Municípios explicam porque estão contra a privatização da Valorsul

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Gazeta das Caldas

DSC01236Caldas da Rainha e Óbidos – tal como Alcobaça, Bombarral e Rio Maior – não se solidarizaram com uma carta que vai ser entregue por 14 dos 19 concelhos servidos pela Valorsul e que reclamam contra a privatização desta empresa. O documento expressa porque razões esses concelhos são contra a venda da empresa multimunicipal responsável pela recolha e tratamento de resíduos urbanos do Oeste e do distrito de Lisboa, acreditando que ainda é possível travá-la.
Tinta Ferreira disse à Gazeta das Caldas que a câmara das Caldas, à qual preside, não tem uma posição positiva nem negativa relativamente ao processo de privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), que detém 51% do capital da Valorsul e de outras 10 empresas de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos. “É uma matéria que não nos perturba desde que sejam garantidas as condições que hoje existem, ou melhores”, referiu.
O edil argumenta que esta é uma questão “da competência do governo” e que em muitos países da Europa e da América do Norte “esse tipo de trabalho é feito por privados”, pelo que não vê motivo para que não o seja em Portugal.
O importante é que “haja um cumprimento das regras, do que está acordado e que os direitos da população e dos municípios não sejam prejudicados”, continuou.
Tinta Ferreira lembrou que nas Caldas a recolha do lixo indiferenciado é feita pela própria autarquia e que apenas o lixo reciclável é da responsabilidade da Valorsul, “e a estimativa que existe é que até se pague menos pela recolha do lixo”.
O facto da câmara das Calda não cobrar pela recolha do lixo aos munícipes também contribui para que a autarquia caldense não conteste nem defenda o processo de privatização. Questão que seria bem diferente caso se tratasse da privatização do sector das águas.

Óbidos critica aproveitamento politico  

Já a razão da Câmara de Óbidos para não subscrever a missiva é bem diferente da das Caldas. Humberto Marques, presidente da autarquia obidense, diz que concorda com a contestação à privatização, mas não com esta carta.
“Fazemos sentir a nossa posição a quem compete (o ministro e a EGF sabem qual é), mas não entramos numa campanha política em praça pública tendo em conta o calendário eleitoral”, disse à Gazeta das Caldas.
De resto, Humberto Marques recordou que existe um histórico neste processo que remonta à fusão da Resioeste com a Valorsul e que atravessou vários governos de vários partidos. E que, já nessa altura, a câmara de Óbidos defendeu que não se devia criar um mercado exclusivo.
“Se outros concelhos tivessem seguido a nossa posição nessa atura podíamos ter uma solução no Oeste”, sublinhou.
Humberto Marques afirma que nada tem contra as empresas privadas, que até “fazem bem a sua gestão, mas existem matérias nucleares que são papel do Estado e a recolha e tratamento dos resíduos urbanos é uma delas”.
O edil acrescenta que nem é contra a privatização desde que se continue com um conjunto de políticas ambientais, de separação dos lixos, de cumprimento de metas e que sejam cumpridos os valores das tarifas que têm sido praticados. Contudo esta é uma garantia que “não pode ser dada só pela entidade reguladora”.
O que não é correcto “é pagar uma factura não tendo alternativas, porque há um privado que faz o que entende”, realça.
Gazeta das Caldas tentou recolher as posições das autarquias de Alcobaça, Bombarral e Rio Maior, mas as respostas não chegaram até ao fecho da edição.

Valorsul “é bem gerida e eficiente”

O documento que vai chegar às caixas de correio dos munícipes de 14 concelhos do Oeste e Lisboa diz que não existem razões que justifiquem a decisão do governo de privatizar a empresa responsável pela recolha, transporte, tratamento e valorização dos resíduos urbanos.
As câmaras contestarárias argumentam que a Valorsul é “bem gerida, de comprovada eficácia e eficiência e bom desempenho ambiental e financeiro”, que esta privatização terá impacto na factura de tratamento de resíduos dos munícipes e que traz preocupações em relação ao futuro desempenho ambiental e social da empresa.
Os 14 municípios (só não subscrevem o documento cinco das seis câmaras que são geridos pelos partidos do Governo) referem que a alienação da Valorsul “é negativa para o País, tendo inclusive a Autoridade da Concorrência apontado “sérias dúvidas” relativamente a este processo, o que a levou mesmo a abrir uma “investigação aprofundada””.
Caso o Governo não recue na privatização da EGF, os municípios pretendem que sejam criadas condições para que passem a deter a maioria do capital da empresa, tornando-se estes accionistas maioritários.
O documento vai circular nos concelhos de Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, Lisboa, Loures (que Fernando Costa, ex-presidente da Câmara das Caldas, representa na administração da Valorsul), Lourinhã, Nazaré, Odivelas, Peniche, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira.

