Crónica do Québec – Férias de Maio

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Há já alguns anos que nos concedemos alguns dias de descanso durante o mês de Maio, em Portugal. Férias sempre curtas, por norma, e por isso mesmo, quando chega a altura de tomarmos o avião para a travessia do Atlântico, fazêmo-lo sempre com algum e justificado receio, do caprichoso micro-clima das Caldas. As famosas neblinas matinais e os ventos fortes do quadrante norte durante a tarde. Enfim, as características dum clima, que obriga os amantes de praia da zona, a equiparem-se com os típicos tapa-ventos, que não conseguem no entanto impedir que os irritantes grãozinhos da areia fina de São Martinho do Porto, se introduzam em locais para onde não foram convidados. Por causa deles, já não nos lembramos de quando fizemos o último mergulho, naquela que, com a vizinha Salir, fizesse sol fizesse vento, era nos finais dos anos sessenta inícios de setenta do século passado, a praia da nossa despreocupada adolescência.
Este ano no entanto, a tal excepção que confirma a regra, as condições climatéricas pediam meças a qualquer um dos locais das Caraíbas para onde por vezes nos deslocamos. Tudo estava assim preparado para podermos beneficiar de sete «longos» dias de merecido descanso, já que no Canadá, por norma nunca acontece nada. Pura ilusão. Ainda não tínhamos recuperado do jet lag do voo noturno do dia 27 de Maio, e já o telefone tocava e nos anunciava que devido a uma rara e intensa (cada vez menos rara, segundo os especialistas) tempestade sub tropical, mais usual nesta época do ano em latitudes lá para os lados do equador, havia causado o caos nas ruas de Montreal e inundações em muitas residências.  Daí até à confirmação de que tínhamos sido seriamente afectados em algumas das nossas propriedades foi um instante. Não seriam no entanto alguns centímetros de água nesta ou naquela residência que iriam estragar a nossa estadia.
E o facto de nos encontramos do outro lado do mar, não alteraria em nada a nossa posição perante o problema. Aqui ou aí, a única coisa a fazer nestes casos é chamar a companhia de seguros, e foi o que aconteceu.
As surpresas não tinham ainda acabado, no entanto. No dia seguinte somos informados de que um psicopata que fazia a apologia da necrofilia e com tendências canibais, por suspeita de traição amorosa, tinha matado o apaixonado do momento, e decidira enviar pedaços do corpo, pelo correio, para diversas escolas e outros espaços públicos. Luka Rocco Magnotta, de 29 anos, nativo da zona de Toronto, e na altura do crime, habitando em Montreal, onde, além de actor de filmes pornográficos, dançarino de bar, prostituto, e estudante universitário nas horas vagas, era a 30 de Maio último, o assassino mais procurado do planeta Terra. A 26 de Maio, já tinha apanhado um avião da Air Transat (a companhia que mais canadianos transporta para Portugal, depois que a TAP há cerca de 10 anos, entendeu que o nosso mercado, alimentado sobretudo pela emigração, era demasiado complicado para uma «grande» companhia de bandeira portuguesa), para Paris e daí tomara um comboio para Berlim. Estava calmamente instalado num café internet, lendo as notícias que falavam do seu crime, quando um dos empregados do local o reconhece e chama a polícia, que o prendeu sem ter oferecido qualquer resistência. Está agora detido na Alemanha, esperando a extradição para o Canadá.
Atendendo no entanto às nossas leis, e ao carácter horrendo do crime de que é acusado, a exemplo de outros casos relativamente recentes, vai seguramente ser considerado inapto, e a legião de psiquiatras que se vão ocupar do seu caso diagnosticarão  um momento de loucura passageira causadora dum momentâneo buraco negro ansio-depressivo. E vamos todos andar anos a discutir e a pagar aos especialistas que se vão ocupar do caso dum fulano, que se filma enquanto decepa o seu antigo amante, e depois envia os bocados para locais tão diversos como escritórios dos partidos liberal e conservador federais ou escolas primárias da zona de Vancouver na costa do Pacífico. Por isto apenas, a Alemanha irá proceder à extradição do indivíduo para o Canadá, país respeitador dos direitos humanos. Se o crime se tivesse passado no nosso grande  vizinho do sul, a extradição não se efectivaria, pois a sorte que esperava o fulaninho é de todos por demais conhecida.
Felizmente que o resto das nossas férias decorreram sem outras novidades. Nós e a nossa companheira passámos assim os três últimos dias de descanso, entre agradáveis tardes relaxantes, respirando o puríssimo ar das nossas florestas de pinheiros situadas na estrada entre o Chão da Parada e Salir, e vários jantares com alguns amigos mais íntimos nos variadíssimos e agradáveis restaurantes de São Martinho do Porto, saboreando uns grelhados com peixes pescados nas águas frias do Atlântico norte, como apenas em Portugal se podem saborear.
Agora, e no momento em que Montreal vive ao ritmo do Grande Prémio de Fórmula Um do Canadá e da final dos playoff da NHL (liga nacional de hóquei sobre o gelo) uma cada vez mais larga fatia dos seus habitantes, nos quais orgulhosamente nos incluímos, está pendente do que se passa lá para os lados da Polónia e da Ucrânia. O resultado do match inaugural não foi o que esperávamos, mas não nos devemos sentir envergonhados da prestação dos nossos representantes, antes pelo contrário!

J.L. Reboleira Alexandre

jose.alexandre@videotron.ca

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