“Temos feito uma oposição sensata, construtiva, percebendo que somos parte de um coletivo”

0
230
Paulo Gonçalves considera que há “muita confusão” entre a gestão da Câmara e a gestão da empresa municipal

A receptividade à discussão, por parte do executivo, é destacada pelo vereador do PS de Óbidos, Paulo Gonçalves, que não deixa de criticar a falta de ambição nas políticas de habitação e de mobilidade. Também a capacidade do execução “não é brilhante”, diz o líder da oposição, que governaria de forma diferente

Paulo Gonçalves concorreu à Câmara de Óbidos há três anos, mas integra o executivo como vereador, na oposição, desde 2017. Garante que no PS não renovam a linha orientadora a cada quatro anos e que preparam bem os assuntos que vão a discussão

Como tem sido feita a oposição neste mandato, numa Câmara com maioria PSD e com o PS com três vereadores sem pelouro?
Há sempre coisas boas e coisas menos boas. Nós já éramos vereadores no mandato anterior, sob a presidência de Humberto Marques, e conseguimos assinalar algumas diferenças. Por um lado, a receptividade à discussão, foi uma coisa que conseguimos conquistar. Conseguimos hoje discutir em reunião de Câmara as nossas posições e isso depois transmite-se para os assuntos que estamos a trabalhar, e isso, de facto, é um ponto forte da execução do nosso mandato. Por outro lado, o superávit com que a Câmara vive hoje modifica muito a forma de atuar de um órgão como o nosso. Tem sido pela ação dos vereadores do PS que se tem conseguido encontrar algumas soluções, achamos nós, mais vantajosas para a sociedade obidense.
Acreditamos, até pela dimensão dos votos, que há muitas das nossas ideias que merecem uma atenção especial e temos conseguido fazer isso em muitos pontos… como o alargar dos apoios para estudantes e incluir mais alunos. Nós temos uma oposição construtiva. Às vezes teremos que ceder em questões, eu diria, de menor relevância, mas penso que temos feito uma oposição sensata, construtiva, percebendo que somos parte de um coletivo.

Esses são os pontos fortes. E os fracos?
Achamos que o papel do executivo está determinado pelos votos e, portanto, o nosso papel é ajudar à governação e sermos aquilo que nós chamamos de vigilantes da social-democracia. Tentar que os executivos não abandonem a sua linha, que foi aquela que também foi sufragada pelas pessoas. O nosso papel é fazer parte daquele órgão e não de outro, não somos uma câmara sombra, e eu diria que temos conseguido fazer isso, muito embora eu perceba que para as pessoas que votaram no Partido Socialista, se calhar esperassem que nós andássemos na rua, andássemos a fazer ações…
Nós, desde o mandato anterior, temos regras de estudo, de trabalho e de planeamento dos assuntos da reunião de câmara. Não discutimos nenhum assunto da reunião de câmara que não vejamos com todo o empenho que ele merece e essa nossa participação é reconhecida por parte do PSD, do PS, e também pelos funcionários da autarquia e dirigentes.
Atualmente temos um orçamento de 30 milhões de euros com um saldo orçamental na casa dos 8 milhões e eu prevejo que em 2024 vamos chegar aos 10 ou 12 milhões de saldo. E a pergunta que se coloca é, tendo o poder e os meios, o que é que fazemos com eles? Parece-nos que o plano estratégico que o presidente [Filipe Daniel] apresenta, a 10 anos, é uma estratégia comunicacional, um projeto pessoal, diria, de deixar obra e não tanto aquilo que achamos que os obidenses necessitariam. E, portanto, essa é a nossa crítica, que é o que fazer com o poder e o que fazer com o dinheiro que emana da arrecadação da receita. Parece-nos que a capacidade do execução não é brilhante e que os alvos da governação também não são aqueles que nós escolheríamos.

O que é que o PS defende como investimentos prioritários para o concelho?
O PS tem uma leitura da política autárquica que os seus candidatos não renovam de 4 em 4 anos a linha orientadora de um conjunto de pessoas, de um conjunto de órgãos. O PS é uma estabilidade, uma social-democracia, virada para as pessoas, que é ocupada em dar oportunidades a todos e criar, eu diria, harmonia e equidade no concelho.
Temos um concelho fragilizado pelo facto de termos cada vez menos jovens e quase 60% dos munícipes têm uma formação escolar na casa do sexto ano ou inferior. Temos conseguido nos últimos anos que haja mais qualificação de jovens, mas a população ativa não tem muita formação e nós gostaríamos que a tivesse, pois ela é importante também para que as pessoas se sintam mais atentas aos problemas que o órgão autárquico, que é o governo do concelho, possa resolver.

