Investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Yale nos Estados Unidos, Patrícia Silva tem novos desafios, como o uso de inteligência artificial
Aos 15 anos assistiu ao filme “Uma verdade inconveniente” que a alertou para as alterações climáticas. Lembra-se de pensar “como é que não está toda a gente a falar nisto?” e, na sua inocência, enviou uma carta ao então primeiro-ministro, José Sócrates, a pedir mais ação no combate às alterações climáticas. Foi nessa altura que Patrícia Silva decidiu que queria dedicar a sua formação, e mais tarde carreira, ao estudo e comunicação deste tema. “Este é, para mim, um dos maiores desafios que a humanidade tem à sua frente”, conta a jovem, atualmente com 31 anos, que é investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Yale nos Estados Unidos.
Natural de Peniche, Patrícia Silva veio viver para as Caldas com dois anos (e por isso se considera caldense) e permaneceu na cidade até aos 30, com alguns períodos de estadia no estrangeiro pelo meio. Depois da Escola Básica do Bairro dos Arneiros, estudou na Escola Básica D. João II do 5º ao 6ºano, prosseguindo estudos na Escola Secundária Raul Proença até ao 12ºano. Seguiu depois para Lisboa, onde tirou o Mestrado Integrado em Engenharia da Energia e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Decidida a seguir a carreira académica, fez um doutoramento em regime de cotutela na FCUL e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), obtendo dois doutoramentos, um em Ciências Geofísicas e da Geoinformação (pela FCUL) e outro em Meteorologia pela UFRJ. Encontra-se agora nos Estados Unidos como investigadora de pós-doutoramento.
“Tem sido um percurso desafiante, mas muito enriquecedor”, conta Patrícia Silva, que teve a “sorte” de ter oportunidades que lhe permitiram aprender e evoluir, tanto profissional como pessoalmente. “Durante o mestrado fiz uma mobilidade (ao abrigo do programa Erasmus) na Universidade de Groningen, na Holanda, e fui depois convidada a voltar para desenvolver um projeto sobre emissões poluentes de gases com efeito de estufa”, exemplifica. Já durante o doutoramento foi representar o instituto onde estudava na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, e foi ainda convidada a participar na escrita do relatório “Spreading like Wildfire: The Rising Threat of Extraordinary Landscape Fires” do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Aquando das suas visitas ao Brasil, pôde assistir a queimas prescritas (um método de gestão da paisagem e de combustível que previne fogos descontrolados), o que lhe permitiu ver, na prática, conceitos que só conhecia na teoria. Agora, como investigadora em Yale, tem novos desafios, como o uso de inteligência artificial. “Isto é o que mais gosto na academia, é que estamos sempre num processo contínuo de aprendizagem e de testar os limites do conhecimento”, refere à Gazeta das Caldas.
Tese de doutoramento ganhou dois prémios
Para a sua tese” Climate and vegetation dynamics and its impact on present and future fire regimes in Brazil”. Patrícia Silva estudou a ocorrência de incêndios na savana brasileira, o Cerrado, e nas áreas alagadas do Pantanal, e quais os seus fatores influenciadores (tanto climáticos como antropogénicos). “Nós tendemos a pensar no fogo como algo destrutivo que tem sempre (e só) consequências negativas para a paisagem, mas a verdade é que há ecossistemas que dependem da ocorrência de fogo, onde as espécies nativas não só coexistem com esta perturbação como necessitam dela para prosperar. Este é o caso do Cerrado e Pantanal, o que torna o estudo de incêndios nestes biomas complexo e desafiante”, explica.
Esta tese de doutoramento foi recentemente reconhecida com dois prémios. O primeiro, pela Associação Portuguesa de Meteorologia e Geofísica, de “ Melhor Tese de Doutoramento em Meteorologia 2025 “. O segundo, o Prémio FCiências.ID na área de Ciências da Terra, que visa premiar as teses de doutoramento de excelência comprovada da FCUL. Um reconhecimento que deixa a investigadora caldense “muito feliz e honrada”, pois foram o culminar de cinco anos de trabalho. Simultaneamente, Patrícia Silva sente uma “responsabilidade aumentada e um compromisso redobrado com o avanço científico destas temáticas, numa altura crítica em que este conhecimento tem de ser traduzido em ação”, salienta.
Durante o doutoramento, a jovem investigadora focou-se na dinâmica do fogo, e sua interação com clima e humanos, no Cerrado e Pantanal. Agora, no âmbito do pós-doutoramento em Yale, virou a sua atenção para a Amazónia e está a tentar perceber quais os controlos climáticos dos fogos extremos que assolam o bioma. Ao contrário do Cerrado e Pantanal, o fogo não é natural na floresta tropical, “tendo um impacto muito negativo”. Patrícia Silva está “interessada em perceber se há limites de, por exemplo, temperatura e chuva, a partir dos quais os incêndios na Amazónia se tornam catastróficos”. Ao sabê-lo, poderão “analisar como estes limites climáticos se comportaram no passado, e como se irão comportar no futuro em diversos cenários de alterações climáticas”.
Patrícia Silva realça que é muito importante que a sua investigação não fique só no papel. Tem comunicado, “com frequência, com gestores e órgãos governamentais no Brasil para melhor adequar a investigação às necessidades em campo e para a tomada de decisão”, explica. E exemplifica: o seu atual trabalho poderá informar os bombeiros e “brigadistas” da probabilidade de um fogo se tornar extremo, o que irá auxiliar na alocação de recursos de combate e na priorização de eventos.
A investigadora conta ficar nos Estados Unidos mais um a dois anos, pelo menos. Conta que gostaria de voltar a Portugal, mas reconhece que a carreira académica é difícil. “Requer mobilidade e flexibilidade, num ambiente extremamente competitivo, com oportunidades limitadas e condições pouco atrativas”, considera, acrescentando que, nesta altura de “grande incerteza” no país em que se encontra, prefere “deixar o futuro em aberto”.