Nos passados dias 10 e 11 de Novembro, em Montreal e um pouco por toda a América do Norte, todos os noticiários eram dominados pelo assassinato de Nicolo Rizutto, velho cidadão de 86 anos, considerado o patriarca, padrinho, do clã siciliano da máfia em Montreal.
Foi atingido por um atirador desconhecido, que o feriu mortalmente do exterior da sua sumptuosa residência, onde se encontrava na presença de duas senhoras, uma das quais seria a sua esposa. Estava nesta altura em liberdade condicional, e o único crime de que era oficialmente acusado era o de evasão fiscal.
Para muitos, terá sido um acto simbólico, no que poderá significar uma mudança no controlo dos grandes grupos do crime organizado. Segundo a imprensa local, uma tentativa do grupo da Calábria de retomar o controlo aos Sicilianos, perdido há cerca de 30 anos. Este assassinato acontece praticamente um ano depois do seu neto Nico Rizutto Junior, filho de Vito Rizutto, chefe do clã que se encontra detido nos Estados Unidos, a cumprir uma pena de dez anos no Colorado por envolvimento num crime de extorsão de dinheiro relacionado com três homicídios em New York no ano de 1981.
Para quem vive longe da América do Norte, a palavra Máfia, poderá sobretudo significar Itália e cinema, pois todos se lembram da magnífica obra O Padrinho. No entanto, para nós, a distância entre a ficção e a realidade é mínima pois todo aquele leque de personagens que Francis Ford Coppola transpôs para a tela no já longínquo ano de 1972, a partir do romance homónimo de Mario Puzzo, são figuras bem reais que distribuem benesses por amplas camadas da população, e com direito, como será no caso presente, a funerais impressionantes seguidos por milhares de pessoas de negro vestidas a acompanhar o féretro, muitos polícias à civil fazendo a identificação visual dos presentes, e inúmeros jornalistas a cobrirem o acontecimento.
Enquanto isto, os membros da base da pirâmide continuam em plena actividade, no comércio de estupefacientes e outras actividades ilícitas. Normalmente toda esta actividade ilegal tem por capa o funcionamento de variadíssimos comércios completamente legais, que poderão ser um simples café, um restaurante, uma boutique de luxo, ou até dignas actividades profissionais que vão do escritório de advogados ou notários, aos contabilistas ou intermediários financeiros, cuja missão é proceder à lavagem das fortunas ganhas por vezes à custa do assassínio de vítimas inocentes, cujo único crime foi estarem no local errado, no momento errado. No entanto, isto raramente acontece, pois a maioria das vítimas destas lutas intestinais estão dentro das próprias organizações criminosas.
Os membros destes grupos iniciam-se no crime, nos pequenos gangues de rua, extremamente violentos e que se degladiam entre si pelo controlo de determindada área da cidade onde vivem, e os que vão escapando à prisão ou à morte, vão a pouco e pouco subindo na hierarquia do crime organizado. A polícia conhece-os todos, o cidadão normal vive ao lado deles, pouco mais que adolescentes na maioria, conduzindo carros de alta cilindrada e acompanhados de jovens mulheres, mas até à existência de provas das suas actividades nada podem fazer.
Através do controlo destes pseudo-comércios a que estão ligados, conseguem levar uma existência de verdadeiros milionários, vivendo em autênticos palácios com todo o tipo de servidores. Apesar de estarem altamente organizados, a polícia consegue no entanto ir prendendo alguns, através da infiltração dessas organizações e dos testemunhos de delatores, que a troco de reduções de penas ou mesmo de avultados beneficios monetários aceitam testemunhar contra os seus antigos chefes criminosos. No entanto, normalmente as cabeças dirigentes, como no caso de Nicolo Rizutto, as penas a que são sujeitos, não são o resultado dos crimes que terão eventualmente praticado ou mandatado, mas apenas pelo facto do tipo de vida que levam não corresponder minimamente ao nível de rendimentos declarados ao fisco. Apenas por isso Nico Rizutto, como era aqui conhecido, cumpria pena por evasão fiscal!
J.L. Reboleira Alexandre
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