E quais são essas grandes fragilidades?
Falta de habitação, claramente. Dentro da vila é uma coisa absolutamente impossível, não só pela questão dos preços, mas porque aquele tipo de alojamento não cativa, com casas pequenas, com poucas condições. Não é para ali que os jovens querem viver e quase não temos núcleos habitacionais, não existem apartamentos à venda e aqueles que se puserem à venda, por via do mercado, são comprados pelos estrangeiros porque têm vista para o castelo ou para a lagoa.
Temos que criar espaços habitacionais, não sei se em cooperativa se a custos controlados, é uma questão que temos que avaliar… não sei se em terrenos privados, se em terrenos da Câmara, mas temos de dar um passo. O plano de habitação que a Câmara apresentou não é mais do que um plano de recuperação das casas que a própria Câmara tem, que são pouquíssimas, para agregados familiares, de ação social.
Também temos um problema de mobilidade no concelho, somos sete freguesias dispersas e, por causa de toda a orografia, não temos mobilidade. Os jovens para terem mobilidade têm que tirar a carta de condução e usar o carro dos seus pais.
Os jovens têm transporte para a escola às 7h30, chegam à escola às 8h30, saem da escola às 17h30 e regressam à casa, são esses os transportes que estão garantidos. Sabemos que faltam recursos humanos à autarquia e que também não tem havido investimento no saneamento básico. É preciso fazer o mapeamento e depois um grande investimento. A teoria do atual executivo é de que vamos estudar, perceber, até chegarmos à conclusão que é um investimento de 20 milhões de euros que não temos, vamos lá ver agora como é que vamos conseguir arranjar… A nossa teoria é a de que se fossemos passo a passo, em 10 anos, tínhamos feito 10 milhões em coletores, que não fizemos. Eu percebo que agora é difícil dar o passo grande, mas ele aplica-se tanto à mobilidade urbana, como se aplica à habitação, aos transportes e ao saneamento.

Falou na estratégia promocional da marca, que assenta muito nos eventos também. O PS tem sido crítico, ao longo do tempo, dos grandes eventos e da pressão que criam. Continuam a ter essa visão?
Não, nós achamos que os eventos são essenciais, mas não podemos ser só uma Câmara Municipal de eventos. Já temos uma empresa municipal que foi construída apenas para pensar nos eventos e a Câmara transformou-se, também, agora numa espécie de concorrente da Óbidos Criativa.
Grande parte do financiamento tem vindo do IMT e IMI, nomeadamente por causa dos empreendimentos na costa, que retiraram o acesso livre, mas que deve ser usado para melhorarmos a qualidade de vida dos munícipes. No entanto, as pessoas não vêem que desses milhões de euros sejam resolvidas pequenas questões, seja da habitação, da mobilidade ou até das condições, por exemplo, dos parques de estacionamento que continuam em pedra, ou dos WCs de acesso à vila, que são do terceiro mundo.
O que nós pedíamos é que houvesse uma transferência desses fundos mais imediata e mais visível para as pessoas.
Nós não somos contra os eventos, gostávamos é que eles fossem programados para ter em conta aquelas que são as necessidades da população. Discutimos em reunião de câmara, e aprovámos por unanimidade, a interdição do trânsito entre o posto de turismo e a farmácia, sob proposta do presidente. Nós demos de imediato o salto para a discussão da interdição do trânsito em toda a Rua Direita e o executivo não acompanhou esta nossa progressão… Gostávamos que tivesse havido coragem também de avançar, até para proteger a questão dos eventos.
Nós não temos nada contra os eventos, mas achamos que se investe demasiado dinheiro em alvos que não são os alvos diretos da nossa população.

Ainda sobre a questão dos eventos, o PS acusava, por um lado, a falta de transparência nas contas e, por outro, defendia a extinção da empresa municipal. É uma posição que ainda se mantém ou atualmente sentem que se justifica a sua existência?
Nós dizíamos uma coisa diferente, é que há muita confusão entre a gestão da Câmara Municipal e a gestão da empresa municipal. Gostaríamos que aquela gestão, porque é uma empresa municipal 100% detida pelo capital público, fosse controlada pelo executivo, como existe na maioria das empresas municipais.
Não temos grande coisa a dizer da Óbidos Criativa, a não ser que uma vez que se trata de capital 100% público, as decisões da sua área estratégica deviam de estar no órgão. Isso dava mais transparência, mais alinhamento das posições estratégicas e nós e a população tínhamos mais capacidade de acompanhar essa atividade.
E depois existem estas confusões, porque a Câmara tem uma empresa municipal para dinamizar eventos, mas depois há outros eventos que é a Câmara que os faz, ou em co-autoria. Não é falta de transparência, mas se eu perguntar, quantas pessoas entraram no Mercado Medieval? Quantas pagaram? Qual foi o custo de toda a operação? não conseguimos saber isso. Nós não conseguimos saber, evento a evento, o que é que está a resultar bem e o que é que está a resultar mal, portanto, nós gostaríamos de um bocadinho maior transparência, que se conseguiria se fosse controlado por um conselho de administração, como existe, por exemplo, em Torres Vedras, com a empresa municipal Promotorres.

