Há Mestres e mestres!
“O Carteiro” de Pablo Neruda, conta a história de um analfabeto, que vive na Isla Negra, com o poeta. Entre eles desenrolam-se conversas curiosas. Um dia, estando sentados na praia, o poeta explica como é o mar e como o vê, o carteiro fica alucinado com aquilo e diz: – Até fiquei enjoado ao ouvir isso!
- Enjoado? Isso é maneira de falar com o poeta?
- Não! É que ao ouvi-lo falar do mar que vem e que vai, senti-me como um barco batido pelas ondas das suas palavras.
Neruda coloca-se como mestre do carteiro, levando-o à vivência do ensinamento.
O título de Mestre era na Antiguidade atribuído a quem tinha a capacidade de “virar do avesso” o discípulo. O encontro com um Mestre implicava mudança de vida e alteração na percepção dos sentidos. Os mestres não actuam só para transmitir conhecimentos, eles têm humor como característica fundamental, têm ironia, são esquivos mas presentes, têm mistério para despertar o desejo e a inteligência e, não tendo pressa de cumprir calendários, dão tempo ao tempo.
Na minha vida tive a graça de cruzar com alguns, desde logo o meu pai, com quem aprendi o gosto pelos livros, ou o “tio” Hermínio de Oliveira que, recordo, me encantava horas a fio com conversas que deambulavam entre a história das Caldas ou os livros da sua biblioteca, que numa deliciosa desarrumação e um encantador cheiro a carneira me seduziam.
À Milé Caldas Pereira deixo um sorriso pelo tanto que, sem saber, me foi ensinando sobre a vida.
Sou grata a professores caldenses, como o “Stor” Saraiva, sempre pronto a ralhar mas que abriu a porta de casa quando precisei de preparar a minha primeira aula, a Prof. Adozinda, do Pessoa e do Camões, a minha querida Prof. Idalina Lameiras: – “Menina, vá à rua do se faz favor e do obrigada”, a inesquecível Prof. Teresa Thiran, que me levou de Van Gogh aos Aiku, da Liga Portuguesa Contra o Cancro a Josefa de Óbidos. Verdadeiros mestres que despertam o desejo de olhar para além do horizonte. Todos eles muito exigentes, incutindo a vontade de saber mais, com métodos que desbloqueavam e revelavam coisas novas.
Junto deles contínuo a sentir-me a criança curiosa que espera mais.
O mestre revela-se nas nossas vidas como alguém que ajuda a captar a magia do instante permitindo que ela se propague no coração com uma beleza infinita mas alcançável, de respeito e admiração numa chancela de gratidão.
Nunca esquecerei o Pe Joaquim Duarte que nos “deu” um outro olhar sobre a importância da simplicidade na vida ou o Dr. Ernesto Moreira, mestre no testemunho do serviço ao próximo.
Outro mestre, o Dr. Eugénio, Presidente da Cáritas Portuguesa. A Conferência, no Centro Social Paroquial foi por demais importante. Um desafio a olharmos a pobreza como realidade existente e pela qual somos responsáveis. Não basta dizermos “coitadinhos dos pobres”, até o mais rico de haveres se pode sentir o mais miserável dos seres humanos se não aprender a alegria de participar activamente na sociedade. Porque a pobreza pode ser erradicada, mas para tal é preciso cada um combater o seu próprio egoísmo, o individualismo e a indiferença.
Ao Centro Social Paroquial deixou uma saudação de gratidão pelo excelente trabalho desenvolvido: “Nestes centros o sol nasce para que nos ocasos das vidas que passam por estes lugares, sejam ocasos tão bonitos como aqueles que gostamos de ver. O sol sem nuvens e todos temos de contribuir para isso”.
Depois há outros “mestres”… Vi há dias no programa do Ricardo Araújo Pereira “Gente que não sabe estar”, uma sátira às danças dos nossos políticos e vi, também no FB o nosso presidente da Câmara… talvez a imitar algum mestre!
Margarida Varela
margaridavarela13@gmail.com