There are three main theories to explain the origin of viruses. The first theory suggests that viruses were the first organisms to arise in the ‘primordial soup’ around four billion years ago.
Viruses:
A Very Short Introduction. Dorothy H. Crawford (Oxford University Press, 2011), p. 13.
Eis que, de súbito, nos tornamos reclusos, prisioneiros de uma ameaça invisível, de um parasita intracelular de ínfima dimensão, ávido das nossas células, onde insidiosamente se pretende alojar, para se replicar, para se multiplicar, para cumprir o imperativo da sua estranha existência.
Incrédulos, olhamos as imagens que nos chegam das estradas, das praças, das ruas, das avenidas e das praias desertas, e não vislumbramos o inimigo que nos cerca. Furtivo, silencioso, sem forma, nem rosto, ele está connosco. Não há refúgio que nos proteja do medo.
Entretanto, vivemos vidas suspensas, a aguardar a imunidade da vacina que tarda, e que mais não fará do que tornar os nossos corpos tolerantes, apaziguando a relação com esse inevitável hóspede que nos habitará, e que veio para ficar.
Rezam os manuais científicos que fora do ambiente intracelular o vírus é inerte, sem vida, em suspenso. Diz-nos a amarga experiência, que quando se aloja nas nossas células, no seu frenesim de se multiplicar, suspende a vida humana, acantona-nos como um rebanho assustado, com exércitos treinados e ogivas nucleares inúteis, preparados apenas para nos destruirmos uns aos outros, indefesos perante um intruso infinitamente pequeno, invisível, submicroscópico.
Na clausura a que nos remetemos, adiamos a vida, para continuar mais tarde, sabe-se lá quando. E no vazio dos dias que se sucedem, sombrios e iguais, sentimos uma infinita saudade de gestos tão simples como um abraço, uma carícia, uma refeição com amigos, a leitura dum jornal na esplanada, dois dedos de conversa na rua, um mundo inteiro para viajar.
O medo que nos cerca faz-nos correr o risco de ver no outro, em cada um dos outros, um inimigo, alguém de quem é preciso desconfiar, de quem temos de nos defender, a partir dum espaço vital exclusivo, dois metros de diâmetro onde ninguém entra, não vá o diabo tecê-las, não vá o pequeno intruso saltar, num espirro fatal, numa gotícula perdida, num aperto de mão traiçoeiro.
Só o medo e a ignorância poderão justificar, sem legitimar, os apedrejamentos a um grupo de idosos na cidade de La Línea de la Concepción, na província de Cádis, a uma mulher grávida em Águas Lindas de Goiás, no Brasil, a um grupo de pessoas retiradas da província chinesa de Hubei, à chegada a Novi Sanzhari, na Ucrânia. Um único fator a unir as vítimas: a suspeita de serem portadores dum vírus.
Nos momentos de crise, ergue-se sempre um dedo acusador, porque é imperioso encontrar um inimigo, alguém arbitrariamente escolhido para transportar consigo a culpa exclusiva da calamidade que nos aflige.
Este isolamento doloroso, em que nos tornamos ilhas desertas, partículas dispersas do vasto continente que somos, só se torna suportável se tivermos uma atitude altruísta: quando nos isolamos, resguardamo-nos, não só para nos protegermos a nós, mas também aos outros, conscientes da imensa responsabilidade perante os mais vulneráveis. Todos somos responsáveis por tudo perante todos, como proclamava Dostoievski.
E que preço pagaremos por esta reclusão?
Privados dos espaços que habitávamos livremente, da proximidade dos outros, das manifestações físicas de afeto, dos espetáculos, dos rituais litúrgicos, da despedida dos nossos mortos, nostálgicos das rotinas simples que, afinal, sem darmos por isso, nos faziam felizes, olhamos o futuro incerto como uma libertação.
Há, no entanto, quem diga que nada será como dantes, que não voltaremos a prescindir da higienização nas relações interpessoais, do prudente afastamento dos outros, da distância física como defesa contra um vírus que, apesar de vencido, se manterá instalado definitivamente na nossa memória coletiva.
Talvez não.
Nos dias sombrios que vivemos navegamos infinitamente o mundo digital, e percebemos que não nos basta. Fartos das redes sociais e da ilusão de proximidade das imagens do Skype, queremos de volta o nosso mundo físico, concreto, sensorial. Este tempo de privação e de ausência dos outros tornou mais urgente as manifestações de afeto que nos aguardam, terapia segura para a solidão que estrategicamente cumprimos.
Lá para o verão, nas esplanadas, nos restaurantes, nos bares, nas praias, em todos os lugares onde possa formar-se uma roda de amigos, viveremos intensamente cada momento, tornado mais precioso pela amargura dos dias de hoje.
































