Caldas no epicentro da polémica com os colégios privados

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O Colégio Rainha D. Leonor tem sido abundantemente citado na comunicação social nacional a propósito da investigação ao grupo GPS | DR
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Caldas da Rainha continua no epicentro da polémica dos colégios privados na sequência da acusação do Ministério Público ao grupo GPS que envolve dois antigos decisores políticos e cinco administradores daquele grupo. O Colégio Rainha D. Leonor tem sido abundantemente referido na comunicação social porque é vários vezes citado no processo. Sobre os responsáveis do GPS recaem acusações de corrupção, peculato, falsificação de documento, burla qualificada e abuso de confiança.

A foto do Colégio Rainha D. Leonor ilustra o artigo desta semana do jornal Expresso com o título “Governo financia 14 colégios de grupo acusado de corrupção”. O grupo em questão é o GPS e o colégio caldense é amiúde referenciado na comunicação social nacional.
A acusação agora feita pelo Ministério Público refere-se a cinco administradores do grupo GPS, entre eles António Calvete, por crimes como corrupção activa, peculato, falsificação de documentos, burla qualificada e abuso de confiança qualificado, alegadamente, por terem usado mais de 30 milhões de euros dos cofres do Estado em viagens, cruzeiros, carros, mobílias e refeições.
Estão ainda acusados por corrupção passiva o ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa, José Canavarro (governo de Santana Lopes) e o antigo director regional de Educação de Lisboa, José de Almeida, que terão favorecido financeiramente o grupo através de autorizações para abertura de quatro colégios (entre eles os dois das Caldas da Rainha) que iriam receber dinheiros públicos através dos contratos de associação.
Depois de sair  do governo, José Canavarro foi consultor do grupo GPS, entre 2005 e 2011, tendo recebido quase 220 mil euros, montante que o Ministério Público diz ser a contrapartida pelo favorecimento daquele grupo. Já José de Almeida terá arrecadado mais de 68 mil euros entre 2005 e 2009, tendo continuado a colaborar com o grupo pelo menos até 2013.
De acordo com o jornal Público, o Ministério da Educação pagou mais de 66 milhões de euros, entre 2005 e 2013, só a quatro colégios privados do grupo de ensino GPS, entre eles os dois das Caldas da Rainha (Rainha D. Leonor e Frei Cristóvão). Estes estabelecimentos terão conseguido os contratos de apoio financeiro do Estado devido ao pagamento de luvas ao ex-secretário de Estado, José Manuel Canavarro, e ao antigo director regional de Educação de Lisboa José de Almeida.
A acusação especifica a intervenção dos dois ex-decisores públicos dizendo que estes deram “rápido seguimento aos pedidos formulados pelos colégios GPS para que o núcleo fundamental das decisões fosse adoptado antes de cessarem as funções exercidas”. Nesta altura o Presidente da República, Jorge Sampaio, dissolvera o parlamento, fazendo cair o governo de Santana Lopes e obrigando a novas eleições.
De acordo com o mesmo jornal, os processos relativos ao financiamento de dois colégios das Caldas da Rainha deram entrada na Direcção Regional de Educação de Lisboa a 27 de Janeiro de 2005 e no dia seguinte já o director, José de Almeida, pedia à rede escolar para realizar o respectivo estudo técnico. Menos de duas semanas depois uma professora requisitada já tinha feito a informação pedida, na qual, a 10 de Fevereiro, José de Almeida emitia parecer considerando que a criação dos dois colégios permitiria “superar a ruptura de rede pública a partir de Setembro de 2015”, refere a acusação.
Cinco dias depois (e quando o governo já estava em gestão) o secretário de Estado José Manuel Canavarro comprova “efectivamente existir ruptura na rede pública”, considerando que se devia “equacionar” a celebração de contratos de associação, acrescenta o Público.

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SITUAÇÃO DE RUPTURA

Canavarro garante que não atribuiu qualquer direito ao grupo GPS, precisando que o primeiro contrato de associação foi assinado em Novembro de 2006, vinte meses depois de sair do governo. Este responsável justifica ainda a situação de ruptura da escola pública nas Caldas com o facto dos contratos terem sido renovados durante mais 10 anos. E justifica a sua célere diligência: “houve apenas preocupação para dar resposta a uma situação de ruptura”, refere.
No entanto, e de acordo com o Público, outras diligências para resolver a mesma situação de ruptura não tiveram o mesmo tratamento. Por exemplo, o pedido de ampliação das instalações da Escola Secundária Raul Proença, dirigido a José de Almeida, foi entregue a 21 de Dezembro de 2004, mas só chegou à técnica da equipa da rede escolar mais de seis meses depois, em Julho de 2005. A técnica era a mesma professora requisitada que dera informação no caso dos colégios do GPS.

