Em recente visita à nossa cidade, uma figura pública ligada à cultura teceu o seguinte comentário sobre a sua chegada ao alojamento hoteleiro onde pernoitou: «Não imagina a minha surpresa. Comecei por ver um pirilau gigante plantado no jardim adjacente à receção. Depois, lá dentro e em redor, havia-os de todas as cores, dimensões e feitios. Pensei comigo: estes tipos são loucos! Um hóspede mal dá por isso e está rodeado de pirilaus! Só mais tarde me recordei de que este é um dos símbolos das Caldas». Em suma, para o ilustre visitante, a legitimação estética da exposição das peças fálicas está na tradição da cidade. Noutro local seria de puro mau gosto. Nas Caldas trata-se de «divulgação cultural».
Não haverá caldense que não tenha sido confrontado com insinuações brejeiras quando identifica o lugar de origem, atribuindo-se ao artigo definido singular masculino «o» um significado que prescinde do substantivo (o da Caldas é o dito, sem necessidade de o nomear).
Nem sempre o caldense manteve uma relação gratificante (sem embaraços) com este «símbolo» da sua cidade, malgrado um dos seus mais ilustres ter defendido com ironia que à mão gigantesca colocada à entrada de Óbidos deveria corresponder um falo de iguais proporções à entrada das Caldas, apesar de não se ver a relação entre a mão e o dito.
Recuando uns anos, aos jogos do Caldas na Mata, os caldenses recordam-se das ruidosas excursões de autocarro que acompanhavam a equipa visitante, e que, findo o jogo, independentemente do resultado, rumavam às lojas de cerâmica junto ao parque para adquirir exemplares de «louça da malandrice», esgotando os stocks clandestinos, entre sorrisos alarves e anedotas picantes.
A falta que nos fez a envolvente religiosa que sacraliza os símbolos, como acontece em Amarante, onde a bênção da fertilidade do santo padroeiro «casamenteiro das velhas», permite a qualquer pasteleiro o anúncio sem embaraços, dos famosos «colhõezinhos de S. Gonçalo».
Mudam-se os tempos, e nos ateliês da nova geração de talentosos ceramistas faz-se arte com o dito, em variações sobre o tema que não se confundem com qualquer eufemismo estético. «O das Caldas», na inesgotável vertente artística, tornou-se socialmente aceitável, alcançando um estatuto de respeitabilidade.
Os caldenses agradecem.
Não era sem tempo.
Carlos Querido
Quando se aborda este tema as opiniões dividem-se: 50% acham que é Cultura, os outros não. Dos primeiros 50%, metade acha tolerável, a outra metade que se devia esconder, como se fosse uma “vergonha cultural” a registar apenas nos livros, no último parágrafo da última página de um manual de Antropologia Cultural. Dos que toleram, ainda assim metade usam óculos escuros ou olham o menos possível, fingindo entretanto falar ao telemóvel, não vá o diabo tecê-las. Destes, metade ainda usam spray insecticida, não vá crescer ao famoso falo umas perninhas e andar por aí a correr atrás de meninas desprevenidas… Assim, aquilo que seria um símbolo cultural caldense que nos podia gerar riqueza, anda pelas ruas da amargura, tanto mais desrespeitado lá fora quanto mais contestado pelos conterrâneos, reduzido a um “apito” tão tímido que nem as moscas assusta. É o preconceito moralista, que quer se goste ou não, deixou as marcas da cultura judaico-cristã no ordenamento jurídico, que acaba por prevalecer e no final, “uns por verem fazer os outros”, ficamos todos como São Tomás de Aquino, quando afirmava que “só o nomear a impureza já é pecado”!