MORTE DE UM PRÍNCIPE

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Já por várias temos feito referencia a textos em que D. João II ou a Rainha D. Leonor de Lencastre são as figuras mencionadas. Todos sabemos que o real casal teve um filho, de seu nome Afonso, falecido em resultado de um desastre no rio Tejo. Mas até agora não tínhamos tido a oportunidade de saber em concreto como ocorreu tal desgraça. Hoje, pelo texto de Garcia de Resende, transcrito por Oliveira Martins na sua obra “Príncipe Perfeito”, vamos conhecer mais em pormenor como se deu tão trágico acontecimento. (Respeitando a grafia transcrita no livro).
«… à tarde el Rey quis ir nadar no tejo, como muytas vezes fazia nos verãoz, apartado com alguns acaytes a elle […] mandou recado ao Príncipe se queria ir com elle, como sempre hia, e nadava, e elle lhe mandou dizer que se achava cansado dos montes do dia passado. […]. Foyse el Rey, e do terreyro de fôra olhou para as janelas da Princeza, e vio o Príncipe e ella estar ambos a hua janella assentados, tirou-lhe o barrete, e eles se levantarão, e lhe fizeram grandes mesuras, e el Rey partio para o Tejo. O Príncipe vendo que el Rey o viera ver à porta, […] pareceo-lhe bem hir com elle, e vestio-se à pressa, e mandou por hûa mula, e vindo já vestido, a mula não era vinda, achou aly hum seu ginete, muyto fermoso e fouueyro, em que então cavalgava o seu estibeiro mór, e por alcançar el Rey cavalgou nelle, e se foy de pressa com poucos que com ele erão, e foi cousa por notar, e de mysterio, que sendo em tempo de tamanhas festas, e tantos brocados, e sedas, o Príncipe sahiu com pelote e tabardob aberto de pano preto, e o cavallo com huns cordões, e topeteira, e nominas de seda preta, que não me lembra que outras taes visse, e hum caparação de veludo preto, que verdadeiramente a diferença do que antes vestia, e então vestio, e como achou o cavallo ataviado, forão muy claros sinais da grande desaventura que lhe ordenada estava: alcançou el Rey, e foy com elle até o Tejo , e costumando nadar sempre quando el Rey nadava, entam o não quis fazer, e começou a passear pello campo, e laçou o ginete por ser de singular rédea, e muyto legeiro, e cometeo a dom Joam de Menezes.
… Deceo-se então o Príncipe para cavalgar na mula que mandara trazer, e em sobindo nella lhe quebrou o loro do estribo, por onde tornor a cavalgar no cavallo, e apertou então com dom Joam que todavia corressem. E dom Joam polla muyta vontade que para isso lhe vio o fez, e o tomou polla mão, e correndo assi ambos a carreyra na força do correr o cavallo do Príncipe cahio, e o levou debaixo de si, onde logo em proviso ficou como morto, sem fala, e sem sentidos.… tomarão logo o Príncipe nos braços, e meterão-no na primeira casa que acharão, que hera um pobre pescador ahy Nalfange, e tanto que a triste e desastrada nova derão a el Rey veyo logo a grande pressa.»
E assim se escreve mais uma página da nossa História…

Isabel Castanheira