Leonor de Lencastre: tragédia d’uma grande alma (1932)

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Joana Beato Ribeiro
IHC-NOVA-FCSH; CEHFCi-UÉ; PH
Bolseira de doutoramento FCT

Muitos são os médicos que se dedicaram à ficção, talvez em menor número aqueles que produziram obras dramáticas, neste caso, em Portugal (no século XX), destaca-se Bernardo Santareno, sobre quem Fernando da Silva Correia escreveu em 1959. Por essa altura, já iam longe os tempos em que o próprio se dedicara ao teatro, em 1915, publicou a peça “A máscara” e, em 1917, a peça “À sombra de Esculápio”, que em maio desse ano foi representada pelos quintanistas de Medicina de Coimbra, grupo que o autor integrava. A estas obras, podem acrescentar-se outras que permaneceram inéditas, com destaque para as comédias “Zé Cavalaria” e “Fogueiras de São João” que, em 1916 na Madeira e a partir de 1921 na África do Sul, foram representadas pela Troupe de Tomás Vieira.
A peça agora em destaque foi publicada pela Empresa Nacional de Publicidade (Lisboa) em 1932 e tem, como não podia deixar de ser, uma relação com as Caldas da Rainha. A 31 de julho desse ano, a própria “Gazeta das Caldas” deu conta disso mesmo e publicou parte do terceiro quadro da obra, passado em 1491.
Como o subtítulo sugere, esta peça encerra os momentos mais difíceis daquela que o autor considerou “das figuras mais interessantes da nossa história” e “das mais desconhecidas do Pôvo”: a rainha D. Leonor. “Leonorista apaixonado”, como lhe chamou Rafael Salinas Calado, Fernando da Silva Correia julga esta rainha “vitima” do critério “de vulgarizar a historia nacional” através da divisão artificial dos reinados e de “calunias” repetidas por alguns escritores. A peça “histórica” apresenta-se como “uma síntese” da obra da rainha, dando “ideia da sua alma, da sua dor, da sua vida, enfim, para a apontar como um exemplo magnifico”, surgindo da pena de alguém que “dedicadamente, embora obscuramente, tem estudado em livros, cronicas e manuscritos”.
Como alguns críticos diriam, em jornais e através da correspondência, esta peça surge como uma obra de “reabilitação” da rainha, na esteira do trabalho desenvolvido pelo Conde de Sabugosa, “A rainha D. Leonor” (1921), estando presente em ambas a ideia de quadros da sua vida, que, no caso da peça, definem os seus cinco actos.
A leitura do manuscrito, indica que a peça foi escrita entre 21 e 24 de outubro de 1929, na quinta de Vale Formoso de António de Melo Ferrari, seu sogro; e que o autor planeou a sua representação no verão de 1956, no Café Bocage e em Óbidos. Esse plano incluía a identificação da música que acompanharia os quadros, com compositores como Wagner, Verdi, Beethoven ou Mozart; assim como alguns dos atores que representariam as personagens, salientando-se Amélia Rey Colaço para o papel da rainha, que já em 1935 havia representado e cujo nome também sugerira, em 1932, o médico Augusto d’Esaguy.
A crítica dividiu-se relativamente à representação da peça, no jornal “Primeiro de janeiro” julgava-se que as personagens teriam “pouco movimento”, enquanto no “Novidades” se julgava que devia ser representada e “dar-se ao povo culto e inculto de Portugal”. Ainda não é possível saber o impacto da sua representação, mas a verdade é que alguns conhecedores da obra dramática de Fernando da Silva Correia a consideraram, dentro do género, “o [seu] mais perfeito trabalho”. ■