A despedida das tradições saudáveis!

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Saikiran Datta
investigador

A industrialização como um processo de produção em massa destrói as atividades artesanais, tornando-as insustentáveis. Numa sociedade de consumo, a industrialização do sistema alimentar responde às novas necessidades e a importação de produtos e de modelos alheios marca a atual tendência. A preferência por uma alimentação instantânea, funcional e cómoda criou a cultura de ‘comida fresca’ industrialmente fornecida ou preparada servida na esplanada, no carro, no centro comercial ou mesmo no supermercado. Comida caseira confecionada com ingredientes frescos e saudáveis segundo um saber-fazer tradicional à volta da qual a família convive parece se tornar uma realidade em transição, recorrendo-se cada vez mais à ‘tradição’ de take-away. O fenómeno crescente da industrialização alimentar afeta a qualidade de produtos saudáveis. O ouro verde constituinte da nossa gastronomia é hoje uma substância maioritariamente industrial, afastando-se da pureza artesanal. Em 2021, 80,5% da produção nacional de azeite era industrial, 16,5% cooperativa e apenas 3% particular. Este fenómeno altera o processo de confecção e o consumo de alimentos frescos produzidos localmente, desfazendo o conceito da dieta mediterrânica como Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Os hábitos alimentares manifestam uma mudança de atitudes. A comunidade que ritualmente cozia pão à lenha, defumava enchidos no fumeiro e preparava bolos caseiros para partilhar na família vai sendo substituída por uma que se adere ao pão congelado, às carnes frias prensadas e às broas importadas. Esta mudança geracional sacode a qualidade de vida e os laços familiares associados ao mundo rural. Inserido nesta cultura de consumo, o Pai Natal que promove a Coca-Cola é uma figura apelativa.
Termina esta quadra com a chegada dos Reis ‘Magros’ afetados pela crise alimentar. A passagem de ano é uma celebração pagã da gula sumptuosa. Os banquetes da última ceia a preços exorbitantes anunciam uma festa à grande e à francesa. Pouco importa se o consumo é exagerado, desproporcional ao rendimento médio e gerador de desigualdade. Mesmo antes do nascimento de Cristo, os romanos, para além de proibirem festas noturnas bacanais (Senatusconsulto Bacchanalibus), regulavam, proibiam e penalizavam excessos e desperdícios alimentares através das leis sumptuárias: a Lex Aemilia Sumptuaria fixava um limite nas refeições dos banquetes; a Lex Fannia limitava a despesa e o número de convidados; a Lex Orchia limitava a participação nos jantares sumptuosos; e a Lex Julia Sumptuaria reiterava as provisões severas contra banquetes luxuosos.
O atual sistema permite um consumo luxuoso a uns e dificulta a sobrevivência a outros. O desequilíbrio é uma questão moral e de ética pessoal. Aqueles vivem ad pompam et ostentationem, enquanto estes procuram comida por necessidade.