Um processo longo

O braço de ferro entre Governo e os municípios da Valorsul tem cerca de um ano, quando o Governo anunciou a privatização da EGF. A proposta vencedora, do consórcio SUMA liderado pela Mota Engil para a aquisição de 95% do capital por 149,9 milhões de euros e assumindo a dívida de 214 milhões de euros, foi anunciada em Setembro do ano passado.
Desde o anúncio do Governo os municípios têm desenvolvido esforços para travar a privatização, tanto pela via política junto do executivo – que se têm revelado infrutíferas –, como pela via judicial.
Perante a irredutibilidade do Governo, vários concelhos deram a 4 de Março entrada de um processo na Secção de Comércio da Comarca de Lisboa que visa a exclusão da EGF como sócio da Valorsul. Processo que aguarda decisão.
O argumento dos accionistas minoritários da Valorsul é de que existiu “violação do dever de lealdade” por parte da EGF, que durante o processo de privatização “não assegurou o respeito pelas bases que fundamentaram a constituição da Valorsul, o cumprimento dos respectivos estatutos, o acordo parassocial e a defesa dos interesses da empresa”, declararam na altura os municípios.
Por seu turno, a EGF considera que a exclusão não está prevista nos estatutos da Valorsul nem está prevista na lei para as sociedades anónimas e que os motivos invocados não constituem motivo válido de exclusão.
Entretanto, a 17 de Abril os municípios foram recebidos pelo ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, numa reunião que não trouxe desenvolvimentos. O ministro disse que a reunião serviu apenas para informar os representantes dos municípios em relação ao processo. Alguns dias antes, Jorge Moreira da Silva criticou na Assembleia da República a posição dos concelhos, defendendo que a privatização vai “reforçar o serviço público” e gerar “metas ambientais mais ambiciosas”.

Autoridade da Concorrência atrasa negócio

Apesar do processo de privatização da EGF estar concluído, falta ainda a luz verde da Autoridade da Concorrência (AdC), que se decidiu por uma investigação aprofundada por considerar que a operação pode conduzir a uma concentração vertical.
A AdC teme que o negócio leve ao encerramento do mercado de serviços de apoio à gestão de resíduos urbanos – que é da responsabilidade dos municípios – através da criação de barreiras à entrada de operadores em baixa, dado que a SUMA está a adquirir uma posição monopolista no mercado de gestão de resíduos em alta. Situação que poderá conduzir a um aumento de preços.
A AdC quer esclarecer ainda se o regulador do ambiente tem capacidade de controlar a imputação de custos entre actividades reguladas e não reguladas e a possibilidade destes serem recuperados via tarifas. Esta decisão teve por base as posições contrárias das autarquias de Lisboa, Loures e Vila Franca de Xira e da empresa que perdeu o concurso para a SUMA.

Valorsul eleita Marca de Confiança

A Valorsul foi distinguida com o prémio Marca de Confiança em 2015 na categoria de Ambiente como a empresa de tratamento de lixo em que os portugueses mais confiam, com 25% dos votos dos inquiridos.
A pergunta aberta e sem referências, inserida no estudo que todos os anos avalia a opinião dos consumidores sobre as marcas de confiança de diferentes produtos e serviços do mercado, foi dirigida a 12.000 assinantes da revista Seleções de Reader´s Digest.
Em 2014, ano em que assinalou 20 anos, a Valorsul tratou 14 milhões de toneladas de resíduos urbanos, produzidos por 1,6 milhões de cidadãos. Ao longo desses 20 anos produziu mais de 4,2 MW/h de energia (através do aproveitamento do gás metano produzido pelo lixo nos aterros) e recolheu selectivamente 856 mil toneladas de resíduos de embalagem para reciclagem.