Uma estranha sintonia entre o CDS/PP e o MVC na Foz do Arelho levou a que a última reunião da Assembleia de Freguesia, marcada para a passada sexta-feira, 15 de Setembro, não se realizasse por falta de quórum. O representante do CDS/PP, Diogo Carvalho, tornou pública a sua discordância por se pretender incluir na ordem de trabalhos a análise às conclusões preliminares da auditoria à Associação Para a Promoção e Desenvolvimento Turístico da Foz do Arelho. Já os representantes do MVC simplesmente não apareceram.
“Que vergonha! A Foz nunca foi tão envergonhada como agora!”. Foi com desabafos deste tipo por parte de elementos do público (cerca de 20 pessoas) que terminou a Assembleia de Freguesia da Foz do Arelho, meia hora depois de ter começado. A ausência dos elementos do CDS/PP (Diogo Carvalho) e do MVC (Jorge Constantino, Carlos Seixas e Maria Neto) impediram que houvesse quórum para a sua realização.
A ordem de trabalhos incluía a eleição do presidente da Assembleia para substituir Artur Correia, que se tinha demitido, seguindo-se um segundo ponto de assuntos diversos onde se iria analisar o relatório preliminar à gestão da associação.
No dia anterior, o ainda presidente da Assembleia de Freguesia, Artur Correia, tinha reunido com alguns elementos daquele órgão (os representantes do MVC faltaram) e com o autor do documento, Filipe Mateus, tal como já acontecera aquando da divulgação do relatório às contas da Junta de Freguesia. O objectivo era dar a conhecer aquelas conclusões preliminares para serem debatidas no dia seguinte, o que acabou por não acontecer devido ao aparente boicote do MVC e CDS/PP.
À saída da reunião de sexta-feira, Artur Correia disse à comunicação social que não entendia este comportamento de Diogo Carvalho uma vez que a metodologia para a divulgação deste relatório foi exactamente a mesma da do relatório anterior. O presidente da Assembleia de Freguesia disse também que quando convocou esta reunião não sabia da festa do CDS/PP naquela noite na Foz do Arelho (que aquela hora decorria a poucos metros do local e que tinha como cabeça de cartaz Quim Barreiros) nem sabia que nesta altura já viria a ter acesso ao relatório preliminar elaborado por Filipe Mateus.
Fernando Sousa, contudo, em declarações à Gazeta das Caldas, desmentiu Artur Correia, afirmando que este tinha conhecimento da realização do evento partidário. “Ele sabia que iria haver o comício do CDS e eu avisei-o”, disse o autarca.
ARTUR CORREIA ADMITE NÃO SE DEMITIR
Durante o escasso tempo em que durou a Assembleia de Freguesia, Henrique Correia (PSD) perguntou ao presidente da Junta, Fernando Sousa, se sempre avançara com a auditoria às contas do mandato anterior, tal como anteriormente anunciara, tendo este respondido que não.
Mediante este dado novo, Artur Correia admitiu que iria repensar a sua demissão (que apenas teria efeito até às próximas eleições em 1 de Outubro), uma vez que desaparecia assim o motivo que o levara a retirar-se – o não querer obstaculizar uma auditoria que envolvia o seu mandato anterior enquanto membro do executivo.
“Agora as circunstâncias alteraram-se porque o presidente da Junta diz que afinal não avançou com a auditoria. Não sei. Estou num dilema e vou reflectir sobre o assunto”, disse Artur Correia.
Instado a explicar porque motivo não cumprira com essa intenção, Fernando Sousa explicou à Gazeta das Caldas que o executivo não tinha poderes para mandar fazer a auditoria ao mandato anterior do PSD, mas sim a Assembleia de Freguesia. “Mas já reuni um documento com 180 assinaturas de eleitores da Foz do Arelho para entregar ao próximo presidente da Assembleia de Freguesia para que ele mande fazer uma auditoria aos últimos oitos anos antes do meu mandato”, disse.
Fernando Sousa disse ainda que no dia 29 de Setembro vai realizar um comício no Centro Cultural e Recreativo onde irá “pôr tudo a nu”.
O PSD das Caldas da Rainha emitiu um comunicado onde acusa os elementos do CDS/PP e do MVC de “impedirem a realização da Assembleia de Freguesia da Foz do Arelho” numa tentativa de impedir a divulgação do relatório para “esconderem a verdade às pessoas”.