 

“Era notório que havia privilégio dos colégios em detrimento da escola pública”

Gazeta das Caldas contactou os representantes locais dos partidos políticos para saber a sua opinião sobre este assunto. Todos condenam as práticas que constam da acusação do Ministério Público, com excepção do PSD.
Vítor Fernandes, deputado municipal do PCP, entende que este financiamento público aos colégios privados deve ser analisado e que os responsáveis devem ser condenados, se a justiça assim o determinar. O dirigente comunista lembra a luta feita pelo Movimento Em Defesa da Escola Pública, que envolveu professores das Caldas da Rainha e do Oeste, e salienta que “era notório que havia privilégio dos colégios em detrimento da escola pública”.
Vítor Fernandes recorda que os alunos eram enviados para os colégios com contrato de associação quando ficavam professores na escola pública com horários zero e outros viram-se obrigados a ir para a reforma.
“Sempre defendemos a escola pública” disse, dando destaque à coragem do governo socialista ao acabar com estes benefícios. “Se há lugar na escola pública, não faz sentido os alunos irem para colégios privados, e se querem optar pelos privados então [os pais] terão que pagar”, sustentou.

“Prática dolosa”, diz PS

Apesar de não querer comentar o caso em concreto por se encontrar na alçada da justiça, o presidente da concelhia do PS, José Ribeiro, congratula-se por esta “prática dolosa”, que é alvo de suspeitas há vários anos, estar a ser finalmente investigada. “O que o PS sempre defendeu foi o ensino obrigatório, universal e gratuito até ao 12º ano, sendo que a construção do colégio na nossa cidade sempre nos levantou questões, quer acerca da sua necessidade, quer do seu financiamento”, justifica.
José Ribeiro lembra que os contratos de associação com as escolas particulares e cooperativas começaram no início da década de 1980, numa altura em que havia zonas no país com falta de estabelecimentos de ensino e de forma a garantir que todos tivessem acesso gratuito à educação. No entanto, acrescenta, na última alteração ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, que aconteceu em 2013, no mandato do ex-ministro da Educação, Nuno Crato, “passou a ser permitido fazer acordos mesmo quando existisse oferta pública disponível e próxima e, no final do seu mandato, o seu ministério celebrou contratos por um período de três anos”. Uma situação que, destaca o socialista, já foi corrigida pelo actual governo de António Costa.

“Erário público espoliado”

Arnaldo Sarroeira, dirigente do BE caldense, lembra que este partido levantou dúvidas logo no início da formação dos colégios, tanto nas Caldas como em Mafra. “Esse assunto foi sempre acompanhado pelo Bloco pois considerávamos que não era sério e que havia problemas de peculato e corrupção”, refere Arnaldo Sarroeira, acrescentando que a autarquia caldense não fica incólume na questão da cedência dos terrenos e por não se bater por uma escola pública naquele local.
O dirigente bloquista espera que seja revista toda a situação dos colégios na actualidade pois o “erário público está a ser espoliado de verbas que podiam ser aproveitadas na escola pública”.
Ainda referindo-se ao grupo GPS, diz que as relações laborais não foram as melhores e que “era bom que as pessoas fossem tratadas com mais dignidade”, pelo que espera que “seja feita justiça e clarificadas todas as situações”.

“Má gestão deve ser escrutinada pela justiça”

Margarida Varela, presidente da concelhia caldense do CDS-PP, considera que a “eventual má gestão de dinheiros públicos, por parte de alguns grupos gestores de estabelecimentos de ensino, que funcionam em regime de contrato de associação, deve e tem que ser escrutinada pela justiça”. Acrescenta que o mesmo deveria acontecer com a má gestão de dinheiros públicos, praticada por organismos e empresas do Estado, onde situações semelhantes se sucedem constantemente. “Infelizmente a repetição de casos de gestão danosa de dinheiros públicos, por parte de organismos e empresas do Estado, é uma constante que nos remete para patamares terceiro mundistas e que deveriam ter sempre a mesma preocupação, o mesmo impacto e a mesma repercussão que vem sendo dado a este caso”, concretiza a dirigente centrista.
Margarida Varela ressalva que esta questão, que envolve o grupo GPS, “nada tem que ver com a qualidade do ensino praticado”.
Gazeta das Caldas pediu um comentário ao presidente da Câmara das Caldas, Tinta Ferreira, sobre esta polémica, mas o então vereador da Educação durante o período em que os colégios foram instalados nas Caldas, respondeu apenas que esta matéria “não passa pela esfera de intervenção da autarquia”, pelo que não tomou conhecimento da situação descrita pelo Público.

 

 

 

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