Os festivais têm sido uma peça fundamental na popularização do Jazz, considerando-se pioneiro o realizado em Nice, França, em 1948. Em Portugal, as origens remontam a 1953. Foi, contudo, necessário esperar pelos anos 1970 para, através do Cascais Jazz, surgir um grande festival de âmbito internacional. Se as décadas seguintes testemunharam a descentralização geográfica e um crescimento exponencial, a crise financeira de 2011 fez abrandar o ritmo, mas não impediu o nascimento do Caldas Nice Jazz.
A organização do primeiro festival de Jazz nacional foi mais circunstancial do que programática. No início dos anos 50, o Hot Clube (HCP), ainda a dar os primeiros passos, debatia-se com problemas financeiros. A ampla sede da lisboeta Praça da Alegria (actual clube Fontória) tornara-se demasiado dispendiosa, obrigando Luís Villas-Boas e a sua equipa a mudarem-se para um edifício de renda mais económica. Ironicamente, também os encargos com a sede na Avenida Duque de Loulé se revelaram incomportáveis face às escassas receitas providenciadas pelos pouco mais de 200 sócios.
Foi nesse contexto que em Julho de 1953 o HCP promoveu, no cinema Condes, o I Festival de Música Moderna. Evento modesto, serviu, sobretudo, para reequilibrar as contas do clube. Como tal, Villas-Boas e Augusto Mayer – um importante e empreendedor sócio do HCP – socorreram-se da ‘prata da casa’, nomeadamente o Quinteto do HCP e as orquestras de Mário Simões, José Mesquita, Fernando Albuquerque e Domingos Vilaça.
Quanto à designação do festival, não foi de todo fortuita, mas antes sinal dos tempos. Vivia-se então sob a égide do Estado Novo, cuja organização política e administrativa impôs que o termo Jazz – considerado subversivo – fosse substituído por Música Moderna. Assim sucedeu nas três primeiras edições, realizadas entre 1953 e 1955. Só o evento de 1958, realizado no Cinema Roma, pôde apresentar-se como o que de facto sempre foi: um Festival de Jazz. Nessa edição e na imediatamente anterior, participaram já alguns músicos estrangeiros de passagem por Lisboa, como o pianista Colin Beaton e Alex Williams e a sua orquestra.
Por carência crónica de recursos financeiros ou por ausência de uma estrutura de produção profissional, seguiu-se uma pausa de cerca de sete anos na actividade festivaleira em Portugal. Tal hiato foi interrompido em Abril de 1965 mediante a realização do I Festival de Jazz da Queima das Fitas. Evento de escala reduzida, teve como promotores o Clube de Jazz do Orfeon (CJO) e a Associação Académica de Coimbra (AAC). Dois anos depois, decorreu o 1.º Festival Internacional de Jazz de Coimbra, produto da colaboração entre a Comissão Cultural da Queima das Fitas e o CJO. No palco do Teatro Avenida actuaram, entre outros, Dexter Gordon, Jean Pierre Gebler e o Quinteto do CJO. A segunda e última edição chegou logo em 1968, tendo como atractivo principal a participação do saxofonista Don Byas.
A era Cascais Jazz
Os anos 1970 abriram com o I Festival de Jazz do Porto, organizado por Manuel Guimarães, com o apoio da secção de Jazz da Juventude Musical Portuguesa. Acolheu-o o Liceu Garcia de Orta, em Abril de 1971, mas faltaram-lhe as atracções internacionais.
Três meses depois, Luís Villas-Boas, João Braga e Hugo Lourenço já preparavam o Cascais Jazz, que fora dado como certo em 1966. Nesse ano, alguma imprensa anunciara, de facto, a organização do primeiro Festival Internacional de Jazz da Costa do Sol, com a participação, por exemplo, dos icónicos saxofonistas John Coltrane e Stan Getz.
Não obstante, só em Novembro de 1971 ficaram reunidas as condições para organizar um evento de larga escala, para o que foi providencial a angariação de um patrocinador. O cartaz de luxo do Cascais Jazz, com músicos como Miles Davis, Ornette Coleman, Dexter Gordon e os Giants of Jazz, nos quais se incluíam Dizzy Gillespie e Thelonious Monk, atraiu ao Pavilhão do Dramático cerca de 10 mil espectadores por dia. E nem o episódio Charlie Haden – contrabaixista que protagonizou um momento de oposição política ao regime político vigente, tendo sido detido pela PIDE/DGS – impediu a continuação do festival até 1988. Ao longo das suas 18 edições, actuaram alguns dos maiores nomes da história do Jazz, incluindo, além dos já referidos, Jimmy Smith, Dave Brubeck, Duke Ellington, Sarah Vaughan, Charles Mingus, Sonny Rollins, Betty Carter, Chet Baker e Wynton Marsalis.
Na organização do Cascais Jazz, que morria renascia da incerteza e das cinzas a cada nova edição, revelou-se fundamental, a partir de 1974, a dupla formada por Villas-Boas e Duarte Mendonça. Essa mesma equipa produziu, nos anos 1970 e 1980, os efémeros festivais internacionais de Jazz da Figueira da Foz (1976), Espinho (1977), Algarve (1978) e Lisboa (1985-1987), e também o Jazz num Dia de Verão (1982-1989), evento que Duarte Mendonça metamorfoseou no histórico Estoril Jazz (1990-2015).
No panorama dos festivais de Jazz dos anos 1970, interveio, igualmente, Rui Neves, músico do grupo Plexus, que organizou as primeiras e únicas edições dos vanguardistas e contemporâneos festivais de Jazz de Sintra (1976) e de Setúbal (1979). A norte, decorreu em 1975 e 1977 o Festival Internacional de Jazz de Vila Real, promovido pelo músico e pintor Eurico Gama.
Institucionalização e descentralização
Na institucionalização dos festivais de Jazz, foi pioneiro o Jazz em Agosto, promovido desde 1984 pela Fundação Calouste Gulbenkian. Na sua direcção artística encontrava-se Rui Neves, que a partir de 1987 assumiu também a responsabilidade pelo Jazz na Cidade (1987-1990). Um ano depois, Duarte Mendonça iniciou o Galp Jazz (1988-2004), o primeiro festival português cuja identidade era também a de um patrocinador privado.
Os anos 1990 e 2000 foram de boom. De facto, só na primeira das duas décadas foram criados, praticamente, tantos festivais quanto os iniciados entre os anos 1950 e 1980. Por outro lado, observou-se também um fenómeno de descentralização sustentada. Graças ao crescente investimento do poder local e dos governos regionais, os festivais de Jazz alargaram-se a várias capitais de distrito, e não só, e ainda às regiões autónomas, disseminando-se um pouco por todo o país. Ilustram-no diversos eventos: Festival de Jazz do Porto, Jazz na Praça da Erva (Viana do Castelo), Festival de Jazz do Valado de Frades, Guimarães Jazz, Festival Internacional de Jazz de Loulé, Seixal Jazz, Matosinhos em Jazz, Angra Jazz e Funchal Jazz.
Os efeitos económicos e financeiros da crise internacional de 2008 e a intervenção, em 2011, da denominada Troika, levaram, contudo, ao término ou à interrupção de grande parte dos festivais de Jazz portugueses. Foi nessa difícil conjuntura que emergiu em 2012 o benjamim Caldas Nice Jazz.
Por: João Moreira dos Santos
Investigador e autor do programa radiofónico «Jazz a Dois» (Antena 2).