“Não sei se é boa ideia estar aqui… mas trago comigo uma angústia que me esgota… parece que ando com um saco de pedras às costas e que não o posso pousar, nem esvaziar…
Sabe, a minha vida não correu bem como imaginei ou como desejei… também não posso dizer que correu tudo mal, não é verdade… mas lá está, preciso de saber o que fazer com este peso que trago comigo. Não quero propriamente ver-me livre dele, assim tipo cortar e deitar fora… isto faz parte de mim e não me quero deitar fora, acho que é por isso que aqui estou.
Já sei que vai querer saber coisas do meu passado… com esta idade já tenho muita história para contar… mas o que sinto é uma culpa enorme, por coisas que fiz e coisas que não fiz… por escolhas que me pareciam certas e foram erradas… mas que não sei se poderia ter evitado, se poderia ter realmente feito diferente… sabe, cada vez embirro mais com aquelas frases feitas do tipo, “Querer é Poder” e coisas desse género… cada vez mais me cheiram a uma grande treta… claro que sei que estou desencantado, mas sabe? Acho que este tipo de coisa, de cultura, só nos serve se as coisas correm bem… não prepara para os revezes, para o que é menos linear… e a vida, a nossa vida é tudo menos linear…
Sempre achei que era uma pessoa otimista e positiva e sempre gostei de fazer coisas… sempre tive pressa… E lá está, querer é poder, blá, blá, blá… só tinha que acreditar em mim… em apostar e avançar… e avancei… e fiz… e aconteceram coisas boas… e aconteceram coisas más…
E depois a nossa vida entrelaça-se com a de outros… família, amigos, colegas, amores, filhos… e as nossas escolhas, as nossas decisões têm impacto sobre a vida dos outros, daqueles a quem estamos ligados, daqueles que dependem de nós… e às vezes percebemos que lhes causámos ou não os protegemos de danos bem maiores do que alguma fez quisemos, do que alguma vez tivemos intenção… que por vezes nos deixámos dormir, nos distraímos… que há circunstâncias que nos escapam e sobre as quais não temos qualquer tipo de controlo, que não temos poder de evitar… mesmo querendo… mesmo querendo muito…
Aí vem a culpa… vem a sensação de falhanço, de desânimo, de ser fraco e incapaz… aí comecei a encher o saco de pedras e a carregar com elas… Como se fosse culpado de tudo o que tinha corrido mal… como se devesse ter previsto tudo… como se pudesse ter ponderado tudo…
Vai-me dizer que passo de um excesso para outro, ou vencedor ou perdedor… que a vida tem muito mais espessura e complexidade do que slogans de marketing barato… que me estou a vitimizar e a ser omnipotente na culpa… que estou a ser demasiado rígido e que só estou a valorizar o negativo… eu sei que me vai dizer isso… eu acho isso também… por isso é que aqui estou… com o meu saco de pedras… a ver se percebo o que posso fazer com elas… elas que são parte da minha vida… parte de mim… são as minhas pedras, às quais tenho que dar um sentido, uma forma… senão, arrisco perder-me numa deriva com o corpo partido.”