A ESIP (European Seafood Investments Portugal, Lda), de capitais tailandeses, tem 780 trabalhadores e é a maior empregadora de Peniche. Mas vai reduzir pessoal e está em risco de se deslocalizar. A Câmara local está a tentar não a deixar fugir e tem soluções para lhe reduzir os custos de produção.
A maior fábrica conserveira de Peniche produz diariamente 60 toneladas de conserva e das suas instalações saem entre seis a 12 camiões por dia carregados de latas de sardinha e cavala destinados à exportação. Em Portugal fica apenas uma pequeníssima parte da produção, que é vendida nos supermercados Lidl e Dia.
Detida pela empresa tailandesa Union Frozen Products (a maior conserveira do mundo), a ESIP conta com centenas de trabalhadores, maioritariamente mulheres e metade das quais com contratos a prazo, que exercem um trabalho pouco especializado no qual basta cortar e enlatar postas de pescado.
À custa disso, e ao facto de beneficiar da rede de distribuição mundial típica de uma multinacional, a fábrica penichense factura entre 50 a 60 milhões de euros. Números que não são precisos porque o seu administrador, Ricardo Luzio, não aceitou falar sobre a sua empresa.
Apesar de grande em Peniche e de ter um peso importante na indústria conserveira portuguesa, a ESIP é, à escala do grupo internacional a que pertence, apenas mais uma unidade, sujeita às flutuações do mercado e facilmente deslocalizável se o centro de decisão assim o entender.
António José Correia, presidente da Câmara de Peniche, vê com preocupação uma série de despedimentos previstos para este ano, que poderão chegar aos 250 até Setembro.
O motivo aparente está relacionado com uma eventual quebra da pesca da sardinha, o que levou a empresa a procurar alternativa em Marrocos, onde possui uma unidade de produção que pretende reactivar.
Para o município isto soa a um sinal de alarme e por isso o autarca está empenhado em ajudar a empresa a reduzir custos de produção para a manter competitiva à escala mundial. Isso passa por instalar em Peniche uma unidade autónoma de gás, dado que a rede do gás natural ainda lá não chega.
Outra medida importante é conseguir que a matéria-prima para a fábrica seja descarregada directamente no porto de Peniche e não em Aveiro (onde está instalado o equipamento de frio) e depois transportada para o Oeste.
O presidente da Câmara diz que as instalações portuárias reúnem condições operacionais para receber os navios que transportam o pescado desde o norte da Europa para a fábrica de conservas e quer criar nas instalações da Docapesca o entreposto frigorífico que permitiria acolher o pescado destinado à ESIP.
Desta forma, a empresa pouparia os custos de transporte da matéria-prima entre Aveiro e Peniche, recebendo-a a poucos metros da sua porta.
Com energia mais barata e sem ter que fazer passar o seu pescado por Aveiro, a maior conserveira penichense pode ficar mais competitiva, espera António José Correia. O investimento em causa é superior a um milhão de euros, que seria suportado pelo ESIP.
Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt
Cem anos a produzir conservas
Os primórdios da ESIP remontam a 1915 quando o empresário António Judite Fialho abriu uma das primeiras fábricas de conserva em Peniche. Durante o século XX a empresa mudou várias vezes de dono e no início do século XXI, seguindo os sinais dos tempos, já tinha donos estrangeiros.
Em 2006 pertencia à norte-americana Heinz (propriedade de uma portuguesa Maria Teresa Thierstein Simões-Ferreira Heinz Kerry, casada com o proprietário da Heinz, que viria a falecer e depois casada com o senador John Kerry, que foi candidato às eleições dos EUA em 2006) que, por querer recentrar-se no ketchup, condimentos e molhos, alienou os seus activos da indústria conserveira. E fê-lo, vendendo-os a uma instituição financeira que em breve iria ficar famosa no mundo inteiro – a Lehman Brothers Merchant Banking.
O penúltimo proprietário da fábrica – MW Brands – era francês e detinha já o terceiro lugar nesta indústria a nível mundial. A multinacional tinha sede em Paris e fábricas de conservas em França, Gana, Seychelles e Portugal, mas em 2010 foi comprada por 680 milhões de euros, pela Thai Union Frozen Products.
No quotidiano da fábrica de Peniche, a diferença mal se sentiu, mas houve algum alívio ao saber-se que o novo patrão, de nacionalidade tailandesa, era um conserveiro puro e duro e não um qualquer obscuro fundo de investimentos.
Algumas das marcas mais conhecidas produzidas em Peniche são a Petit Navire (francesa), John West (britânica) e Mareblu (italiana). A mais antiga marca é a Marie Elisabeth, lançada para a exportação quando a empresa ainda era portuguesa.
ARTE EM LATAS DE CONSERVA
A produção de conservas de sardinha na zona de Peniche remonta aos séc. I e IV da nossa era, de acordo com materiais anfóricos (ânforas romanas) descobertos no concelho em escavações arqueológicas. Não haviam na época naturalmente lata para fazer as conservas, mas o pescado cortado às posas era então conservado em recipientes de barro, como o prova um complexo recipiente oleiro daquela época destinado a alimentar a produção conserveira.
Para recordar essa “matriz identitária” do concelho, a autarquia lançou uma edição limitada de 50 mil latas de sardinha artísticas com uma impressão da pintura do artista António Carmo “Ó Mar Salgado”.
Produzidas na ESIP, esta série, à venda por dois euros e que a autarquia costuma oferecer aos seus convidados, pretende “valorizar a actividade económica com traços de genuína arte”.
C.C.
Aceito que dificilmente esta peça poderia ter sido escrita por uma operária da ESIP.
Mas também gostaria de ver o seu autor a desempenhar, ao ritmo certo, o tal “trabalho pouco especializado no qual basta cortar e enlatar postas de pescado”.
Será sempre mais fácil manobrá-las no feminino!