Relatório preliminar revela rotação de cheques e transferências entre associação e Junta de Freguesia
[caption id="attachment_101140" align="alignleft" width="850"] Fernando Sousa em 2014 aquando do encontro internacional de caravanas. Nesse ano e no seguinte, este parque proporcionou 20 mil euros de receitas à Associação e 90 mil à Junta de Freguesia. (Foto de arquivo)[/caption]Dinheiro que vai e vem entre a Junta de Freguesia da Foz do Arelho e a Associação para a Promoção e Desenvolvimento Turístico da Foz do Arelho, cheques passados à mulher e filha de Fernando Sousa – presidente de ambas instituições – cheques sem destinatários, cheques levantados por Fernando Sousa e Maria dos Anjos e cheques sem cobertura que custaram mil euros em encargos e comissões à Associação, são algumas das irregularidades apontadas pelo relatório preliminar a que a Gazeta das Caldas teve acesso.
“A troca de cheques, transferências de dinheiro e depósito em numerário, é sinal de um descontrolo de gestão de verbas de modo a cobrir deficiências financeiras detectadas nos extractos bancários das duas instituições (Junta de Freguesia e Associação) que são geridas pela mesma pessoa que é o presidente”. Esta é uma das conclusões do “Relatório Preliminar de Análise à Gestão da Associação Para a Promoção e Desenvolvimento Turístico da Foz do Arelho” que refere que algumas destas trocas de verbas entre as duas entidades ocorreu nos mesmos dias ou nos dias imediatamente a seguir.
Estas movimentações foram feitas por Fernando Sousa, que é simultaneamente o presidente da Junta e da Associação, facto que para o relator configura um “conflito de interesses” pelo que, de acordo com a lei, todos os actos praticados devem ser considerados nulos.
A direcção da Associação era inicialmente composta por Fernando Sousa, Maria dos Anjos e Sandra Poim. Como esta última se demitiu em Abril de 2015, ficaram apenas o presidente e a tesoureira que são exactamente os mesmos dirigentes da Junta.
A demissão de Sandra Poim deveu-se ao facto de “não estar de acordo com as tomadas de decisão do actual presidente (Fernando Sousa) e respectivo tesoureiro (Maria dos Anjos), que não tem dado conhecimento das contas e dos contratos de aquisição, bem como das decisões que tomaram em relação aos funcionários da Associação”.
Esta direcção foi eleita para o biénio 2014/15, mas não houve eleições para o biénio 2016/17. Como Maria dos Anjos está de baixa prolongada, embora se desloque à sede para assinar cheques, na prática a gestão da Associação “é assegurada em regime totalitário pelo presidente da direcção”, Fernando Sousa.
E dessa gestão, o relatório conclui que existe “um desleixo preocupante na gestão de verbas destas duas instituições [Junta de Freguesia e Associação]”.
A análise dos cheques emitidos pela Associação revela que cinco foram passados ao portador “num procedimento pouco claro e nada transparente com os desígnios de uma entidade que é “financiada” na sua maioria por verbas provenientes da Junta de Freguesia da Foz do Arelho (entidade pública)”. Desses cinco cheques, o auditor apurou o destino de dois deles (prestadores de serviços da autarquia), mas três, no montante de 1135 euros, ficaram classificados como “diversos”.
Tal como acontece na gestão da Junta de Freguesia, também na da associação são frequentes os cheques sem cobertura. No período analisado, entre Setembro de 2013 e Junho, dos 221 cheques passados, 34 não tinha provisão. Estes somaram mais de 20 mil euros e como foram devolvidos, a Associação teve que suportar mil euros em encargos e comissões.
Fernando Sousa e Maria dos Anjos também levantaram cheques em seu nome. Cada um deles passou 13 cheques para si próprios, enquanto elementos da direcção, em montantes que foram de 6.128,91 euros para Fernando Sousa e 3.884,54 euros para Maria dos Anjos.
O relatório diz que foi transmitido ao auditor que estes montantes se destinaram a pagamentos a funcionários da Associação e a pessoas externas a essa mesma associação. Contudo, “não existem evidências de que os montantes foram percepcionados pelos destinatários” pelo que este procedimento é considerado “recebimento ilegal de verbas”. Além do mais, se se destinaram a pagar serviços e salários, deveriam ser alvo de tributação de IRS.
