerado por muitos como o mais importante disco da história do Jazz – Kind of Blue. Como era seu hábito Miles rodeou-se de um grupo incrível com John Coltrane no saxofone tenor, Cannonball Adderley no saxofone alto, o pianista Bill Evans, Paul Chambers no contrabaixo e na bateria Jimmy Cobb, conta ainda com a participação especial de Wynton Kelly, pianista dotado de uma linguagem sofisticada e fortemente marcada pelos blues. O disco é um marco na história do Jazz, pela sua escrita para três sopros e pela forma como explora novas harmonias modais, Bill Evans tornara-se um dos mais importantes músicos a explorar este tipo de estética o que levou Miles a chamá-lo para o seu grupo. Neste mesmo ano John Coltrane grava “Giant Steps”, disco onde consta o tema homónimo e que marca um importante contributo para a harmonia Jazz – as Coltrane Changes. São uma sequência de harmonias usadas no tema citado e que se tornaram numa das principais técnicas de re-harmonização para o Jazz moderno. Ao mesmo tempo, o saxofonista Ornette Coleman grava “The Shape of Jazz to Come” um dos mais importantes álbuns de Free Jazz, uma estética que favorece a improvisação totalmente livre. Dave Brubeck grava o seu disco mais conhecido “Time Out” onde consta o famoso tema “Take Five” que de certa forma inaugura a exploração de compassos menos comuns na música ocidental. O título é um jogo com a métrica do tema em compassos de cinco tempos, o que até então não era muito comum.
Os anos 60 foram muito importantes para a história do Jazz com várias sub-correntes a emergir. Desde logo a mistura do Jazz com a Bossa Nova do Brasil como testemunha o disco “Desafinado” do saxofonista Stan Getz em parceria com Charlie Byrd e que muita atenção trouxe aos compositores brasileiros como por exemplo Jobim. O pianista Cecil Taylor ganha notoriedade pelo seu estilo de Free Jazz muito radical e veemente. Bill Evans grava o seu icónico “Conversations with Myself” onde, através das modernas técnicas de gravação, Bill Evans toca consigo mesmo gravando um take e depois grava um segundo take que se sobrepõe ao primeiro criando a ilusão de estarmos a ouvir música para dois pianos.
Em 1964 Miles Davis grava “My Funny Valentine” com o seu famoso segundo quinteto, originalmente com o saxofonista George Coleman – substituído depois por Wayne Shorter – no piano, Herbie Hancock, no contrabaixo Ron Carter e na bateria, com apenas 18 anos, Tony Williams. Este grupo é considerado um marco na história do Jazz pela forma como, por influência das liberdades criadas pelo Free Jazz, em tempo real o grupo modificava ritmos, harmonias e ambiências dos tradicionais temas de Jazz. Um disco deste grupo é um tratado de interacção e de criatividade do momento! Ao mesmo tempo John Coltrane grava o seu disco “A Love Supreme” que se torna um sucesso de vendas e é um dos marcos da estética modal desenvolvida por Coltrane até ao fim da vida, um cruzamento do Jazz modal com a filosofia do Free Jazz.
Em 1969 Miles Davis grava Bitches Brew, um disco marcante onde as influências do Rock e do Free Jazz se fazem sentir, Miles substitui o piano acústico pelo Fender Rhodes e pelo Orgão e o contrabaixo pelo baixo eléctrico, trazendo novas sonoridades à banda. Trabalham com ele os pianistas Keith Jarrett e Chick Corea, verdadeiros monstros do piano Jazz contemporâneo, assim como Joe Zawinul que foi dos primeiros músicos a especializar-se no uso de sintetizadores vários, criando uma paleta vasta de timbres imediatamente reconhecível. Em 1971 em parceria com Wayne Shorter, Zawinul forma um dos mais influentes grupos de Jazz de Fusão, os Weather Report. Chick Corea forma igualmente o seu grupo de fusão “Return to Forever” onde predominam sonoridades Rock. Em 1972 o icónico trompetista Lee Morgan, um dos mais influentes trompetista da estética Hard Bop, é assassinado a tiro em palco pela sua mulher! Em 1974 morre Duke Ellington, considerado por muitos o mais importante compositor de Jazz da história, Duke conta com mais de mil composições em seu nome, marcando a estética do Jazz para BigBand para sempre.
Em 1975 o pianista Keith Jarrett, aproveitando uns dias de folga da Tour Europeia com o grupo de Miles Davis decide dar um concerto na Opera de Colónia, na Alemanha. O concerto foi gravado lançado em vinyl no Outono naquele que foi o disco fundador da editora ECM, uma das mais importantes editoras da história do Jazz contemporâneo. O disco tornou-se no mais vendido de sempre, para um trabalho a solo, chegando aos três milhões e meio de vendas. Em 1978 é fundado o Pat Metheny Group que se viria a tornar num dos mais importantes grupos de pop-jazz, e o seu fundador, o guitarrista Pat Metheny uma das principais figuras da guitarra jazz moderna, com a sua linguagem inovadora e técnica virtuosa. Em 1979 o contrabaixista Charles Mingus morre no México.
Nos anos 80 Miles Davis experimenta com sonoridades novas como o Funk e o Rock, como no seu disco “The Man with the Horn”. O pianista Bill Evans morre em Nova Iorque. Estrela emergente, o trompetista Wynton Marsalis com apenas 18 anos grava com os Jazz Messengers de Art Blakey. Wynton faz história ao ganhar um Prémio Grammy na categoria Jazz e outro na categoria de música clássica no mesmo ano. Herbie Hancock chega ao primeiro lugar das tabelas de música pop com o seu hit “Rockit”. Ao mesmo tempo que vários artistas experimentavam com estilos novos da moda, surgiram movimentos revivalistas da tradição como testemunham o trio de Keith Jarrett com Gary Peacock no Contrabaixo e Jack DeJohnette na bateria, ou Wynton Marsallis no disco “Standard Time”.
Os anos 90 começam com a explosiva biografia de Miles Davis, figura central na história do Jazz, Miles é directo e sem papas na língua e a sua biografia é escrita sob a forma de entrevista e na qual Miles testemunha o seu percurso e a sua experiência ao longo de várias décadas como uma das mais importantes figuras do meio. Morreria no ano seguinte na California, o seu ultimo álbum “Doo-Bop” explora elementos de Rap, uma imagem de marca de Miles, a constante experimentação por novas sonoridades e estilos.
Por: Daniel Bernardes
Pianista, professor e compositor