José Carlos Faria é nas Caldas um dos rostos mais conhecidos do partido que agora comemora cem anos, algumas das quais foram contadas neste espaço. Nas próximas semanas, serão publicados perfis de responsáveis de outros partidos
Não há um momento preciso que José Carlos Faria recorde como o nascer de uma consciência política. No início dos anos 1970, ser-se jovem com um mínimo de instrução era ser-se contra o regime. O miúdo que nascera em Óbidos em 1955 e viera com os pais para as Caldas ainda bebé, crescera numa cidade medianamente cosmopolita para os padrões da época. E frequentava, em 1973, o Externato Ramalho Ortigão.
“Éramos adolescentes, mas percebíamos que vivíamos num país sem liberdade, com livros e filmes proibidos. No meu caso, sentia uma reação instintiva e visceral contra o fascismo, mas que não era acompanhada por uma consciência política”, conta o futuro militante do PCP.
Uma história que o marcou foi a prisão e a tortura, às mãos da Pide, de José António Ribeiro Lopes, um comunista caldense que José Carlos Faria conhecia bem. Quando, no ano letivo 1973/74, vai para Lisboa estudar Pintura nas Escola Superior de Belas Artes (ESBAL), o rapaz que ainda não sabia que não viria a ser pintor mas ator, descobre-se envolto num ambiente conspirativo, com amigos ligados a várias organizações contra a ditadura.
“O Governo Civil ficava ali ao lado e sabíamos que havia informadores na Pide na escola, nomeadamente o chefe dos contínuos da ESBAL. Mas fazíamos reuniões, estabelecíamos contactos, na tentativa de organizar a vida académica e tendo sempre um pano de fundo que era a oposição ao regime”, revela.
Os fins de semana passados nas Caldas eram a continuação desse ambiente de oposição, dessa raiva surda contra um regime que, “mais do que espancar, prender e torturar pessoas, o que já não era pouco, proibia um beijo em público, censurava livros, discos e filmes, oprimia-nos por todos os lados… Sentia que estava permanentemente a bater contra um muro impenetrável”, evoca.
É fácil, por isso, imaginar a explosão de sentimentos, alegria e entusiasmo que representou o 25 de Abril. “Foi um privilégio! Viver aqueles tempos em que sentimos que temos o futuro na palma da mão, em que assistimos às transformações de um país arcaico e oprimido para um país livre que passa a ter futuro”, afirma.
Na véspera desse dia que não esquece, José Carlos Faria tinha-se deitado tarde depois de um serão no restaurante Portugália com amigos. Afinal, um estudante de Belas Artes tem de ter uma matriz boémia e, neste caso concreto, também conspirativa. O caldense vivia num quarto alugado na Praça de Londres e acabou por dormir muito pouco. “Às 6 da manhã entra-me a senhoria no quarto, completamente espavorida, a dizer que há uma revolução e que há tropa na rua. E eu… bom, acho que nunca me tinha levantado tão cedo na vida. Vim cá para fora assistir a tudo. Fui até às Belas Artes e encontrei um colega. Fomos para um miradouro e assistimos à chegada da fragata Gago Coutinho em frente ao Terreiro do Paço, onde na altura estava a coluna do Salgueiro Maia”, recorda.
O estudante percorre a Baixa, aproxima-se do Terreiro do Paço, assiste ao cerco do quartel do Carmo. E vibra com os acontecimentos. “Não tenho dúvidas que a presença das pessoas nas ruas foi decisiva para o sucesso da revolução”, diz.
No dia seguinte, bem cedo, apanha no Rossio o comboio para as Caldas, abraça os amigos e é arrastado para Peniche. “Vamos libertar os presos” é a palavra de ordem do grupo, que não desistiu: “Passámos o dia inteiro em frente ao forte. Só mais tarde soubemos que o Spínola [general que presidia à Junta de Salvação Nacional criada na véspera] não queria libertar os presos. Mas perante tanta pressão popular, teve de ceder”.
O primeiro preso político saiu à 1h00 do dia 27 de abril. “Era o Dinis Miranda, do PCP. E o segundo foi o António Gervásio. E não me esqueço que tinha ao meu lado o Carlos Alberto, que ainda não sabíamos que era um informador da Pide, e que teve a lata de, cinicamente, gritar ‘Oh Gervásio!’ e abraçar-se a ele”.
Os dias seguintes foram “absolutamente extraordinários” para quem começava a viver num país em liberdade. José Carlos Faria fala com entusiasmo das manifestações espontâneas, das reuniões e da comemoração do 1º de Maio na Praça da Fruta. “Nunca mais a praça voltou a estar tão cheia de gente como naquele dia. Tenho a certeza disso. Aqueles dias foram uma vertigem, era recuperar o tempo perdido, havia uma urgência de construir um futuro novo”, considera.
Poucos meses depois, comprometido com a revolução e com a luta política, acaba, de uma forma quase natural, por se inscrever como militante do Partido Comunista Português em julho de 1974.
Depois de um longo percurso ao serviço do partido, regressa às Caldas, onde é um dos rostos mais conhecidos do PCP. Não que tenha sido eleito alguma vez para órgãos autárquicos (só pontualmente tem substituído Vítor Fernandes na Assembleia Municipal), mas por pertencer às listas (foi candidato à Câmara) e por não falhar nenhum dos eventos do partido. Faz ainda parte da Concelhia e é membro da DORLEI (Direção Operacional da Região de Leiria). E não desiste, porque “ser comunista é não desistir, não desesperar, não renegar, não capitular, não trair”. ■