
Devíamos prestar atenção à história do catraio que, desejoso de dar nas vistas, se lembrou de lançar pedras para um lago, arremessando-as contra patos, peixes e demais criaturas que fizessem vida naquelas águas. Quando já não tinha alvos para espantar, passou a trazer quatro pedras na mão com as quais respondia a quem se lhe atravessasse no caminho. Havia quem lhe achasse graça, há sempre quem se entusiasme com o mau feitio dos outros. Desde que não nos atinja, a gente tende a fascinar-se com tudo quanto afronte a ordem instalada.
Ao reparar nos círculos formados pelas pedras que acertavam nas águas, o rapaz foi assaltado por um desígnio. Quanto mais pesada era a pedra, mais forte o impacto e maiores as ondas e mais largos o diâmetro, o perímetro e o raio dos círculos. Ninguém precisa de estudar Isaac Newton para entender estas coisas, basta observar uma pedra a cair na água.
Foi então que o rapaz ouviu falar de uns rochedos romanos, tão bons para construir pontes como muros. Ultimamente eram mais muros. O rapaz tratou de contactar com um romano dessas terras, pedindo-lhe que lhe enviasse alguns pedregulhos com que pudesse formar ondas maiores no lago que tomara por seu. Assim que a remessa chegou, ele largou pedra sobre pedra no lago, formando ondas cada vez maiores. Ao mesmo tempo que as ondas cresciam, também dentro de si medrava uma ambição sem mesura.
Lembrou-se dos penedos que vira em tempos num western. Toca de contactar produtores de filmes de cowboys, que, não por acaso, gozavam de enorme popularidade num país onde há muitos calhaus. Foi de lá que chegaram toneladas de formações rochosas que mantiveram o rapaz entretido com os seus círculos, com as suas ondas, com os seus anéis e as suas alianças. Às tantas, o lago desaparecera dando lugar a um montão de pedras, pedregulhos e calhaus. O rapaz havia conseguido transformar um lago com peixinhos, patos e cisnes num amontoado disforme de rebos.
Insatisfeito com a obra, e ouvindo dizer que a fé move montanhas, não perdeu tempo. Abriu as páginas centrais do seu jornal predilecto e procurou apoio entre inúmeros anúncios de bruxos e de profetas. Não demorou que ligasse a um deles, um tal que andava por terras de Vera Cruz a evangelizar indígenas com políticas de floresta queimada.
— Tenho saudades das minhas ondas —, explicou o rapaz ao salvador da pátria. Como posso eu mover esta pilha de calhaus?
— Eu sou Messias, mas não faço milagres —, respondeu-lhe este, para gáudio de ambos e pasmo dos demais.
Namorados
À volta do coreto
há quatro bancos de madeira
onde é costume sentarem-se
reformados, estudantes, desempregados,
e de quando em vez um casal de namorados.
Há patos sobre a relva
a debicar sementes e insectos.
Os pombos também descem à terra,
e não é de todo raro alguns deles
aterrarem no coreto —
para gáudio de estudantes, reformados
e de quando em vez um casal de namorados.

Na esplanada defronte passa o dia
um homem cheio de mistérios.
Abre um caderno e garatuja desenhos
que ninguém vê nem sequer supõe,
por vezes escreve, outas vezes lê,
observando estudantes, desempregados
e de quando em vez um casal de namorados.
A quem passa atribui cores,
a quem fica tenta, por comparação,
dar o nome de certas flores.
Só ele sabe o sentido e o significado
das associações efectuadas,
só ele poderia explicar por que são
cactos os desempregados,
gerânios os reformados
e roseirais os casais de namorados.
Que flor seria ele se a si mesmo nomeasse?
Talvez um cravo ou uma begónia,
quem sabe orquídea ou narciso.
Entendesse eu de flores, ocupar-me-ia
do assunto e resolveria o problema.
Mas para mim até no parque
as pessoas parecem todas o mesmo,
árvores frágeis, bonsais,
sejam reformados, estudantes, desempregados,
ou até mesmo casais de namorados.
Henrique Manuel Bento Fialho