Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Oleiros” das Caldas da Rainha

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Os Oleiros
Os elementos do rancho estão agrupados pelas diferentes classes sociais que representam. Existem os noivos, os trabalhadores agrícolas, domingueiros ricos, os pobres e os remediados | Beatriz Raposo

“Numa aldeia as pessoas aderem mais ao convívio. Não sentimos tanto esse apoio na cidade”

 

São actualmente o único rancho da cidade das Caldas da Rainha e fazem parte da Associação Cultural, Desportiva e Recreativa do Arneirense. Apresentam-se em palco como “Os Oleiros”, num tributo à tradição do barro que caracteriza a história caldense. Surgiram em 1986, inicialmente como um grupo de marchas populares, mas, no ano seguinte, já se assumiram como sendo um rancho folclórico.
Hoje, são cerca de 60 elementos os que compõem este grupo que desde 2012 que pertence à Federação do Folclore Português.

 

 

David Luís tem apenas um ano e meio mas já anda sozinho para todo o lado. Veste umas jardineiras, uma camisa de quadrados e na cabeça tem posto um barrete. Pode-se considerar que é o elemento mais novo do Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Oleiros” pois já contribui como figurante na representação do grupo. Em casa, quando está de birra, são os vídeos de actuações do rancho que o deixam mais bem disposto e os pais garantem que também foi o convívio desde bebé com o grupo (que tem pessoas de diferentes idades) que o fez integrar-se tão bem na creche.
“Ele praticamente nasceu aqui, porque eu dancei até às 30 semanas de gravidez”, conta Sílvia Nobre, para quem o rancho tem um significado ainda mais especial pois foi nos Oleiros que conheceu o seu marido, Luís Luís. Este pertencia há dois anos ao grupo quando Sílvia resolveu entrar, após ter sido incentivada num almoço do Dia da Mulher que se realizou na colectividade. O casal já se conhecia de vista, mas foi nos ensaios do rancho que ganhou confiança, não fosse a ensaiadora juntá-los como par. Ao todo já se passaram 10 anos e Luís tem agora o passo mais leve. “Também não é difícil, tendo em conta que eu era um pé de chumbo…!”, diz o mecânico, que é a prova viva de como alguém que não sabe minimamente dançar consegue aprender os movimentos do folclore. Para a ensaiadora Cláudia Estevão, que chegou a treiná-lo duas vezes por semana, “às vezes até é melhor que as pessoas venham para o grupo a saberem pouco, porque assim também não trazem vícios”.
Um dos conselhos que Cláudia dá sempre aos casais que integram o grupo é que saibam separar o conceito de “par no rancho” de “par na vida real”. Nem sempre é fácil, mas na maioria das vezes Sílvia e Luís conseguem que os problemas familiares não afectem a sua postura no grupo. “Ajuda o facto de haver músicas em que trocamos de par, porque o ideal é estarmos habituados a dançar com todos, para não nos apegarmos demasiado”, diz Luís Luís, realçando que ganhou no rancho duas novas famílias.

“O RANCHO NÃO É UMA PAROLICE”

Os ensaios estão marcados para sexta-feira às 22h00, mas há quem chegue mais cedo para beber um café no bar do Arneirense. Mesmo com actuações ao fim-de-semana, Cláudia Estevão não abdica de reunir o grupo para praticar.
“Tenho um pequeno defeito, sou um tanto perfeccionista. Por isso, posso passar uma noite a ensaiar apenas uma música pois não salto para a seguinte enquanto a coreografia da anterior não estiver a 100%”, conta a ensaiadora, que desde 2005 assume esta responsabilidade. Curioso é que quando integrou o rancho, em 1998, Cláudia sabia mas não gostava de dançar. Mesmo em pequena, quando acompanhava o pai Arlindo Estevão às actuações, dizia-se apenas figurante e só se rendeu à dança aquando da mudança dos trajes, em 1999.
“Na altura era daquelas miúdas que baixava a cabeça quando alguém falava do rancho, tinha alguma vergonha…”, revela, acrescentando que a maioria das pessoas que não tem ligação ao folclore tem uma ideia errada sobre os ranchos. “Acham que isto é uma parolice, uma piroseira, que apenas cantamos o Malhão e andamos aos saltinhos… às vezes até se assustam quando ouvem a palavra ‘rancho’ e são poucos os que vêm por iniciativa própria”, refere Cláudia, que realça que no caso dos Oleiros o grupo se tem mantido mais ou menos com o mesmo número de elementos – 60 pessoas – porque são raros os que saem e alguns vêm puxados pelos amigos ou pela família.
Por pertencer a uma associação sediada na cidade, o rancho sente que não consegue estabelecer a mesma relação de proximidade com a população que os grupos das freguesias rurais estabelecem. Não é que isso seja um obstáculo para o bem-estar dos seus elementos, “mas gostávamos de ter o apoio e o carinho que outros têm nas aldeias, onde as pessoas aderem mais a este tipo de convívio e o valorizam de forma diferente”, afirma Cláudia Estevão.
Um dos segredos para manter motivadas as pessoas da casa é diversificar os ensaios. É raro que todos os elementos compareçam todas as sextas-feiras (principalmente durante o Inverno), mas é preciso cativar quem vai aparecendo. Não se podem apenas praticar as danças (Passe Catre, Fandango Estremenho, Moda de Dois Passos, Verde Gaio e os Viras são alguns exemplos), pois também é necessário treinar as vozes de quem canta e afinar os instrumentos que integram a tocata.
Há inclusive ensaios teóricos, em que Cláudia explica o significado de cada traje e contextualiza a época que o grupo representa, assim como momentos “para descomprimir e brincar”, quando a ensaiadora desafia os dançarinos a bailarem de olhos vendados. Mas quando Cláudia faz soar o apito é mau sinal.
As únicas alturas em que o rancho não ensaia é durante o período das Tasquinhas (Expotur), na Passagem de Ano e no Carnaval. Desde Abril que têm tido a agenda cheia – ainda só pararam dois fins-de-semana – actuando em festivais, festas e hotéis da região para estrangeiros.

