Quando há algumas semanas aqui falámos dos apertados regulamentos que os diversos municípios da região metropolitana de Montreal estão em vias de implantar no sentido de reduzir a emanação de partículas finas na atmosfera, resultantes da combustão de madeira e carvão nas nossas lareiras, estávamos longe de imaginar voltar ao assunto nesta altura. E ainda menos, que os nossos velhos amigos Michel, Mónica e a filha de ambos, Katja (escrito assim mesmo, apesar das origens algarvias), fizessem parte do enredo
Como já mencionámos anteriormente também, os melhores e mais válidos embaixadores de Portugal no Canadá, são indubitavelmente os profissionais que confecionam os gostos e os sabores da nossa cozinha (não foi por acaso que o ministro Álvaro ventilou a possibilidade de Portugal exportar os saborosos pastéis de nata), representada em Montreal por variadíssimos restaurantes, dos mais caros e refinados aos pequenos mas simpáticos negócios de tipo familiar. É dentro do grupo dos últimos, que se enquadra o restaurante do Michel. Está situado em pleno centro do bairro português, defronte da nossa mais importante igreja (a igreja católica de Santa Cruz, edificada de raíz, e cujo complexo inclui uma escola portuguesa que lecciona o ensino primário e secundário aos luso-descendentes, e um pequeno bloco de apartamentos para os nossos idosos autónomos) e no coração do Plateau Mont-Royal. Quando aqui chegámos em finais de 1975, este bairro era apenas para nós, o local onde estava maioritariamente localizada a nossa comunidade, e onde se agrupavam praticamente todos os nossos comércios. No nosso caso pessoal, e por questões culturais, era ainda o local onde, praticamente na altura da nossa chegada, um dos monstros da música e da poesia da nossa geração, e de todas as gerações – Leonard Cohen -, tinha acabado de adquirir uma residência, que aliás ainda mantém. E era, e é ainda afinal, o local onde desenvolvemos praticamente toda a nossa actividade profissional.
Assistimos assim, ao vivo e in-loco, à transformação dum bairro, na altura habitado sobretudo por operários, e onde o custo da habitação era facilmente acessível a um imigrante português acabado de chegar a este maravilhoso país. Costumávamos dizer que, estando na grande cidade, tínhamos acesso aos pequenos prazeres da vida da aldeia.
No entanto, durante a última década, enquanto os filhos da primeira geração de imigrantes portugueses se iam a pouco e pouco estabelecendo nos arredores norte e sul da ilha de Montreal, onde o custo dos terrenos e das casas se mantinha mais acessível, começou a aparecer no «nosso» bairro um novo tipo de habitantes, gentes ligadas às artes e às profissões liberais, aos quais se juntou uma verdadeira vaga de imigrantes franceses, com profissões que eram o antípoda daquelas que os portugueses ainda exerciam maioritariamente na altura.
Este novo tipo de fauna, com hábitos mais requintados e outras exigências relativamente à protecção do meio ambiente, foi pouco a pouco impondo os seus usos e costumes. A vida do bairro foi-se assim paulatinamente alterando, e os diversos restaurantes lusitanos que faziam, e fazem ainda, os melhores frangos no churrasco da cidade, para continuarem em actividade foram obrigados a fazer grandes investimentos, em filtros de protecção, que impedem que as nocivas partículas de carbono se percam na atmosfera sem qualquer tratamento, indo a longo prazo provocar custos altíssimos em despesas de saúde, depois de continuadamente respiradas pelos humanos. A alguns metros do Roi du Plateau, outros populares restaurantes da zona, O Romados, e o Doval, adivinhando que a prazo, as penalidades em que incorriam se não se conformassem aos regulamentos municipais, seriam suficientes para encerrar as suas fontes de rendimento, optaram atempadamente por investir os elevados montantes necessários. Deixaram assim de poluir o ar ambiente, e os seus frangos assados no carvão, continuam tão saborosos como anteriormente.
Os nossos amigos do Roi du Plateau, apesar de repetidos avisos por parte da Câmara Municipal, por motivos que desconhecemos, não conseguiram que os seus assadores respeitassem as exigências municipais. Pelo que soubemos, os montantes a investir, da ordem da centena de milhar de dólares, foram certamente a razão principal. Só que os 53.000 dólares da coima entretanto recebida podem significar o fecho puro e simples do pequeno e simpático restaurante.
Apesar da imediata reacção de descontentamento de muitos clientes e amigos através das redes sociais, no sentido de anular tão pesada sanção, estamos convictos de que as nossas autoridades farão ouvidos moucos dos mesmos, pois segundo expressaram, apenas anularão a multa depois de feitos os necessários investimentos. Não estando por dentro das decisões de gestão do nosso amigo Michel e dos seus colaboradores, a única coisa que podemos fazer nesta altura é contribuirmos de forma mais assídua com a nossa presença no seu pequeno comércio, apesar de sabermos que o fumo que continua a sair da chaminé da sua churrascaria, vai poluir o ar que respiramos. Sabemos igualmente que a coima não tem por finalidade fechar os restaurantes portugueses do Plateau, mas sim obrigar os seus proprietários a investir, e a continuarem em actividade, servindo os seus clientes, criando postos de trabalho e pagando os seus impostos e taxas. Valerá a pena o investimento? A isto, apenas os responsáveis do Roi du Plateau podem responder.
J.L. Reboleira Alexandre