A deputada do BE, Catarina Martins, ficou surpreendida por saber que as entidades culturais das Caldas da Rainha estão indirectamente a financiar a Câmara das Caldas, ao não cobrarem pelos espectáculos que ali realizam e ao cederem parte da bilheteira dos espectáculos que promovem no Centro Cultural e de Congressos.
Ainda mais surpreendente foi ter descoberto que em vez de serem pagos, os espectáculos promovidos pelos Pimpões estão a ajudar a financiar o CCC, uma instituição gerida pela autarquia e cuja administração é presidida pela vereadora Maria Conceição Jardim (colega de Catarina Martins na Assembleia da República).
“Parece que acham normal que os Pimpões façam os espectáculos lá sem lhes pagarem. Temos uma situação inusitada, de estar uma colectividade a financiar uma autarquia”, afirmou.
Catarina Martins esteve nas Caldas a 21 de Abril, no âmbito da segunda edição do “Caminhos P’rá Cultura”, uma iniciativa do BE que tem como objectivo fazer um levantamento da realidade do sector e discutir caminhos para a cultura.A visita começou nos Pimpões, a maior colectividade das Caldas da Rainha, onde percebeu a sua dimensão cultural e desportiva, que conta com peculiaridades como a piscina e uma escola vocacional de dança.
Uma das maiores preocupações com que ficou foi o peso da factura energética nas actividades da associação e os aumentos do IVA, que as colectividades não têm capacidade de o reaver porque não são empresas e não cobram este imposto.
A bloquista lamentou que a política para a cultura em Portugal se baseie mais nas obras públicas e no betão. “As infra-estruturas são necessárias, mas confundir o investimento em cultura com o investimento simplesmente no betão é muito grave”, comentou.
Para Catarina Martins, não é possível que se construam apenas os edifícios, “só para dizer que estes existem”, sem que depois sejam dadas as condições necessárias para que estes tenham vida. “Os equipamentos culturais e o investimento em betão só tem sentido se potenciar o que existe nas cidades”, disse.
“Estes devem servir para apresentar à população objectos culturais o mais diversificado possível, mas também para permitir às pessoas que os usem para criar e fazer coisas”, considera.
Na sua opinião, o CCC ter uma actividade no Dia Mundial da Dança que é promovida pela escola de dança que funciona nos Pimpões, sem que paguem por isso, “significa que é a colectividade a financiar as comemorações da autarquia”.
A deputada considerou também absurdo que um novo equipamento cultural possa prejudicar as instituições que já existiam.
Abertura do CCC prejudicou os Pimpões
Segundo Teresa Marques, presidente dos Pimpões, a colectividade desta associação acabou por ser prejudicada pela abertura do CCC porque deixou de receber espectáculos promovidos pela Câmara das caldas.
“Durante 20 anos tínhamos a única sala nas Caldas que podia receber certo tipo de espectáculos. Quando o CCC abriu a vereadora da Cultura disse-nos que tudo o que não tivesse cabimento lá seria entregue aos Pimpões, mas até hoje não nunca houve nada”, comentou.
A autarquia, em conjunto com o Estado central, subsidiou a aquisição da bancada telescópica da colectividade, em 2001, e em troca os Pimpões recebeu vários espectáculos da Câmara. “Em alguns desses espectáculos podíamos cobrar entradas, mas noutros não”, explicou a dirigente. O que quer dizer que a colectividade tinha despesas e não podia cobrar bilhetes para fazer face a estas.
Actualmente, a colectividade já nem pede apoio financeiro à autarquia para realizar os seus eventos “porque a maior parte das vezes é negado ou vai caindo no esquecimento”, embora continuem a convidar a vereadora para assistir aos espectáculos na primeira fila. “Ficou pior de há três anos para cá, desde que abriu o CCC”, disse.
Teresa Marques deu também o exemplo do Estúdio de Dança Gecely, que chegou a fazer o espectáculo anual nos Pimpões, e que agora paga mais para fazer no CCC, um espaço da autarquia.
Segundo Catarina Martins, a visita que fez às Caldas da Rainha não incluiu o CCC por questões de agenda e de tempo. “Fizemos uma escolha por quem está no terreno e tem que lidar com as opções que foram tomadas pelo Estado e pelas autarquias”, referiu.
Teatro da Rainha também se queixa do CCC
Quem também tem queixas do CCC é a companhia Teatro da Rainha, a segunda instituição que Catarina Martins visitou nas Caldas da Rainha.
Fernando Mora Ramos e José Carlos Faria contaram à deputada o conturbado processo de tentativa daquela companhia de teatro em utilizar a sala de ensaios do CCC. “Até o próprio presidente da Câmara queria que nós nos instalássemos lá e nós só queríamos a sala de ensaios, porque do nosso ponto de vista é mais interessante para o tipo de trabalho que queremos fazer”, disse Mora Ramos.
Segundo José Carlos Faria, na última reunião que tiveram com a Câmara, foi-lhes respondido pela vereadora Maria da Conceição Jardim que as objecções que tinham para a mudança “não têm que ser explicitadas, o que é um particular conceito da democracia”. O actor acha que a vereadora da Cultura considera o CCC “como seu quintal privado”.
Na conversa com Catarina Martins, Fernando Mora Ramos também foi muito crítico em relação à direcção CCC, dizendo que a programação é feita “à la carte” e que “ele (director do centro cultural) não sabe nada do que está para ali a fazer, recebe as propostas e faz uma coisa tipo supermercado”. Reconhecendo a excelência da sua sala principal, os responsáveis do Teatro da Rainha criticam as suas opções de programação e a forma como o edifício foi configurado.
Catarina Martins estranhou também quando lhe disseram que o CDS/PP não tinha pago a utilização do CCC quando realizou o seu congresso nacional em 2010. “É uma linha de serviço público estranha”, afirmou.
A deputada conheceu também o projecto do novo edifício do Teatro da Rainha, que irá ser construído no largo da Universidade, junto às antigas instalações da UAL (onde actualmente estão sedeados).
“A criação artística profissional faz parte dos Estados desenvolvidos”, salientou Catarina Martins, que acrescentou que no caso do Teatro da Rainha também “dão uma consistência de criação local e uma voz própria” da própria cidade.
A deputada está a realizar uma série de visitas, reuniões e encontros com agentes culturais em todo o país. “Este é um sector que sempre foi esquecido e com a crise está mais esquecido ainda”, disse.
“Os países que têm mais produtividade e são mais sólidos do ponto de vista económico, são aqueles que apostaram mais em políticas públicas estruturadas para a cultura”, comentou.
A deputada acha que existe um discurso perigoso em voga, que considera que a cultura é um luxo e que tudo pode ser feito sem dinheiro. “Como se fosse possível pagar com voluntariado a conta da EDP”, exemplificou.
Pedro Antunes
pantunes@gazetadascaldas.pt