Partindo do clássico «História da vida privada» de Georges Duby (1985), temos o segundo volume da série dirigido por José Mattoso e coordenado por Nuno Gonçalo Monteiro. Conceitos como indivíduo, propriedade, religião ou Estado existem hoje mas já tiveram outros sentidos no passado. A propósito das deslocações á igreja vejamos que em 1730 uma descrição de Lisboa refere que é vulgar haver simples mercadores com capela em casa e missa privada «a fim de não darem a suas mulheres e filhas o único pretexto que podem ter para pôr o pé na rua».
No território português (Ilhas atlânticas e Brasil), homens e mulheres ficavam em lugares separados no interior das igrejas. Às mulheres cabia a nave. Quando algumas optavam por outro local, os visitadores tratavam de repor a ordem. Um estrangeiro notou que em 1730 «elas fazem namoro na igreja por sinais e ali passam bilhetinhos de amor. Estes sinais fazem-se de parte a parte, de uma maneira subtil e tão prudente que, um estranho, sem conhecimento deste costume, juraria que os dois dialogantes não haviam trocado uma palavra». As próprias crianças que ajudavam à missa (acólitos) eram portadoras de bilhetinhos.
Os hoje chamados «santos populares» propiciavam em 1799 que «as mulheres aproveitam o ensejo e, livres de toda a suspeita, vão encontrar seus amigos, conversar com eles alegremente, mostram seus encantos em pleno dia, ostentam novas modas e murmuram das pessoas mais em evidência». E conclui: «Às vezes havia até bailes entre homens e mulheres».
(Edição: Círculo de Leitores – Temas e Debates, Design: Leonor Antunes, Coordenação: Nuno Gonçalo Monteiro, Direcção: José Mattoso)