Eu estou a ver-me, embora à distância reconheça e também não reconheça aquela pessoa. 14 anos, uma timidez quase doentia e obviamente feia (era o que eu achava).
Não me lembro quantos metros iam da porta de casa até à caixa do correio junto ao portão mas eram alguns. Dava para pensar num assunto ou até em vários. Era quinta-feira. Eu ia a pensar se por acaso a “Gazeta” tinha chegado à caixa do correio e se, por acaso… não, não iria acontecer. Não era possível que acontecesse. Talvez noutra altura. Isto era o que eu pensava até abrir a porta da caixa do correio e começar a folhear a Gazeta. “Eles” tinham publicado. O meu nome estava lá. A-na Sá Lo-pes. Tinha sido eu a escrever aquilo. Li outra vez o nome, soletrei-o. Era o meu, tipografado. Se a felicidade se transformasse numa coisa sólida, tinha-me caído da mão e talvez partido o pé. Eu tinha mandado o texto para a Gazeta, mas não estava à espera que o publicassem logo – ou sequer publicassem. Foi por essa altura que comecei a querer ser jornalista embora esse texto não fosse jornalístico, mas sim uma tentativa ingénua de ficção. Nunca guardei nada do que escrevi, nem esse. Não tenho esse primeiro texto impresso e tenho pena. Ou era um “conto de Natal” ou alguma coisa sobre o 25 de Abril. Se não me lembro do que escrevi, tenho com absoluta nitidez a memória daquela alegria desatinada, uma euforia. Foi um dos momentos da vida em que me senti absolutamente feliz.
Uns tempos mais tarde (dois anos talvez), no Parque – acho que foi durante uma das “feiras”, ou a dos Frutos ou a da Cerâmica – o Paulo Vaz e o Manuel Brandão vieram falar comigo. Se eu queria começar a escrever no “Espaço Reflexão” que, na altura, ocupava a última página da Gazeta. Se queria. Não queria eu outra coisa. E outra vez aquela euforia a subir. Por essa altura, eu já sabia que queria ser jornalista. Não sabia era como fazer. A Gazeta mais uma vez dava-me uma oportunidade. Ir à Gazeta, à redacção que ainda tinha a velha máquina de tipografia – e aquele magnífico cheiro – passou a ser um ritual maravilhoso. Foi por essa altura que conheci o Carlos Cipriano que veio depois ser director-adjunto desta casa durante muitos e muitos anos. Escrevíamos em velhas máquinas. Mas também discutíamos política, música, livros. Havia muitos livros na Cooperativa Editorial Caldense e também discos. Estou a ver os discos do Grupo de Acção Cultural, o GAC, de que o José Mário Branco fez parte.
O meu passado está ligado à Gazeta, de uma maneira assim indissolúvel.