O facto de neste momento todos os media de Montreal mencionarem o quase certo aparecimento dum novo partido político na cena provincial fez-me pensar em como as relações entre as pessoas e os partidos são tão diferentes na minha província, e de forma mais abrangente no Canadá, e no velho país onde nasci.
Desde que aqui cheguei em 1975 já vi nascer, crescer e desaparecer partidos que foram governo e oposição. Basta pensar em nomes como União Nacional, que de uma certa forma antecedeu o Partido Québécois na procura dos votos pela independência ou o actual partido da Acção Democrática, que de oposição oficial há relativamente pouco tempo passou a pequeno partido marginal. E no campo federal muitos outros poderia mencionar.
Mas um pouco como aí, nestas últimas décadas o poder no Québec tem sido partilhado entre os membros do Partido Québécois e os do Partido Liberal, um pouco como se falássemos entre o PS e o PSD, cuja alternância no poder já dura desde Abril de 1974. E é com cepticismo que vejo hoje alguns pais do meu velho país, a incentivarem os seus filhos a inscreverem-se num dos grupos parlamentares dominantes, pensando que, uma vez as quotas em dia, encontram assim a garantia de um futuro sem problemas.
Assim, e por oposição aos políticos profissionais, falaríamos de profissionais que se tornam políticos, e dos quais, o povo na sua sabedoria diz que:
-pelo menos, já é rico antes de ser político.
É neste contexto que aparece o nome de François Legault.
Para os que alguma vez viajaram de avião entre Portugal e o Canadá, digo tratar-se de um antigo agente de viagens de Montreal, que tendo beneficiado em 1986 duma iniciativa do mercado de capitais que, com o apoio do governo, criara um tipo de acções (o Regime de Poupança em Acções) , que davam, a quem nelas investia, deduções fiscais interessantes, com um abatimento à colecta de 75 a 125% do capital investido. O intuito era capitalizar as pequenas corporações da província através das poupanças dos pequenos investidores. Com a participação de outros três colegas da mesma agência, foi um dos fundadores da Air Transat, que hoje é a segunda companhia aérea do Canadá, logo depois do gigante Air Canada, e que ficou famosa depois de, num voo entre Toronto e Lisboa na noite de 23 de Agosto de 2001, o piloto Robert Piché (hoje herói do Québec, com filme biográfico) , ter conseguido aterrar nas Lajes da Terceira o seu Airbus 330 com 300 pessoas a bordo, após planar dezenas de quilómetros sobre o Atlântico, sem combustível nem motores. Hoje, alguns dos maiores grupos económicos do Québec tiveram assim o seu início. Quem nestes investiu, teve um bom retorno. No entanto a maior percentagem destas «start-ups» desapareceram, e os investidores, o único benefício que tiveram face à perda total do capital foi a dedução na matéria colectável.
O nome de François Legault já esteve no entanto, como independente, ligado ao governo do Partido Québécois, onde deteve as pastas dos Ministérios da Inovação Tecnológica e da Educação, no início deste século. Foi ainda sob o seu ministério que se laicizaram todas as escolas públicas do Québec, retirando das salas de aulas todos os símbolos religiosos. Não resistiu no entanto muito tempo e voltou a fazer aquilo que melhor sabia, gerir uma companhia de aviação charter e ajudá-la a crescer. Reformou-se entretanto e seria normal que passasse o tempo que lhe resta de vida entre o calor das praias do sul, para onde os seus aviões partem diariamente, e a família.
Mas hoje sente-se cada vez mais que os dois partidos que alternam ultimamente o poder não se conseguem regenerar. Estão criadas as condições para o aparecimento de uma nova força política, que apenas precisa dum chefe com capacidade aglutinadora, algum capital humano e político e sem demasiadas ligações a nenhum dos grupos que nos têm ultimamente governado. Quando se fazem algumas sondagens caseiras e se obtêm apoios da população na ordem dos 39% a solução normalmente é de avançar. As pessoas aqui já perceberam que as diferenças no terreno, de um partido dito de esquerda ou de direita, é hoje mínima, e procuram mais, o que poderiamos chamar de «sangue novo», vindo de pessoas que souberam manter-se afastadas de todos os interesses actualmente instalados.
Foi este desejo de renovação que me impeliu no início, a seguir com algum interesse o aparecimento da candidatura de Fernando Nobre nas eleições para a Presidência da República, pese o pouco poder do mesmo. Desencantei no entanto rapidamente, face ao peso dos apoios do actual Presidente. Mas numa altura em que o povo português demonstra um cinismo nunca visto em relação aos políticos lusitanos, não estarão criadas as condições para o aparecimento de alguém com ideias novas, independente dos velhos partidos e que consiga fazer renascer a esperança das pessoas nesse cantinho à beira-mar plantado? Afinal o voto ainda é secreto e somos livres de escolher!