ELOGIO DA IMPERFEIÇÃO | Contos de fadas

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“Oh mãe, porque é que nos contos de fadas as mães já morreram todas?”
Na altura, há uns anos atrás, a pergunta apanhou-me desprevenida e com efeito de um estalo. Era verdade. Como é que nunca tinha pensado nisso…
Peguei finalmente num livro que já andava cá por casa, “Psicanálise dos Contos de Fadas” do Bruno Bettelheim.

Mais do que a explicação e interpretação psicanalítica de diferentes contos tradicionais, gostei particularmente da Introdução. Aí o autor desenvolve a ideia de que o que mantém os chamados contos de fada tradicionais atuais e fascinantes, quer para crianças quer para adultos, é o facto de serem narrativas que representam os processos de crescimento e de passagem da infância para a idade adulta de cada um de nós.
Temos os processos de separação dos pais, o confronto com as vicissitudes do mundo, os perigos e as ameaças, as bruxas e as fadas, a maldade e a inveja, a bondade e a protecção, a resiliência, a necessidade de usar os recursos internos e de contar com a ajuda de outros para se salvar e não perecer…
Defende que os perigos e os apoios, as bruxas e as fadas, mais do que representarem a chamada realidade externa, representam a realidade interna de cada um de nós. Ou seja, a luta e o conflito entre o destrutivo e o construtivo, entre o bem e o mal, entre a bruxa e a fada, como a nossa conflitualidade interna, presente desde sempre e fundamental para os processos de crescimento, de maturidade, de responsabilização, de escolhas. Enfim, para a construção da pessoa que somos e que desejamos ser.
Lembro-me bem do ar enfastiado dos miúdos, quando as histórias que inventava não tinham personagens maléficas. Desinteressavam-se completamente e perguntavam quando é que afinal apareciam os maus. Sem essa componente a história ficava chata e em vez de acalmar, agitava. Como se, sem a possibilidade de projectar o lado agressivo e destrutivo numa personagem, numa narrativa em que todos são bons, se ficasse sem espaço mental para pensar, representar, metabolizar a própria maldade, a parte bruxa, invejosa e egoísta, que assim tem que ser negada e escondida dos outros e de nós próprios, projetada para fora de nós, num processo desgastante e impeditivo do crescimento emocional e mental. Coloca-se fora, nos outros, o que não temos capacidade para conter, pensar e mentalizar, por se sentir que é feio e não aceitável… e neste processo perdemos uma parte que é nossa.
Entendi para mim que estes contos tradicionais são assim como uma espécie de mitos modernos, equivalentes aos mitos gregos. Narrativas simbólicas, que procuram explicar e demonstrar pela acção das personagens, a origem das coisas e as diferentes opções que se podem tomar ao longo da vida. Daí manterem o encanto e a atualidade.
Quando ouço comentários de que a vida é dura e não é um conto de fadas, costumo responder, ou pelo menos pensar: “É um conto de fadas sim… só não chegámos ainda foi à parte em que a bruxa finalmente morre e se é feliz para sempre…”… E claro que as bruxas, tal como qualquer vilão de Banda Desenhada que se preze, arranjam sempre maneira de não morrer realmente, ou de serem substituídas por outras parecidas e de voltarem a atazanar…
E porque é Verão, vem-me à memória um antigo slogan publicitário de férias: “Vá para fora cá dentro”.
Bom Verão?

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