Há ainda um cheque levantado pelo actual tesoureiro da Junta de Freguesia da Foz do Arelho, José António Ferreira, no valor de 635,38 euros sobre o qual não há qualquer comprovativo, pelo que, conclui o relator, essa verba deverá ser reposta pela direcção à própria Associação.
Também foram emitidos cheques à mulher e à filha de Fernando Sousa, no valor, respectivamente, de 270 euros e 216 euros. Esta verba destinou-se a pagar “umas supostas horas de trabalho” que a filha do presidente realizou, mas não há qualquer factura nem recibo desse pagamento, pelo que se conclui que o pagamento é indevido e o montante deve ser devolvido. O relator questiona ainda por que motivo, tendo o suposto trabalho sido produzido pela filha do presidente, é à sua esposa que é passado o cheque.
O relatório também contabiliza 84.510 euros que foram transferidos da Junta da Foz do Arelho para a Associação, parte dos quais saíram da autarquia sem qualquer autorização documentada. Somam-se ainda mais 9.000 euros que também foram transferidos da Junta para a Associação através de cheques dirigidos a esta última, mas que não foram contabilizados nas contas desta entidade. “Este facto pode indiciar claramente um desvio de verbas, de modo a que não possa saber a proveniência do dinheiro”.
Além destes montantes, o relatório preliminar conclui ainda que a Associação recebeu 19.119 euros das receitas diárias do parque de auto-caravanas, 17.279,44 euros do IEFP e 15.556,99 dos CTT. No total a Junta da Foz financiou a Associação em 112.629 euros.
Mas também houve movimentos contrários, da Associação para a Junta, que o relatório não quantifica, mas que se destinavam provavelmente a cobrir deficiências financeiras num lado ou no outro.
O documento analisa também as receitas do parque de auto-caravanas que entraram na Associação e que terão sido em 2014 e 2015 de 19.119 euros. Contudo, no relatório já divulgado da auditoria à Junta de Freguesia é revelado que nesse período a receita do parque de auto-caravanas foi de 90.643 euros. Ou seja, tanto a Junta como a Associação cobravam as entradas e os serviços do parque de auto-caravanas.
Essa prática foi interrompida a partir de 2016, em que a cobrança passou a ser feita apenas pela Junta de Freguesia.
“URGÊNCIA POLÍTICA”
Contactado pela Gazeta das Caldas, Fernando Sousa aceitou inicialmente responder a um conjunto de perguntas do nosso jornal. Contudo, após o envio de 13 questões sobre o relatório preliminar, o autarca alegou que “o tempo que me disponibilizaram não me permite dar uma resposta clara e adequada tendo em conta que são perguntas muito específicas e implicam a consulta de documentação, e a presença do Consultor”.
Fernando Sousa disse ainda que sendo este relatório de carácter preliminar e que o próprio consultor Filipe Mateus terá dito que o mesmo não é estanque e que ainda falta cruzar dados, “devo concluir que existe uma urgência política em fazer conclusões antes de estarem na posse de toda a informação, mais precisamente a dez dias das eleições, transparecendo falta de imparcialidade e segundas intenções”.
Maria dos Anjos também não aceitou prestar declarações.
CONDICIONANTES E LIMITAÇÕES
O relatório refere que houve condicionantes e limitações ao trabalho do relator, Filipe Mateus, porque no dia 14 de Agosto Fernando Sousa se apresentou na agência da Caixa Agrícola da Foz do Arelho, acompanhado pelo tesoureiro, tendo dado instruções verbais para não lhe enviarem cópias dos cheques. Este episódio é confirmado pelo próprio presidente da Junta que esclarece que o fez por não considerar legítima a actividade de auditor de Filipe Mateus (ver Correio dos Leitores).
Gazeta das Caldas contactou a Caixa de Crédito Agrícola para tentar apurar o que aconteceu, mas a instituição, depois de num primeiro contacto ter dito que o assunto estava a ser tratado, acabou por responder que não iria responder.
O relatório preliminar diz ainda que “o presente trabalho e os resultado obtidos até à data foram afectados pela falta de controlo e exactidão dos registos contabilísticos relativos ao processo de contabilização dos rendimentos e dos gastos”, bem como pelo não envio das actas da direcção da Associação. O auditor refere ainda que não recebeu os mapas decorrentes das demonstrações financeiras e que em muitas operações contabilísticas não existia qualquer suporte (factura, recibo ou outro documento) a comprovar a saída de dinheiro.