
Hoje há mais maestros em Portugal que há 25 anos, quando José Ferreira Lobo assumiu a direcção da Orquestra do Norte. São mais do que o número de orquestras e, qualquer dia, mais do que os próprios músicos. Esta foi uma das opiniões partilhadas por José Ferreira Lobo na sessão “21 às 21”, organizada pela Associação MVC – Movimento Viver o Concelho, que se realizou na Biblioteca Municipal no dia 21 de Outubro e teve como tema “Música e Cidadania”.
“Temos muito mais maestros que orquestras e daqui a nada mais maestros que músicos. Mas acabará por haver uma selecção natural”. Esta a resposta de José Ferreira Lobo a uma pergunta do público sobre o boom de maestros em Portugal nos últimos anos.
Na opinião de Ferreira Lobo, todos os músicos que frequentaram o conservatório e depois integram uma orquestra (profissional ou não) são potenciais maestros. “Depois todos nós temos tendência em ter poder sobre alguma coisa e a generalidade dos artistas é dotada de algum egocentrismo, daí que seja natural que o caminho seja chegar a maestro”, explica, realçando que a nova geração de maestros surge também da competição que é alimentada nas escolas de música.
“Enquanto no meu tempo copiava-se porque o colega do lado era generoso, hoje acontece o contrário e promove-se o individualismo”, acrescenta o maestro, que defende que o espírito competitivo impede que os músicos saibam trabalhar em grupo e leva muitos deles à frustração. Na Orquestra do Norte 55% dos músicos são estrangeiros, mas José Ferreira Lobo não aceita currículos de russos com o argumento que os músicos desta nacionalidade não sabem adaptar-se ao trabalho de grupo.
É PRECISO CRIAR PÚBLICOS
Não basta que uma orquestra dê concertos. É preciso que tenha público. Da mesma forma que um vinho só pode ser considerado bom se houver quem o prove e o reconheça como tal.
Para que se criem esses públicos, uma orquestra deve começar por apresentar peças mais facilmente audíveis e só depois passar para composições mais avançadas. “Tal como alguém que experimente o vinho do Porto não deve começar por uma garrafa de 30 anos, mas sim de 10. Só assim será capaz de valorizar a de 30 anos quando provar”, compara José Ferreira Lobo, que desde 1992 dirige a Orquestra do Norte.
Ao fim de 25 anos esta orquestra tem uma média de 50 mil espectadores por ano e criou com a população uma relação de proximidade, conquistando públicos fora dos grandes centros de produção artística.
“A Orquestra do Norte foi crescendo assente em dois pilares fundamentais: o acesso de todos os cidadãos a um bem cultural, mas sobretudo a missão de criar impacto junto das escolas”, explica José Ferreira Lobo, acrescentando que as sete orquestras profissionais que existem no país são (ou deveriam ser) suficientes para dar cobertura a todo o território nacional. O que falta é exigência cívica por parte dos poderes autárquicos, dos cidadãos e das escolas para que estas trabalhem de forma sistematizada.
O maestro salienta também que tão importante como haver bandas filarmónicas ou coros, seria que existisse maior colaboração das orquestras profissionais com estes grupos locais. “Assim seria possível aumentar a exigência, criarem-se novos repertórios e a evolução seria maior, o que acabaria por ser muito mais interessante que um coro passar anos a cantar sempre o mesmo”, realça.
Enquanto a Orquestra do Norte realiza cerca de 150 concertos por ano (metade nas escolas, numa média de dois espectáculos por semana), Ferreira Lobo acusa outras orquestras profissionais, como as Clássicas do Centro e do Sul de não irem às escolas ou actuarem apenas uma vez por semana. “Não podemos esquecer que estes grupos recebem dinheiros públicos, têm estabilidade e os seus instrumentistas recebem salários. É preciso exigir-lhes mais”.
Contudo, Ferreira Lobo critica a forma como muitas vezes se tratam os músicos profissionais, que são rotulados como funcionários públicos – com o típico horário das nove às cinco – quando na realidade estes têm obrigações fora de horas devido aos ensaios e aos espectáculos que normalmente acabam tarde.
José Ferreira Lobo já esteve nas Caldas da Rainha e dirigiu várias óperas no concelho vizinho, em Óbidos. No “21 às 21” recordou um concerto, na Igreja Nª Sra. do Pópulo, cuja ópera, escrita por Persiani no final do século XVIII, foi a primeira peça a ser feita sobre Inês de Castro. O mais irónico, constatou o maestro, é que foi necessário um compositor italiano ter a iniciativa de escrever sobre um tema tão português.