Relativamente ao novo hospital, qual a posição sobre a sua localização?
Para nós sempre foi muito claro, se é para haver só um hospital, não pode ser nas Caldas nem em Torres Vedras. A questão, na nossa opinião, não é tanto onde é que deve estar o único hospital, mas que não pode haver um único hospital.

Qual a solução?
A nossa solução é que os hospitais das Caldas e de Torres têm de continuar a funcionar e têm de ser reforçadíssimos, não sei se em novas instalações, ou acrescentando-os, se houver espaço. A informação do presidente da Câmara de Óbidos, na última reunião, é de que vai ser feito um novo estudo, com outros critérios, mas desta vez parece que vai ser o Ministério da Saúde e o governo, e não a OesteCIM…Andamos de estudo em estudo.
Quando apareceu o estudo da OesteCIM houve também a pressão do Governo, à data PS, para que a câmara aceitasse a delegação de competências na área da saúde. Na altura, votámos por unanimidade, a não aceitação das competências enquanto não colocarem cá os médicos e houver cuidados de saúde primários. Nem passaram 30 dias que o Governo PSD tomou posse e este presidente já aceitou as competências. Misturar as questões políticas com as questões dos órgãos autárquicos, preferir o partido às questões de Óbidos, nós nunca fizemos. E é isto que me atrai no PS, do qual eu não faço parte [é independente eleito pelo PS]. E é isso que criticamos, a falta de espinha dorsal nos assuntos que são determinantes para Óbidos. Quando é jogos de lugares, jogos de influência, montar carreira política, deixar marca… quando entra nesta esfera, já não estamos a fazer política.

Em relação às eleições autárquicas, o que é que o PS de Óbidos está a fazer para tentar resgatar a câmara ao PSD?
O PS teve agora eleições para a concelhia e estarão a fazer o seu trabalho. Sobre isso ainda é cedo para que possa dizer alguma coisa, mas o PS está muito interessado em conseguir aproximar-se do resultado de há quatro anos, em que ficámos muito perto da vitória. Queremos seguir os bons exemplos, como é o da Câmara de Leiria, que foi durante 20 anos PSD e, de repente, Raul Castro ganha as eleições, operando uma completa transformação. Parece haver aqui um clique que nos falta dar e que tem que ver, essencialmente, com a dificuldade em concorrermos a todas as freguesias.
Desde 2017, quando eu me juntei à equipa e o Vítor Rodrigues foi candidato, que mantemos o hábito de, na semana em que há reunião de câmara, reunimos à quarta-feira, em reuniões que são abertas. Ter pessoas das freguesias e outras que estão nos órgãos autárquicos, é muito útil porque dá-nos um conhecimento perfeito do que é que se passa nas freguesias e nem é a ponte suspensa nem o restaurante panorâmico do presidente. São coisas um bocadinho mais simples.
Nós temos ambição, mas se tivéssemos 3 milhões de euros consigo dizer 10 coisas para resolver o problema das pessoas de forma rápida.
O meu compromisso é com o projeto. A questão [da candidatura] ainda não foi colocada, mas devo dizer que sou adepto da renovação do candidato que não mereceu o voto das pessoas.

Mas está disponível, se for convidado?
Estou disponível para participar na discussão. Tenho feito, juntamente com os meus colegas vereadores, um trabalho muito apurado e somos seguramente as pessoas mais preparadas em relação às questões autárquicas. Temos entre nós um conjunto de pessoas com muita experiência na administração pública que pode ajudar a alavancar a máquina, pois sem a máquina câmara municipal bem oleada é impossível fazer qualquer tipo de projetos. O atual presidente está a sentir esta incapacidade de projetos prontos [devido à falta de recursos humanos] e tem que ir ao mercado tentar contratar gabinetes de arquitetura ou de especialidades para conseguir ter projetos para apresentar.

Estamos a um ano de eleições, o que é que se pode esperar do PS neste último ano de mandato?
Acho que o PS agora tem que se mobilizar. A maior parte das pessoas não está disponível para avançar pois tem compromissos profissionais, portanto vai ser um trabalho difícil. Mas eu espero que nós consigamos convencer as pessoas de que a política não é um sonho e que os nossos problemas são coisas muito concretas. ■