DE MARCHA A RANCHO FEDERADO

António Ribeiro, 68 anos, foi o fundador dos Oleiros. Nunca dançou e apenas integrou a tocata nas vezes em que foi preciso substituir um elemento, mas o gosto pela cultura do folclore levou-o a criar o grupo. Não começaram por ser um rancho, mas sim um conjunto de jovens que representava o seu restaurante – O Lavrador – nas marchas populares e no Carnaval. As raparigas exibiam saias curtas vermelhas, camisas e meias brancas, e um avental preto. Os rapazes dançavam de calça preta e camisa branca. Todos de igual.
Em 1987 o grupo adopta o formato de rancho e a designação actual. Na altura pertencia ao Centro Cultural e Recreativo do Bairro dos Arneiros, associação que em 1989 se fundiu com o Atlético Clube Arneirense para formarem a ACDR Arneirense.
“Ao início éramos muito poucos, chegámos a ser só quatro pares e o primeiro convite que tivemos para actuar foi no Chão da Parada, ainda nem éramos bem um rancho”, recorda António Ribeiro, que por várias vezes chegou a assumir o papel de apresentador do grupo. “Confesso que me emociono sempre que uso da palavra porque sou um verdadeiro fã do folclore e acho que este património é importantíssimo para não se perderem as raízes que nos ligam aos nossos antepassados”, acrescenta.
Os actuais trajes dos Oleiros foram adoptados em 1999, após um longo período de recolha de informação, orientada pelo falecido Arlindo Estevão com a ajuda de outros elementos, que muitas horas passaram a pesquisar em bibliotecas. Reuniram fotocópias com fotografias de como eram as vestes típicas da Alta Estremadura na década de 40 e levaram-nas a uma costureira que elaborou os trajes um por um. Um património que agora pertence ao rancho e o enriquece, uma vez que cada conjunto está avaliado em cerca de 500 euros. Do grupo fazem parte os noivos, os trabalhadores agrícolas, os domingueiros ricos, os pobres e os remediados.
“Vestir o traje é uma responsabilidade e implica o assumir de uma postura. Não há cá meios trajados”, refere Cláudia Estevão, salientando que o rigor e o detalhe são duas grandes exigências, principalmente a partir do momento em que o rancho passou a ser membro da Federação do Folclore Português.
Desde 2012 que o grupo é avaliado todos os anos por um especialista que averigua se os Oleiros cumprem ou não os requisitos. Não exibir piercings ou tatuagens, não utilizar maquilhagem, usar apenas brincos de ouro, manter o traje limpo, os lenços e os barretes nas cabeças, assim como as camisas bem apertadas são algumas das exigências básicas. As mulheres também não podem beber álcool enquanto estão trajadas. Por outro lado, o conjunto de utensílios e objectos que o rancho possui também contribui para a recriação etnográfica do grupo.
Às vezes, mais do que bem dançar, a Federação valoriza a qualidade da representação do rancho. No caso dos Oleiros, por exemplo, no início de cada actuação simulam os bailes de antigamente, em que eram os rapazes que convidavam as raparigas para dançar, e até encenam uma disputa entre dois homens pela mesma mulher. Só depois se iniciam as danças.

 

31 anos de história…

1986: É criado um grupo de jovens para representar o restaurante “O Lavrador” nas marchas populares
1987: Surge oficialmente o rancho com a designação Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Oleiros” de Caldas da Rainha; Organização do primeiro festival de folclore
1999: Adopção dos trajes actuais, que representam a população da Alta Estremadura nos anos 40 do século XX
2012: O rancho torna-se membro da Federação do Folclore Português